domingo, 25 de dezembro de 2011

Recordações de outros Natais

Vera Pinheiro

            Um dos Natais mais marcantes de minha vida foi lá pelos meus sete anos. Eu queria muito ganhar uma bicicleta e o Papai Noel trouxe uma para mim, enquanto estávamos na Missa do Galo. Naquele tempo eu ia à missa.

            Porém, Papai Noel não dá laço sem nó. Deixou uma bicicleta e, junto, uma vara de marmelo e um bilhete dizendo que se eu não largasse a chupeta (de bebê, gente, não aquilo de gente grandinha e safada), ele levaria a minha bicicleta e eu ficaria apenas com a vara de marmelo. Isso foi pior do que deixar do vício de cigarro! Mas resisti, firme e forte.
           
            Minha amada irmã mais velha, que crueldade com uma pobre criancinha! Valeu a intenção do presente, mas não precisava manchar a imagem do Papai Noel desse tanto! Nunca mais tive uma boa relação com ele que, nas minhas lembranças, dá e ameaça tirar por um comportamento que ele julga sem dar direito à defesa. E olha que sempre fui comportadinha. Imagina se não fosse!

            O meu problema com o Natal é fazer aniversário uma semana antes. Como a minha família não era abastada, para não dizer pobre de marré, logo cedo tive de escolher se queria presente de aniversário ou de Natal, porque dois não poderia receber. É claro que eu queria presente de aniversário e de Natal, mas essa alternativa não me era oferecida. Ou um ou outro. Pronto, acabou. Sem contestações.

            Desde cedo, portanto, fui colocada contra a parede para tomar decisões, e essa era apenas uma delas. Não tinha dez anos ainda e já precisava decidir sobre o que a vida deveria me presentear. Muito cruel isso.

            Não tinha muitas amigas, mas as que eu tinha ganhavam presentes de Natal. Preferi, então, abrir mão do presente de aniversário para, como as minhas amiguinhas, ganhar presente de Natal. Até hoje acho isso uma sacanagem com a minha criança interior.

            Dos presentes que recebi, Márcia e Paulo César foram os melhores. Eram meus “bebês”, dois bonecos de sexos bem definidos, um guri e uma guriazinha. Amava os meus bebês. O curioso é que não dei esses nomes aos meus filhos, quando nasceram.  E eu gostava tanto de bebês que brincava de lavar a cabeça deles enquanto lavava conchas na pensão de minha mãe. Quando tive a chance de descer à terra, entrei na fila da maternidade umas quantas vezes, mas tive apenas dois bebês: Guilherme e Camila. Mas eles valem por uma dúzia, que eu gostaria de ter tido. Sou mãe de montão! E como não tive mais filhos, crio quatro gatos e três cachorros, a minha família animal. Já foram em maior número, mas houve uma devastação na ninhada, assunto para outra hora.

            Por enquanto, e agora, Feliz Natal a todos. Sem vara de marmelo. Até porque a lei pega quem ousar recorrer a ela para enquadrar a gurizada!     

Ho Ho Ho Feliz Natal


Sempre achei que não fico bem de barba...
Nesta época, saco cheio!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal cotidiano

Vera Pinheiro

            Não gosto de comportamentos previamente agendados para certas ocasiões e de atitudes determinadas com antecipação, como se decoradas para uma exibição teatral. Também não me convencem bons modos programados para datas comemorativas apenas. Gosto de espontaneidade, sinceridade e coerência. E de boa vontade em mudar aspectos que merecem apupos, porque desprezíveis.
            Botando o dedo na consciência, cada um tem algo a reformar em si mesmo. O mundo é uma grande oficina do ser humano e é lamentável que alguns não aproveitem a chance de aperfeiçoar o que são, transformando-se em pessoas melhores enquanto desfrutam do breve passeio que é a vida no plano terrestre.
            O ano correu célere, nos envolvemos em mil ocupações e, de repente, cá estamos na celebração de mais um Natal. Esse é um momento que muitos, equivocadamente, associam à angústia de enfrentar lojas superlotadas para a compra de presente como se isso fosse a coisa mais importante da comemoração. Sentem necessidade de presentear familiares, amigos e colegas para expressar sentimentos que não vivenciam ou para fingir afeto que não sentem. Acham que “fica chato” deixar de presentear os que são de convívio mais próximo, sem perceber que chato mesmo é ter sido, ao longo de todo o ano, absolutamente intratável à maioria, insuportável para todos e considerado caso perdido em termos de boa educação.
            Ah, não. No Natal, muda tudo! Quem é áspero se torna modelo de delicadeza, os grosseiros se travestem de gentis e os maus se fantasiam de boas criaturas. Uma ilusão somada à outra e todos cantarolam canções natalinas, exultam a figura do Papai Noel e se esquecem de Jesus, cujo nascimento é celebrado.
            Vamos fazer um esforço pessoal para transformar o que é farsa em sentimento real e para fazer Natal no cotidiano, todos os dias. Que o Natal seja a festa da simplicidade e que a arrogância não tenha espaço nos nossos corações. Seja a vida simples e fácil, com a beleza de uma manjedoura cercada de bichos, de pastores do afeto e de reis prósperos. Seja tudo absolutamente belo como a natureza é. Sejam os nossos dias tão alegres quanto aquele em que nasce uma criança.
            Que nasça em nosso peito a vontade de amar e de ser feliz.
Que venham os presentes da fartura, da abundância e, sobretudo, do amor pleno, amplo, imensurável. Que todos os dias nós recebamos uma cesta de carinho, de compreensão, de fraternidade, de perdão, de luz. De muito amor, o sentimento mais necessário ao mundo. Que possamos trocar ternura sem medo, amar sem travas, sorrir sempre e chorar apenas quando nos emocionamos grandemente. Que tenhamos alma de criança, que se encanta com tudo, anda atrás de descobertas, sempre recomeça.
            Que os sonhos sejam possíveis, que a felicidade seja viável.
Que aquilo que nos faz contentes não esteja longe, que as pessoas amadas estejam perto, que a família esteja unida também nas horas em que não há festa.
Que haja pinheiro enfeitado não apenas neste dia, que haja estrelas todas as noites, que a vida brilhe e nós também. Que haja brindes, comemorações, festejos, mas sem ressaca depois, nem tristezas. Que de tudo reste uma boa história e seja uma lembrança que a gente gosta de ter. Que a mensagem do Natal não seja esquecida, que o gesto de cumprimentar os outros se repita sempre. Que os bons votos aconteçam.
            Que possamos voltar ao verdadeiro espírito natalino, e que ele fique por todos os nossos dias. Que a estrela brilhante da fé oriente nossos caminhos e que a paz aconteça e se renove. Que nasçam sentimentos bons e que saibamos compartilhar a vida pelo prazer que isso dá.
            Que nossas vidas sejam eternamente iluminadas pelo poder divino que é em nós. Que sejamos irmãos e amigos não apenas porque é Natal, mas porque nos amamos. E que saibamos amar apesar das dores que atravessamos e das marcas no coração que temos. Apesar do que o outro é e do que somos, que queiramos sempre nos amar, e que possamos. Feliz Natal, então!           

