segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Maeve, a Rainha Sedutora

Vera Pinheiro

            Deusa tríplice irlandesa, Maeve era Rainha das fadas e cultuada em Tara, o centro mágico da Irlanda. Esta deusa celta presidia a guerra, a sexualidade e a soberania da terra, e fornecia proteção, liderança e sabedoria, conforme com os pedidos humanos.
Celebrada no Festival das Fadas, realizado a 4 de maio, e também no dia 21 de maio, Maeve era uma deusa guerreira, que cavalgava cavalos selvagens e vivia rodeada de animais, sendo representada cercada por pássaros dourados que, pousados em seus ombros, sussurram conhecimentos mágicos, de acordo com Mirella Faur, escritora, pesquisadora e Sacerdotisa da Grande Mãe. Com o passar do tempo e sob a influência cristã, a cultura irlandesa mudou e Maeve foi reduzida à condição de simples rainha mortal, o que não era pouco, mas certamente aquém de seu esplendor como deusa.
Maeve, segundo a lenda, era uma das seis filhas de Eochardh Feidhleach, rei de Connacht, uma mulher muito bela, sedutora e forte, dotada de uma mente brilhante, estrategista hábil, talhada para enfrentar qualquer tipo de batalha. A rainha Maeve, do reino irlandês de Connacht, podia correr mais do que os cavalos, conversar com os pássaros e levar os homens ao ardor do desejo com um simples olhar.
Seu nome celta era Medb ou Medhbh, “aquela que intoxica”, no sentido de ser uma mulher “embriagante”, sedutora, fascinante e dotada de intensa sexualidade. Ela escolhia à vontade os seus amantes e nenhum homem a olhava sem se apaixonar por ela. Era muito segura de sua feminilidade e sexualidade. Diziam que possuía um apetite sexual voraz, mas é um erro vê-la como inconveniente e lasciva, que utilizava a satisfação sexual com a finalidade de ganho egoístico.
Maeve simboliza o poder feminino e é a personificação da própria Terra e sua prosperidade. Uma mulher corajosa, ardente, selvagem, e um pouco vingativa também. É uma representação da Deusa Mãe em idade fértil, embora possa alcançar um pouco da face Anciã, já que também preside a morte.
Ela rege o amor e a guerra, a morte e o nascimento e os ciclos, tanto da vida como os menstruais. Aos seus amantes, ofertava uma taça de vinho vermelho como seu sangue. O vinho de Maeve representava o sangue menstrual que era considerado como “o vinho da sabedoria das mulheres”.
Na Irlanda o Festival Pagão de Mabon era comemorado em sua honra. Durante essa festividade, quem almejasse ser rei aguardava que Maeve os convidasse a beber de seu vinho. Isto assegurava que o homem, para ser rei, necessitava ser versado no feminismo e nos mistérios das mulheres. Shakespeare a trouxe à vida como Mab, a Rainha das Fadas. Em uma versão mais moderna, os ecologistas a converteram em Gaia, o espírito da Terra.
As mulheres que se encontram sobre a influência deste arquétipo são corajosas, temperamentais e indomáveis, donas das suas vidas, das suas escolhas e se negam a viver à sombra de um homem, embora saibam que precisam do equilíbrio masculino/feminino. Elas são lutadoras, trabalhadoras, muito seguras de si e da sua sexualidade. Procuram um homem que as trate de igual para igual, nem mais nem menos, e amam como ninguém! São mães leoas e defensoras da justiça e daqueles que lhes parecem mais fracos.
Quando esta deusa surge nas nossas vidas, ela nos convida a entrar em contato com o nosso lado mais guerreiro. Ela não nos incentiva a passividade. Pelo contrário, nos ensina a sermos ativas, corajosas e lutadoras para alcançarmos os nossos objetivos.
