Vera Pinheiro
Pertencente à raça dos gigantes,
filha de Gymir e Aurboda, Gerda era a deusa da luz, status adquirido pelo
casamento com o deus Frey. Conhecida por sua radiante beleza, ao caminhar ela
deixava um rastro de fagulhas e, quando levantava os braços, irradiava uma
luminosidade brilhante sobre o céu, a terra e os mares, conforme a escritora Mirella Faur, que descreve Gerda (Gerd, Gerdi ou
Gerth) como a “Deusa Luminosa”, em seu livro Mistérios Nórdicos (Ed.
Pensamento). Para alguns autores, essa luminosidade é a Aurora Boreal.
Na Islândia, em 22 de abril, celebrava-se
o Dia da Terra, que comemorava a chegada da primavera e homenageava Gerda, a
severa deusa escandinava, Senhora da Terra Congelada pelo inverno, que despertava
pelo toque luminoso de Frey, o alegre deus da primavera e da vegetação.
Antes de se casar, a giganta Gerda
habitava uma casa simples de madeira, cercada de montanhas, em Jötunheim, de
onde saiu para morar no faustoso palácio
de Frey em Alfheim, junto com Frey, adquirindo, pelo casamento, o status de
deusa. Seu nome era associado com a terra, os lugares sagrados e os campos, e o
seu casamento foi descrito como “a união sagrada entre o céu e a terra”,
celebrado nos rituais dos Sabbats
celtas e dos Blots nórdicos.
No seu livro Ragnarök, o crepúsculo
dos Deuses – Uma Introdução à Mitologia Nórdica (Ed. Cultrix) Mirella Faur diz que
a principal característica de Gerda era a sua maneira reservada de se comportar
e a sua firme recusa em se deixar coagir ou comprar com presentes. “Como seu
nome é associado também a local cercado,
templo, a sua determinação em não
ceder mostra o recolhimento no seu próprio espaço sagrado, simbolizando, assim,
a preservação do self”.
Como giganta, Gerda tinha o
potencial de manifestação do poder primal, caótico e destrutivo, que ela
controlava e continha com maestria e domínio. Gerda não
se deixava governar por impulsos e paixões, pois sabia como dominar o caos e
por isso ensinava o respeito e a manutenção dos limites. “Ela orienta,
portanto, a manutenção da integridade, o fortalecimento da autoestima, a
lealdade dos próprios valores e o recolhimento interior”.
De acordo com Mirella Faur, a
deusa Gerda pode ser invocada nas situações em que é preciso vencer a oposição
ou a resistência de pessoas ou de circunstâncias, e para ativar e reforçar
novos projetos, bem como em rituais de embelezamento, para aumentar a
sensualidade e o poder de sedução. Mas a sua proteção vai muito além disso.
“Como protetora das mulheres solteiras, Gerda lhes recomendava o respeito pela
própria sacralidade feminina, para que assim abrissem seu “templo” apenas no
devido tempo, para o parceiro certo e com a necessária observação, avaliação e
precaução”.
A escritora explica que “a
autopreservação é uma qualidade importante que era conferida por Gerda àquelas
que dela precisavam, seja como proteção nas práticas mágicas e espirituais,
seja nos relacionamentos familiares e afetivos. Ela protegia contra a falsidade,
as ilusões e as armadilhas emocionais ou sensoriais, evitando que as mulheres
ficassem enfraquecidas pelas concessões ou submissões, recomendando-lhes a
clara observação e a prudência nas escolhas e ações”.
No livro “Ragnarök”, Mirella Faur dá uma
significativa maneira de recorrer a essa deusa nórdica. “Gerda ensinava também
como fortalecer a hamingja (sorte,
poder) pessoal e familiar e honrar os ancestrais, resgatando os vínculos com as
energias sagradas da terra, dos ciclos e das estações, das pedras e das plantas”.
A sabedoria de Gerda recomendava paciência, autoestima e a reverência pela
sacralidade dos espaços exterior (nas práticas espirituais) e interior (o
templo do Eu Superior), onde devia ser procurado o silêncio e ouvida a voz
divina.
As gigantas
são descritas nos mitos como lindas e atraentes mulheres, corajosas e dotadas
de poderes mágicos. Em razão de conhecerem o “wyrd” (o destino), algumas delas
foram cultuadas com fervor mesmo depois da cristianização.
A relação entre deuses e gigantes, e
seus eternos combates, é analisado pela pesquisadora como uma alegoria da
conquista e da submissão da sociedade e dos valores matrifocais e geocêntricos
pelos povos e deuses patriarcais. “Na Tradição Nórdica, a Terra também era
feminina, sempre disputada e conquistada, segundo contam todos os mitos que
exaltam a vitória dos deuses sobre os gigantes e seu desejo pelas gigantas,
cobiçadas por sua beleza, força física ou poder mágico. Muitas se tornaram
amantes ou esposas dos deuses e algumas conquistaram seu status divino graças a
essas alianças”. Os deuses jamais subjugavam ou maltratavam as gigantas. “Pelo
contrário, elas eram respeitadas, desejadas e adoradas, e seus conselhos e
auxílio eram muito valorizados”, diz ela.
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