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Atendimento Preferencial

Vera Pinheiro
            Eram três e pouco da tarde quando entrei em uma agência bancária, já com pressa de me dirigir a outro local para cumprir a agenda marcada para aquele dia. Quatro pessoas estavam à minha frente. Um homem de 40 e poucos anos; uma jovem de 30, no máximo; uma senhora que aparentava uns 50 e um garoto que recém devia ter passado dos 18.
            Dei uma espiada no movimento do caixa e peguei um lugar na fila, sob o olhar atento do segurança que não perdia o mínimo passo de quem circulava por ali. Sorri para ele e depois fiquei com aquele olhar de paisagem, esperando a fila andar. Enquanto isso, ajeitava os pensamentos sobre o que tinha a fazer.
            Estava no período que costumam chamar de “inferno zodiacal”, às vésperas de mais um aniversário, mas não poderia supor que me colocaria entre o cômico e o inusitado para viver a primeira experiência de atendimento preferencial, embora não tenha qualificações para merecer as correspondentes prerrogativas.
            Resignada a esperar, não me aborrecia. Foi quando, num repente, o segurança do banco dirigiu-se ao grupo em que eu estava e falou comigo em alto e bom som, e todos ouviram:
            - “A senhora tem direito a atendimento preferencial”.
            Ele não perguntou se eu tinha (ou não) tal direito; afirmou categoricamente! Não me mexi. Fiquei olhando para o homem com uma cara que não expressava coisa alguma, certa de que ele não estava falando comigo. Pois estava. Estava?!
            - “Será que ele está falando comigo?”, me perguntei, arriscando um olhar sorrateiro para os lados para ver se alguém se manifestava. Silêncio no recinto. Eu, muda!
            - “Ele está falando comigo, não acredito!”. Era para acreditar, pois o homem insistiu que eu tinha direito a atendimento preferencial.
            - “Tenho?!”, pensei. “Ainda não”, constatei, fazendo mentalmente as contas da minha idade.
            - “Caramba, devo estar com o visual prejudicado, aparentando pelo menos uns cinco anos a mais...”. A essa altura, contive a mão que vasculhava por um espelho dentro da bolsa para não passar recibo do meu assombro. Recuperada da surpresa, e para não constranger o moço, tampouco esmurrá-lo, limitei-me a agradecer e disse que dispensava. Os companheiros de fila suspiraram aliviados. Não raro, há manifestas e dissimuladas contrariedades em ceder lugar aos idosos.
            Tudo bem que tenho uma autoestima de bom tamanho, mas essa me pegou desprevenida. Ao sair do banco queria me olhar em um espelho com certa urgência, mas deixei de lado a ideia por ter mais o que fazer. Fui a uma loja de departamentos localizada em um shopping. Mal juntei umas compras e um rapaz veio, esbaforido, ao meu encontro. De novo, a minha cara de susto.
            - “Deixe-me ajudá-la para a senhora não carregar peso”.
            Sorri sem graça. Ele até que era engraçadinho. E a pergunta matutando na cabeça: “O que há comigo hoje?!”. Sentia o peso da idade calcando sobre os meus ombros depois da segunda investida generosa, mas inesperada, de gentilezas comigo. Eu me perguntava se teria errado na idade e buscava certeza de que neste sábado eu chego aos 56 sem dar desconto ao passar dos anos. Ah, não importa. O tempo passa rápido mesmo. O tempo, aliás, passa rápido demais depois que a gente vira a curva dos 18. Ao cruzar os 35, então, a idade vai a galope. Quando vemos, pronto, estamos sexagenários!
            Até me esqueci do que queria comprar. Saí dali sem levar nada e entrei noutra loja na esperança de que a abordagem mudasse. Fiz um passeio demorado e, de novo, entrei na fila. Estava de frente para o caixa quando, às minhas costas, alguém pergunta: “Esta é a fila preferencial?”. Era apenas eu ali. Virei o corpo e fiquei de frente para uma linda senhora de seus 80 e alguns. Eu não sabia se dizia sim ou não, tantas vezes naquele dia me tomaram por merecedora do singular atendimento. Os questionamentos se embaralhavam na cabeça mais do que os meus cachinhos ao acordar.
            Foi quando esbarrei com um espelho enorme, em que podia me ver de alto a baixo. Vestia uma bata que aposentei no mesmo dia! Parecia grávida! Bem que reparei que algumas mulheres olhavam no meu rosto e depois para a barriga, nem tão proeminente, a bem da verdade, embora existente! E há quem duvide do que uma roupa pode fazer com a aparência da gente!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Dia de recomeço

Vera Pinheiro

Este domingo, apesar de primaveril, foi um dia típico para foguinho de lareira, um bom vinho e cobertor por cima. Beijos e um (bem) estar de conchinha, incluídos, mereceram ser muito apreciados. Choveu bastante e o dia todo foi bem frio e nublado no nosso recanto. Foi um bom dia para ficar em casa. Em dias assim a saudade se aguça e a gente sente uma controlável vontade de saber notícias de quem ocupa lugar privilegiado em nosso coração.