Maeve nos aconselha a respeito das responsabilidades que temos sobre nós mesmas e nos traz a consciência de que somos as únicas responsáveis sobre nossas vidas. Esta deusa sugere que deixemos de atribuir aos outros a responsabilidade dos acontecimentos de nossas vidas, incluindo os fatos positivos, que por modéstia ou educação equivocada, deixamos de reconhecer como mérito próprio e, igualmente, os fatos que resultaram em frustração e desapontamento.
Temos imensa dificuldade de identificar em nós a nossa contribuição para a ação do destino em nossas vidas e identificar como nossas as ações e reações que contribuem para o desfecho de determinada situação. Porém, é imprescindível assumirmos as consequências dos nossos atos e escolhas, pois jamais seremos autônomas e independentes se colocarmos as nossas vidas nas mãos de outra pessoa.

A BATALHA DAS RESES DE COOLEY
(“Tain Bo Cualngé”)
No épico irlandês Tain Bo Cuillaigne, Maeve discute com o seu rei sobre quem é o mais rico, uma vez que, segundo o costume celta, o mais rico numa parceria é o soberano. Ele venceu por ter um touro mágico branco. Ela, então, decidiu roubar para si um touro vermelho mágico. Entretanto, quando os dois touros se enfrentaram, estraçalharam-se um ao outro em pedaços.
Vamos entender este mito, passando pela antiga sociedade celta, que era dividida em clãs e onde os laços familiares eram muito valorizados. As mulheres celtas se equiparavam aos homens: possuíam propriedades e ocupavam posições de prestígio dentro da sociedade. Também não existia a monogamia nas uniões. Eram igualadas aos homens não apenas pela sua estatura e altivez, mas também por sua coragem e participação ativa nas batalhas, conforme comprovam centenas de relatos de mulheres poderosas e rainhas deificadas como Maeve.
Os celtas respeitavam profundamente a Natureza, honrando a Terra e suas criaturas como elos sagrados na teia da criação e na magia da vida. Esta reverência e o culto de inúmeras divindades ligadas às forças da natureza mantiveram-se intactos mesmo depois da romanização das terras celtas e do sincretismo com os deuses romanos. Porém, a erradicação e perseguição agressiva e opressiva da religião pagã aconteceram com a chegada do cristianismo, que conseguiu impor seus dogmas e proibições, apesar da resistência dos druidas e do povo, principalmente o irlandês.
Para erradicar a religião pagã e suas tradições, os monges cristãos começaram a registrar lendas, mitos, crenças e costumes com as devidas correções e inevitáveis distorções, introduzindo elementos e conceitos cristãos. Mesmo assim, boa parte do legado ancestral foi preservada e o substrato original pode ser percebido se olharmos além das incongruências conceituais e sobreposições cristãs.
A cultura cristã e a mentalidade atual dificultam compreender e aceitar um dos conceitos celtas, a associação dos arquétipos sagrados femininos com a guerra. Para transpormos barreiras conceituais devemos conhecer o princípio celta da soberania da terra, sempre representado por uma Deusa Mãe com características protetoras e defensoras. A vida e a sobrevivência dependiam da terra e por isso ela devia ser preservada e protegida, pois desrespeitar a terra e a soberania de um povo significava ofender e ameaçar a própria natureza criadora da vida.
A soberania, o verdadeiro poder de quem governava e conduzia os destinos de um povo, pertencia a um arquétipo feminino, a própria Deusa da Terra, com a qual o rei ou governante devia se casar simbolicamente para garantir a prosperidade e paz. O casamento do rei com a Deusa da terra representava as condições indispensáveis para que a soberania se manifestasse: respeito, igualdade, confiança, parceria e solidariedade.
A representante da Deusa soberana era uma sacerdotisa ou rainha imbuída de poderes especiais, que até mesmo podia ser divinizada, como se conclui da lenda de Maeve. Nos mitos, aparece de forma metafórica o alerta sobre as consequências da opressão, violência e exploração da natureza e da mulher com os inerentes desequilíbrios, falta de prosperidade e convívio pacífico.
Em várias lendas, Maeve representa o espírito feminino arcaico, existente em cada mulher e que é expresso em grau maior ou menor como comportamento instintivo, impulsivo, corajoso, combativo, sedutor e fértil. Famosa por sua beleza e possessão sexual, Maeve teve muitos amantes, a maioria oficiais de seu exército, o que de algum modo assegurou a lealdade de suas tropas.
O primeiro marido de Maeve foi justamente o seu rival mais constante, o rei Conchobor Mac Nessa. Maeve foi-lhe dada em casamento como compensação pela morte de seu pai, mas, para provar sua independência, ela o abandona. Conchobor, insatisfeito, encontra Maeve banhando-se no rio Boyne e a estupra. Em decorrência do fato, os reis da Irlanda se unem para vingar o ultraje. Nesta batalha, perde a vida Tinne, o então marido de Maeve.
A rainha de Connacht está sem rei, e por isso os nobres se reúnem e indicam Eochaid Dala para ser seu novo marido. Ela consente, desde que o marido não seja nem ciumento, nem covarde, nem avarento.
Certo dia, Maeve adota um garoto, que passa a integrar a sua corte. Com o tempo o garoto cresce, torna-se um hábil guerreiro e seu amante. Eochaid não aceita bem a situação, assim como os nobres de Connacht, que tentam expulsar o rapaz da corte. Maeve consegue impedir e o jovem desafia o rei para um combate. Por ser um grande guerreiro, acaba matando o rei e assume o trono ao lado de Maeve. Esse é Ailill, seu marido mais importante.
Maeve estava casada com seu terceiro marido, o rei Ailill, quando discute com ele para saber quem tem maior fortuna. Ela faz alarde de possuir mais que Ailill, e em virtude da legislação celta, quem possuir mais bens pode mandar nos assuntos de casa. Quando lhe contam que lhe falta um touro para vencer Ailill, ela se dispõe a fazer qualquer coisa para obter um animal extraordinário, cujo posse faria inclinar a balança a seu favor.
Ailill tinha um touro a mais, chamado de “Finnbelmach” (touro branco). Maeve pede então para Daré, filho de Fiachna, que lhe ceda seu touro, o famoso Dona de Cuahlgé, que vivia em Ulster, nas terras de seu rival Conchobar. Em troca ela lhe daria terras, um carro de guerra e, sobretudo, o receberia em sua cama.
Filha do rei supremo da Irlanda, a rainha Maeve possui soberania, ou seja, ela é a soberania, o poder. Do mesmo modo, segundo a mitologia grega, que os mortais adquiriam poderes divinos ao se converterem amantes de uma Deusa, também um homem que se tornasse amante de Maeve poderia obter os poderes que ela representa. Mas a alegria da rainha pelo valor de sua recente aquisição não durou muito. O touro sobrevivente subiu em uma colina para mugir para todos os reinos irlandeses e morreu devido ao esforço despendido no ato. Desde então, a colina passou a chamar-se Druim Tairb, a Colina dos Touros.
Como podemos observar, o objetivo principal de Maeve era o touro, que desde a mais remota Antiguidade é um símbolo feminino, encontrado nas culturas ancestrais de Creta do Egito e da Anatólia.
O touro antes de tudo evoca a ideia de poder e de ímpeto irresistíveis. Para os celtas ele pode ser também símbolo da morte violenta dos guerreiros. Na Dália são conhecidas representações de um touro com três chifres, antigo símbolo guerreiro (o terceiro chifre. seria o equivalente ao que, na Irlanda, é chamado “lonlaith” ou “lua do herói”, uma espécie de aura sangrenta, jorrando do alto da cabeça do herói em estado de excitação guerreira). O touro é, ainda, representação da força temporal, sexual, a fecundidade da natureza.
Não por acaso, o segundo signo do zodíaco, Touro, é governado por Vênus e simboliza a força de trabalho e encarna os instintos, especialmente os da conservação, da sexualidade e de um gosto pronunciado pelos prazeres em geral, particularmente os da carne.

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