Pela cara do tempo, tão estimulante a bom aconchego, achei que seria um dia perfeito para recomeçar a escrever no blog. Afinal, meses se passaram sem uma palavra... e muita coisa aconteceu nesse meio tempo. Dentre outras, o fato de estar sem internet, com os computadores pifados e sem nenhum tempo para escrever. De abril a dezembro fiquei “fora do ar”, ausente do mundo virtual, por conta de mudança de casa e de uma trabalheira sem fim em uma reforma. Passei boa parte do tempo envolvida com pedreiros, praticamente “vivendo” com eles. Afinal, batiam às 7h na porta e saiam no final da tarde. Só me livravam da presença deles à noite. Ufa. Era eu fechar os olhos para dormir e parece que, num instante, eles já estavam de volta. Foi um grande cansaço e, também, a mostra de que a minha paciência aumentou. Beirei à iluminação.

Tentei voltar a escrever algumas vezes, sem sucesso. Não conseguia estabelecer uma rotina voltada para aquilo que mais gosto de fazer. Estava em função de outros interesses, mais gerais. Precisava da velha e boa paz, do meu sossego, da minha rotina. Poxa, eu adoro rotina. Saber o que posso fazer das horas do meu dia, sem ficar entre uma surpresa e outra, vivendo de expectativas sobre o que vai ocorrer daqui a pouco, numa eterna gangorra de emoções.

Senti muita falta de escrever. Apenas consegui manter a coluna semanal no jornal A Razão, nada mais. E foi indescritível a alegria que senti quando, finalmente, consegui colocar internet em casa, depois de ter consertado os computadores da pane generalizada!

Está certo que gosto de uma vida simples, mas acho que desta vez passei das medidas. Sem tevê, sem internet, sem telefone em casa foi algo comparável a uma experiência das cavernas. Agora é hora de retomar o equilíbrio. Nem tão lá, nem tão aqui. O caminho do meio é o ideal.

E de repente passaram-se os meses e já estou às vésperas não só do meu aniversário, mas também do Natal e do Ano Novo. Como este ano passou rápido! Tanta coisa e não sei o que escolho relembrar. Muito quero esquecer, outros momentos eu quero guardar.

Mas, enfim, é hora de voltar ao recomeço – e quantas vezes eu terei recomeçado?! Onde mesmo eu estava quando me isolei da vida virtual? Onde ficou a pessoa que não tinha planejado, mas se configurou eremita? Onde foi mesmo que eu me deixei?

Vou atrás de mim por meio das palavras, esperando um feliz reencontro comigo mesma, porque, apesar dos solavancos e das ausências, ainda não me perdi de mim. Sou os meus silêncios e as minhas retiradas, mas sou especialmente o encontro revigorado com a minha essência, que adormece, cochila, mas não morre no que essencialmente sou.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O tempo voa!!!

Vera Pinheiro

Num piscar de olhos, mais um mês passou e não postei nada no meu blog. Fico impressionada com a rapidez do passar do tempo. A primavera está aí, daqui a pouco vem o horário de verão e logo estaremos cantarolando dingobel/dingobel e começará outro ano. Este 2011 fugiu completamente da minha rotina, mas não tenho do que me queixar. Aliás, não gosto de queixumes, pois arrasam com a energia da gente. Eu apenas queria ter tido mais tempo para escrever. Isso realmente me faz falta. O mais que não tenho eu administro. Falta de tempo para fazer uma das coisas de que mais gosto e que nutre a minha alma realmente me faz falta. Porém, ainda não descobri a fórmula e o que eu fazia antes hoje não se aplica. Foi um ano de grandes mudanças. Está sendo.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Já acordada!

Bom dia!!! E estou acordada a essa hora! E faz tempo que estou de olhos abertos,pensando a vida! Quantas horas terei dormido? E essas olheiras que alcançam as bochechas, o que fazer delas?! Haja chá e compressa! Mas, apesar disso, bem acordada, vou começar o dia com as bênçãos de Deus pai e da Deusa mãe. A minha alma canta em gratidão por mais um dia.

Sem sono

Estou contando estrelinhas. Sem sono, mas cansada,resolvi me deitar. Tenho tanta coisa a fazer que o dia será curto. Talvez sobre um tempo para escrever. Quero escrever mais e com tempo, mas sempre tem uma urgência para atender. Vai melhorar. Boa semana para todos. E beijinhos com saudade.
Verinha

domingo, 21 de agosto de 2011

Ausente

Céus, como ando ausente de coisas e pessoas, do que e de quem gosto. Estou com saudade de tanto, com saudade de muitos, ausente de mim e fora da civilização. Tenho agora uma urgência, a de me colocar perto do que e de quem me da prazer.

Hoje estou no Poema Dia, de volta.

Beijos para quem sentiu saudade de mim e perdão a quem me esqueceu.
Verinha Pinheiro

sábado, 21 de maio de 2011

Ufa, consegui!

Vera Pinheiro
Ufa,consegui! Parece um milagre, mas e' puro esforço e determinação. Estou aprendendo a postar via celular. Tenho um aparelho fabuloso que ainda nao explorei por absoluta falta de tempo e principalmente de paciência. Mas quando a Agua bate na bunda a gente aprende rapidinho a nadar! Resumindo: estou me alfabetizando nesta área. E me sinto um máximo quando aprendo coisas novas. Minha vida tem sido pródiga em aprendizado neste mês e aos poucos vou contar tudinho! Por hoje esta' de bom tamanho.
Beijos mil com saudade.

sábado, 16 de abril de 2011

Em torno da mesa (*)

Vera Pinheiro
            Com o passar do tempo, mudam os hábitos. Alguns dos melhores hábitos se perdem ou são substituídos por outros em uma sociedade que se modifica apressadamente, sem avaliar se o novo é bom ou nem tanto para o convívio humano e para a qualidade de vida. Adotamos hábitos divergentes também por força das circunstâncias, que nos compelem a mudanças emergenciais, e há casos em que não chegamos a percebê-las acontecendo. Quando nos damos conta, já deixamos de lado o que fazíamos e seguimos hábitos que adquirimos ou nos foram impostos sem contestação. Às vezes, eles resultam de mera imitação, o que é lamentável, tudo para não nos colocarmos em oposição ao que os outros fazem, embora afrontando o de que gostamos. No bojo disso, a necessidade de validação dos outros ao que nós somos, uma espécie de aprovação ao nosso jeito de ser, do que muitos não abrem mão e não conseguem ficar sem. Afinal, é bastante custoso ficar na contramão do comportamento dos nossos conviventes, e poucos têm tutano para se esquivar disso e ser o que essencialmente são, gostem os outros ou não.

            Assim se dá com o que ocorre em torno da mesa. Que mesa? As famílias diminuíram e o tamanho da mesa acompanhou a evidência de que há menos pessoas em casa do que havia antigamente. A pressa encurtou as dimensões da mesa e a falta de tempo a fez menor ainda! Por que ter uma mesa grande se a família é pequena e os amigos se reúnem em botecos ou em restaurantes para não dar trabalho à dona da casa, ocupada demais com a vida fora dela? Diminuíram as mesas, e muitas das que existem são meros ornamentos na cozinha e na sala de jantar. Ninguém usa, elas só ocupam espaço e fazem parte da decoração, que ninguém tem tempo de apreciar.

            “Quem come em pé não alcança o que quer”, dizia mamita, que não admitia a gente comendo com um pé à porta de saída, mal engolindo o que ela cozinhava com esmero à época em que era completamente dona de si, voluntariosa e com uma lição na ponta da língua para todas as situações. Sinto saudade de quando ela arrumava a mesa e dispunha milimetricamente os legumes, que pareciam formar uma mandala perfeita a enfeitar a mesa. Ela colocava a refeição para nós duas e, seguindo-a, arrumo a mesa para mim e minha filha. Considero que somos nossas melhores convidadas de todos os dias, bem como tenho como indispensável nossa conversa em torno da mesa em duas refeições diárias, o café da manhã e o jantar, ainda que esse último seja instável como o clima de Brasília. Ou seja, nem sempre é possível de se realizar e é cancelado em razão de compromissos ou por ser tardio para uma refeição mais elaborada. Nesse caso, está abolido ou se transforma em modesto chá com torradas que não atrapalha o sono nem pesa no estômago. Nós nos curvamos às particularidades da agenda de cada dia, mas nos esforçamos em dedicar alguns dias da semana a almoços em família, lamentando a impossibilidade das presenças de meu filho e de sua esposa, que moram em outra cidade.

            E, vejam só! Muitas pessoas de uma família moram na mesma cidade e não se visitam! Desconhecem o que é distância, ignoram o significado de saudade e não se importam em estreitar laços de afeto, tudo o que resta quando nos vamos desse mundo, além das obras do bem que fizemos! Quantos se reúnem em torno da mesa para compartilhar refeições e amor? Quem se ocupa em deixar ao menos um dia da semana para estar com os familiares, porque não há pessoas mais importantes do que aquelas que o amor consagrou em irmandade?

            “Não tenho tempo!”. Essa é a desculpa sem consistência de quem não quer se envolver com compromissos familiares, pensando que é perda de tempo dedicar espaço a pais, irmãos, primos, tios e avós, essa confraria que o poder divino organizou e que ninguém devia desprezar. Os parentes fazem parte da grande teia universal que não escolhemos tecer, mas que está ligada a nós por invisíveis, significativos e incompreendidos vínculos. Voltar a se reunir em torno da mesa é mais do que um hábito a ser retomado. É um estar junto que entrelaça vidas. A comida é só um pretexto. A gente fica junto por querer, e num espaço sagrado como esse, a mesa, pode contar com as bênçãos divinas às sinceras intenções de afetividade, quando a sacralização se dá. Quem duvidar, que experimente! Não vai se arrepender!
            (*) Crônica publicada no jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS, edição de 16 e 17 de abril de 2011.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Meu e-mail

Vera Pinheiro
Outro dia alguém me perguntou se estava trabalhando depois que saí da Vice-Presidência da República. E como! Ando tão ocupada em casa que não tenho tempo de trabalhar fora. E se a isso chamam de aposentadoria, então, para ter folga, precisarei voltar ao mercado de trabalho.

Andam pedindo o meu e-mail porque o que divulguei - verapinheiro@verapinheiro.net - não recebe mensagens. Desculpem o mau jeito! É que ele está abarrotado de mensagens e eu, sem tempo de moderá-lo. Lotou tanto que não recebe mais nada!

Vou dar outro e-mail para contato, mas só vou responder mensagens até a próxima terça-feira à noite. É que estou de mudança para um lugar fora da civilização e ficarei sem telefone até que possa saber como é que vou instalar um que seja substituto do grito do Tarzan (desta Jane que vos fala, no caso). Não sei quanto tempo ficarei fora do ar.

Escrevam para verinhapinheiro@uol.com.br e, por amor, não mandem mensagens tipo spam. Só vou responder mensagens pessoais, o resto vou deletar sem dó nem piedade!

Tenho tantos assuntos para compartilhar, mas não posso agora. Sequer tenho espaço no meu dia para compartir o que me vai no coração. Nem pude contar o quanto choramos, Camila e eu, com a morte de um dos nossos gatos, o Ioddy. Aliás, nem contei que tínhamos adotado mais um felino. Antes de ficar out espero contar essa história e mostrar fotos dele.

E se teve lágrimas, vivi muitas alegrias nesse período. Fui à festa de um amado Rei e de uma amada menina superpoderosa. Aguardem!

E agora, amados e amadas, preciso ir. Hoje é de dia de escrever a crônica da semana e enviá-la para o jornal. Para uma verinha aposentada, estou ocupada demais, demais da conta!!! Fui! Beijos e amassos.

sábado, 9 de abril de 2011

A cama

Vera Pinheiro           
            Nela depositei o corpo cansado e muitos desejos que tinha. Chorei por vezes em silêncio e, de outras, sufoquei gritos de prazer para não escandalizar os vizinhos. Aninhei, em noites insones, toda a saudade guardada, angústias sem solução e as melhores lembranças do amor. Partilhei divertimento e a alegria de estar junto na eternidade de um momento que se torna inesquecível por ser bom. Brinquei de ser feliz, ri muito e me distraí com felinos que, ao contrário dos homens, não se assustam com minhas garras; mostram as deles, mas não me ferem.

            Carreguei a minha cama de ilusões. Esperei demais por quem não veio e por alguém que não voltou. Tentei, a custa de muito esforço, tirar o cheiro amado dos lençóis e, que bom, eu consegui! Da cabeça, levou tempo. Do coração, um pouco mais. Até que enfim, e já não era sem tempo, desapeguei do significado da cama que acompanhou a transição da fase da mulher madura para a minha “melhor idade”.

            Tudo novo na existência! Renovei o que podia e com o impossível de mudar me conformei. Do que não deu felicidade, me desfiz. Do que atravancava a memória e as emoções, me libertei. Rasguei fotos, doei presentes de ex, queimei reminiscências imprestáveis para a história de uma vida. Tirei fora muitas provas de que amei quem não merecia para não dar exemplo ruim às netas que, um dia, terei. Que as mulheres da família aprendam comigo a amar, sim, claro, mas, também, a se recobrarem das perdas, desilusões, amargores e traições, tal como fiz. E que os homens da sucessão sirvam de modelo de como tratar as mulheres, contribuindo para que sejam – elas e eles – felizes.

            O desapego é a palavra da hora! Do tanto que acumulei, grande parte perdeu serventia e sentido, não tem valia ao futuro. Alguns sentimentos igualmente descartáveis ainda se mantinham em mim. Uma e outra frustração, uma briga que não quis ter, um desafeto que preservei, certa tristeza que alimentei, uma dor que não curei. Deixei que todo esse entulho se fosse para liberar espaço e me fazer livre. Fiquei com a alma leve para voar outros sonhos na garupa das vontades.

            Fiz um balanço geral do que me era valioso e do que devia abandonar, do que podia jogar no lixo ou conservar, do que era agradável me lembrar e do que seria proveitoso esquecer. Mas e a cama?! Ah, aquela cama tão antiga e ainda bonita, como gente que envelhece com saúde e adquire nova beleza.

            Ao longo de duas décadas e uns anos, troquei o colchão e o par, e ambos foram duradouros, mudei os tons e cores das cobertas conforme o estado de ânimo e, na maior parte do tempo, dormi sozinha, entre lamentos de solidão e alívio por não ter com quem me deitar. Nisso não há o que controverter, pois, humana, vivi na gangorra emocional, enquanto estive apaixonada. Hoje são outros tempos e eu, uma mulher renovada! Posso até dormir sozinha, doravante, que ninguém ouvirá sequer um suspiro de queixume!

            Não foi fácil a doação e, diria mesmo, de todas foi a mais difícil e demorada! Aquela cama lembrançosa começou a ir-se embora quando me deu a perceber que eu dormia em um só lado, reservando a outra metade para o vazio e, quiçá, a inútil espera de irretocável companhia, e menos que isso eu não quero! Sequer desmanchava o edredom, como se uma presença adormecesse sem se mexer ao meu lado, por dias, meses e anos a fio!

            Em busca de encorajamento, consultei várias amigas solteiras, descasadas e viúvas para saber como elas dormem sem um parceiro diário em seus pelegos. A maioria adora um aconchego, mas nem sempre o tem. Outras preferem a rotatividade amorosa que oscila entre a liberdade e a independência, com a vantagem de não prestar serviços de mesa e banho, que são trabalhosos e sem alternativas que funcionem bem dentro de casa o tempo todo.

            Quanto à cama, há divergências. Algumas amigas minhas continuam em cama de casal onde se espicham de corpo inteiro, podendo adotar posição atravessada sem que ninguém reclame e dividindo-a com quem bem lhe aprouver. Outras, porém, tão logo desfeito o vínculo com o par, trocaram a cama larga por uma de solteiro. Solteiríssimas, essas mulheres passeiam na casa deles e dormem lá quando os desejam. Não lavam louça de manhã e não arrumam a casa onde são hóspedes. Pegam os seus pertences e dão tiau com um beijinho de “a gente se vê”. Eles adoram e elas acham cômodo. Quanto a mim, preciso mesmo só de um lado da cama. Por que ter dois se não uso?!

            (*) Crônica publicada no jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS, edição de 9 e 10 de abril de 2011.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Nos anais

Vera Pinheiro
Na sessão de 31 de março, da Câmara de Vereadores de Santa Maria, RS, foi proposto que minha crônica "O José Alencar que conheci", publicada no jornal A Razão sobre o vice-presidente, seja colocada nos anais da Casa. A proposição foi da vereador João Carlos Maciel, a quem não conheço, mas agradeço a gentileza, que me comove. Graças!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Quem era ele? (*)

Vera Pinheiro
Raios cruzavam o céu e a chuva caía forte. Trovões entrecortavam o silêncio, abafando a música de um CD barato comprado em banca, embutido em revista que prometia métodos práticos para acalmar as emoções. A escuridão só era quebrada pelos faróis dos carros que vinham em sentido oposto, e eu mal conseguia ver a sinalização da pista molhada, mas seguia adiante, embora a velocidade abaixo do permitido. Meu coração trepidava pelo medo que sempre senti das tempestades, inclusive da vida, que eu preferia tranquila, sem sobressaltos, embora em outros tempos tivesse gostado de coração à boca, por paixões sem cura, na expectativa de que tudo desse certo, mas nem sempre dava. A quilometragem de volta para casa me parecia mais longa, mas o caminho era o mesmo. A rota era conhecida e surpreendente ao mesmo tempo. Tudo não era de todo igual ao que eu vira antes, porque se movimentavam em mim questionamentos sem respostas, que perpassavam as inquietudes de querer compreender a máxima extensão do ser humano, ainda tão distante do meu entendimento.

Será que ele sentia algum medo, ainda que não revelasse? Teria dores além das físicas? Quem era aquele homem que despertava um sentimento nacional de solidariedade; que se configurou como alguém capaz de botar a pátria de joelhos, em orações por ele; que mobilizou o país e inteiramente o comove em sua morte; que encantou pessoas de todos os credos, partidos e idades; que se tornou símbolo de fé, otimismo, superação e confiança, a despeito de todas as probabilidades e diagnósticos, que ao mais comum dos mortais faria despencar em lágrimas de sofrimento e tornaria refém da desesperança? Das poucas certezas, a de que ele era avesso ao perfil de político como o senso comum concebe depois de tantas decepções, falcatruas e corrupção à vista, delineando as feições da raça.

O mineiro José Alencar Gomes da Silva, aos olhos da nação, perdeu a sua naturalidade de Muriaé para ser apenas – ou tudo isso – um brasileiro, e dos melhores, amado de ponta a ponta de um Brasil completamente sem fronteiras nem limites em um sentimento nunca dantes tão unificado por alguém que ocupava o cargo de vice-presidente da República, até então visto como coadjuvante do cenário máximo que alguém pode alcançar no Poder Executivo. Quem era ele, afinal?
Seis anos de convivência não foram bastante para traçar um retrato dele e, sobretudo, não justificavam de pleno o carinho que brotou espontâneo por um superior hierárquico, a quem vi pela primeira vez numa apresentação formal, de quem chega sem saber exatamente o que fará, mas disposta, como eu estava, a enfrentar o desafio de uma estrutura desconhecida, e a dela dar conta, como dizem os mineiros.

No primeiro contato me deixei cativar pelo olhar profundo de José Alencar e pelo seu riso fácil e acolhedor, mas ele não deixou dúvida de que, antes de me receber em seu gabinete amplo, já havia tomado todas as informações que lhe dessem a mínima garantia de que pudesse confiar no meu trabalho, e isso não era tudo. Só mais tarde pude vislumbrar, ainda que parcialmente, e por todos não poderia falar, o que seria assessorar a Vice-Presidência da República, que exigia a celeridade de um ambiente de Redação de jornal em fechamento de edição de sexta-feira, a urgência da informação em tempo real e o cumprimento de pautas com mais habilidade e presteza do que uma reportagem com manchete de capa, porque tudo o que eu escrevesse não seria a minha palavra, mas a própria voz do vice-presidente da República, o que requeria conhecer seu pensamento sobre todos os assuntos e, mais que isso, seu jeito de se expressar, sua linguagem, seu humor precioso, sua vasta cultura e sua sabedoria galgada em experiência de toda uma vida.

O primeiro passo seria esquecer, quase por completo, do cargo de José Alencar Gomes da Silva. Simplesmente esquecer quem ele era. Caso me lembrasse com mais frequência do que o necessário e recomendável, poderia perder a intimidade com as palavras e me deixar embotar pelo esplendor do cargo dele, que ofuscava tudo em torno e fazia pessoas se quedarem em paparicos e vaidades. Precisei não lembrar para quem eu trabalhava para poder cumprir todas as demandas vindas dele e continuar sendo a minha essência profissional e, sobretudo, humana. Ao vê-lo morto chorei a saudade da pessoa admirável que a vida me permitiu conhecer e senti uma saudade imensa, desde então.

 (*) Crônica publicada no jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS, edição de 2 e 3 de abril de 2011.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Ainda ele

Vera Pinheiro
            Estou aquietada. A morte de José Alencar calou fundo no meu coração, e não poderia ser diferente. Na convivência de seis anos com ele, acompanhei a sua luta pela vida, estive na torcida pela sua recuperação, orei por ele e chorei a sua morte. Todas as histórias passaram pela minha cabeça. Preciso falar sobre elas para tirá-las do pensamento. Do mesmo modo, precisei ir ao velório para ter uma certeza íntima de que ele partiu.

            José Alencar foi cremado. Viu pó e se transformou em saudade.
Saudade desse abraço e desse sorriso...

terça-feira, 29 de março de 2011

O José Alencar que conheci

Vera Pinheiro 
Em seis anos de convívio direto com José Alencar Gomes da Silva, como sua assessora, recebi muitas lições da vida desse homem que viveu um martírio pessoal sem ares de amargura. “O senhor faz pela fé e esperança das pessoas como nenhum líder religioso o faria. Disse-lhe isso, certa vez, comentando a imensa quantidade de cartas, telegramas, cartões, bilhetes e mensagens por e-mail que recebia diariamente. Passavam por mim as mensagens enviadas e as respostas dele, e me comovi às lágrimas com muitas delas. O vice-presidente da República chorou incontáveis vezes, lendo as mensagens chegadas de todos os rincões do país. Mas a solidariedade que lhe prestavam não o envaidecia. Achava simplesmente “normal” o comportamento solidário do povo brasileiro em relação ao seu drama pessoal, e não sobrevalorizava os elogios que se colavam às manifestações de apoio. “Não me superestimem. Eu tenho de ser humilde para compreender essa reação das pessoas, pois, do contrário, isso poderia me subir à cabeça e me fazer pensar que sou o tal”.

Nem mesmo virtudes ele trazia à ponta do lápis. Todas as qualidades associadas ao seu nome – integridade, honradez, honestidade, justiça, seriedade, caráter retilíneo, e mesmo um trivial louvor ao modo como procedia na vida pública e privada, como político e empresário – eram minorados por uma modéstia desconcertante. “Isso tudo não tem de ser enaltecido. É obrigação”.

Ele se desmistificava, assegurando: “Tudo o que for verdade a meu respeito pode ser dito. E deve ser dito”. Nem mito nem herói, sequer de sua própria história. José Alencar queria apenas cumprir o que lhe disse o pai, estando de saída para o mundo com pouco mais de nada, mas municiado de vontade férrea e de crença em si mesmo. “Quando saí de casa, aos 14 anos, pedindo “bênção, mamãe”, “bênção, papai”, ele falou comigo: “Meu filho, não se esqueça: o importante na vida é poder voltar!”. Voltar a uma pessoa, a uma família, a uma casa, a uma cidade, a um emprego, a um cargo, a uma instituição, a uma entidade, a uma situação... Voltar! Poder voltar significa viver altivo, de cabeça erguida”.

Havia quem duvidasse que as correspondências chegassem ao conhecimento dele, mas chegavam, e elas se tornaram preponderantes para a força que ele demonstrou ter ao longo dos sucessivos tratamentos da doença. Chegava de tudo um pouco: orações, livros, simpatias, novenas, sugestões de tratamento, pesquisas sobre ervas medicinais, imagens de santos, velas, incensos, medalhinhas, tudo o que as pessoas imaginavam que pudesse ajudar na cura de José Alencar era enviado e entregue, embora ele nem sempre agradecesse. O Brasil, de tantas vertentes religiosas, se uniu em um só coração, fazendo um único pedido pela saúde do vice-presidente, o mais amado de todos os tempos, um “fofo” ou o “queridinho do Brasil”, como chegou a ser definido. E ele era.

Jamais poderia supor quem era esse homem quando fui nomeada assessora da Vice-Presidência da República. Para mim, era apenas mais um trabalho, não sabia o que a vida me ensinaria no convívio com José Alencar Gomes da Silva. Não o conhecia além do que a sua vida pública permitia conhecer, e aos poucos, cada vez mais, descobri a grandiosa figura humana dele, e me surpreendeu a sua elevada espiritualidade, colocada à prova dia após dia. E quanto mais o corpo físico se agredia pelo câncer, mais José Alencar se reforçava na esperança e na fé, ensinando com seu exemplo o que realmente significa superação. Na prática, na dor, no sofrimento, não em teoria. Definitivamente, não foi homem de falácias, e fugia ao arquétipo dos políticos em geral, tal como são reconhecidos num país de turbulências comportamentais nos altos poderes.

Ele não impunha sua opinião, conquistava adesão ao que queria. Não contrariava, fazia a gente concordar com ele. O vice-presidente da República era educadíssimo, atencioso, do tipo que agradece o cafezinho que lhe servia o garçom, e com uma visão panorâmica do que estava em torno, fossem acontecimentos políticos ou as unhas de seu interlocutor. Nada lhe passava despercebido, embora silenciasse. Mas sempre dava um jeito de que compreendessem o que não estava bem ao jeito como gostava e desejava. Caso contrário, não hesitava em dizer o que pensava, mas o fazia com elegância, e nunca ouvi gritos dele, mas, sim, a sua palavra, afiada e pontual, vencendo os argumentos discordantes sem ferir.

A simplicidade de José Alencar desestruturava qualquer vaidade que alguém pudesse ter. No entanto, ele sabia a medida exata da intimidade que dava a conhecer, como se traçasse um risco invisível, mas presente. Isso não me impediu de dizer que gostava sinceramente dele, que o admirava e que me honrava trabalhar com ele. Dava mesmo vontade de dizer-lhe o que diríamos a um avô muito amado, ao pai, a um irmão mais velho, a um parente a quem dedicamos especial estima, a um amigo do coração. José Alencar fazia nascer ternura, e ela se derramava em palavras e emoções. Também por isso, acredito, os brasileiros se sentiam tão à vontade para falar com ele, dispensando os limites empetecados dos vocativos institucionais e tratando-o pelo nome. Sua Excelência o Vice-Presidente da República José Alencar Gomes da Silva era, simplesmente, Zé. Não poderia ser mais nacional.
(Esse texto era parte do livro que começamos a escrever juntos sobre ele e que não tivemos tempo de realizar).

José Alencar era um querido. Sempre será.

Morre José Alencar

O ex-vice-presidente da República José Alencar morreu nesta terça (29), às 14h45, por falência múltipla de órgãos, aos 79 anos, no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. O político mineiro lutava contra um câncer na região do abdômen.

Na última das várias internações, Alencar estava desde segunda (28) na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, com quadro de suboclusão intestinal.

O ex-vice-presidente lutava contra o câncer havia 13 anos, mas nos últimos meses, a situação se complicou.
Após passar 33 dias internado – inclusive no Natal e no Ano Novo –, o ex-vice-presidente havia deixado o hospital no último dia 25 de janeiro para ser um dos homenageados no aniversário de São Paulo.

A internação tinha sido motivada pelas sucessivas hemorragias e pela necessidade de tratamento do câncer no abdômen. No dia 26 de janeiro, recebeu autorização da equipe médica do hospital para permanecer em casa. No entanto, acabou voltando ao hospital dias depois.

Durante o período de internação, Alencar manifestou desejo de ir a Brasília para a posse da presidente Dilma Rousseff. Momentos antes da cerimônia, cogitou deixar o hospital para ir até a capital federal a fim de descer a rampa do Palácio do Planalto com Luiz Inácio Lula da Silva.

Ele desistiu após insistência da mulher, Mariza. Decidiu ficar, vestiu um terno e chamou os jornalistas para uma entrevista coletiva, na qual explicou por que não iria à posse e disse que sua missão estava “cumprida”. Na conversa com os jornalistas, voltou a dizer que não tinha medo da morte. “Se Deus quiser que eu morra, ele não precisa de câncer para isso. Se ele não quiser que eu vá agora, não há câncer que me leve”, disse.

(Do G1 - http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/03/ex-vice-presidente-jose-alencar-morre-aos-79-anos.html)

quinta-feira, 10 de março de 2011

De parto!

Vera Pinheiro
Hã? O carnaval já veio e já se foi e eu nem vi o bloco passar? Pois é fato! Passei as chamadas Folias de Momo em Campinas para as comemorações do 27º aniversário de minha filha Camila ao lado do meu filho Guilherme e da nora Renata. Na data, 6 de março, estávamos em São Carlos, na casa de amigos muito queridos, o jornalista Cirilo Braga e sua esposa Rosana, mais os filhos do casal, Vitor e Thales, com sua amada Suelen.

Tenho mil fotos do aniversário, porém, todas na máquina fotográfica do Gui. Não as trouxe, mas ele ficou de me enviar na próxima semana, o que fará, com certeza, e postarei aqui para alegria da torcida da minha filha encantadora, nascida em uma terça-feira de carnaval, em 1984.

Estou duplamente "de parto", que é como me sinto a cada aniversário dos meus pimpolhos, rememorando momentos felizes e inesquecíveis. O outro motivo é que adotei mais um felino. Agora, com a chegada do pequeno Honey, são três, ele mais o Happy e o Shinny.






Honey é muito lindinho! Carinhoso que só! Fica colado em mim o tempo todo! E dorme no meu braço, claro. Enquanto escrevo está no computador comigo, como os outros dois fazem.

A diferença é que ele se apóia no meu braço, o que dificulta a minha mobilidade tanto quanto me enche de alegria. E lá estou eu, de máquina fotográfica em punho, registrando tudo.

Rolou um clima de ciúme com os mais velhos, mas já foi superado. Honey foi muito habilidoso na aproximação dos seus irmãos postiços. Preciso aprender o método! Em quatro dias, já estavam comendo e dormindo juntos. Os humanos têm mais dificuldade para se achegarem aos seus iguais.

Amo gatos! Adotaria uma dúzia deles! Não dão trabalho, são silenciosos, limpinhos, fazem xixi e cocô na caixinha de areia, e parecem um tratorzinho quando estão felizes, ronronando. Uma graça!

Fiquei tão envolvida com o novo membro da família que quase não tive tempo para fazer outra coisa. No começo, o bichinho precisa de muita atenção. Um olho nele e o outro nos demais gatos para que o reconheçam como irmão. Depois é um abraço! Flui fácil a convivência.

Happy é o dono da casa, ele se acha! Quando zangado, fica com um olho verde e outro azul, muito incrível. Shinny é mais ciumento do que eu pensava, mas logo se acomodou. Camila cuidou de lembrá-lo que, um dia, ele também foi adotado – junho de 2009 - e recebido em nosso lar com muito amor e carinho. Hora de retribuir! Deu certo. Agora mesmo, o pequenino de dois meses está no colo e Shinny dorme sobre a mesa de trabalho. Tudo é paz.


Sou uma mãe responsável, adoto bichinhos a cada dois anos. Já levei Honey ao veterinário para apresentá-lo ao Dr. Augusto e fazer exames de rotina. Tudo certinho com ele! E eu, babando. Nem quero sair de casa, onde fico lambendo as crias. Qualquer semelhança com meus bebês humanos não é mera coincidência. Sou mãe babona mesmo! Agora imaginem quando eu for avó!

sábado, 5 de março de 2011

Obstáculos (*)

Vera Pinheiro
            Tudo o que está em nosso caminho carrega uma lição e nos ensina. Precisamos estar atentos e receptivos às mensagens que o universo envia. Coisas simples, que estão na rotina, podem ter muito significado. Os quebra-molas, por exemplo. Se passarmos em alta velocidade por eles o carro vai sofrer um solavanco e, talvez, danos. Isso acontece quando andamos distraídos, não olhamos por onde trafegamos e não observamos o que está à frente. Atentos à sinalização (e aos sinais da vida), veremos os quebra-molas (e os estorvos) e poderemos passar suavemente sobre eles, sem sustos nem sacudidas bruscas.

            E o que são quebra-molas? São obstáculos colocados sobre as ruas ou estradas para obrigar os motoristas a reduzirem a velocidade dos veículos. Não parece a definição de algumas dificuldades que enfrentamos? Alguns problemas nos ensinam a baixar o ritmo, a andar mais devagar, a diminuir a velocidade com que andamos pela vida. Com isso aprendemos um pouco mais da suavidade necessária à vida.

            Quantas situações nos fariam esbravejar, pular, gritar, chorar? Depois de tantos “quebra-molas” que a vida coloca no caminho, um dia aprendemos a suavidade. E passamos por muitas coisas e pessoas sem solavancos. Com delicada suavidade. 

            Porém, “tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, diz uma música do Chico Buarque (se não estou enganada quanto à autoria). Sim, às vezes, a gente entra na segunda-feira já sonhando com o próximo final de semana ou, no mínimo, esperando que o dia acabe logo para se voltar à toca, que parece um abrigo seguro do mundo. Há um peso que os nossos ombros parecem não suportar, por mais forte que seja o esforço para carregá-lo sem queixas.

            O que fazer num dia assim? Muda a sintonia! Troca de pensamento! Modifica o estado de espírito! Não te deixes abater! Sacode o desânimo! Pensa em algo feliz! Projeta um desejo! Faz um plano! Sonha com algo maravilhoso! Pensa em algo positivo! Refaz o otimismo! Anima a perseverança! Confia no Poder Divino! Entra em conexão com o teu eu interior! Ergue a cabeça! Anda ereto! Olha para o alto! Sorri! Canta! Ilumina a vida! Pensa no sucesso! Ativa o poder que habita a tua alma! Restaura a harmonia! Aciona a intuição! Abre o coração para as boas influências! Vislumbra a felicidade! Rememora os momentos de vitória! Persevera! Não deixes que as preocupações tirem a capacidade de solucionar o que for preciso! E olha de frente para o problema que te tira a paz. Ele pode ser menor do que imaginas. O medo engrandece as situações e imobiliza a gente. Segue adiante, confiante, amoroso e seguro. E repete com persistência: tudo vai dar certo! Eu sou capaz!

            Os quebra-molas não impedem a passagem, apenas nos alertam para uma travessia mais cuidadosa. Os obstáculos não haverão de te impedir de seguir adiante em busca da vitória das tuas aspirações e a tua tenacidade, e a tua coragem e a fé que tens em ti e na vida precisam ser maiores do que os problemas. Todos nós temos algum momento da vida em que estamos carentes, frágeis, pedindo colo, querendo conforto, com a autoestima em queda livre. Negar isso é negar as próprias emoções. Ou pregar uma mentira para os outros, querendo convencer a si mesmo.

            Um momento desses requer acolhimento. Quando admitimos as carências, as dificuldades, os problemas, a situação começa a se resolver e fazemos alguma coisa para modificá-la a favor das nossas melhores intenções. Deixamos, então, de agir como reflexo e de receber os estilhaços dos problemas. Quando os encaramos, começamos a buscar soluções para resolvê-los por inteiro.

            É saudável e positivo à realização de nossos projetos evitar a insistência na conexão com fatos e ou pessoas que representam obstáculos e que nos aborrecem, magoam ou irritam. Tudo passa, tudo já se foi, mas a gente continua lembrando e revivendo a ferida. A vida é leve! Não é preciso carregar o mundo nos ombros. Não podemos nos deter no sofrimento nem nas dificuldades. Caminhemos! A gente precisa fluir com a vida para ser feliz e ter o coração alado para chegar mais depressa aos lugares onde moram os nossos sonhos mais bonitos.

 (*) Crônica publicada no jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS, edição de 5 e 6 de março de 2011.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um jeito de ser feliz (*)

Vera Pinheiro
            Hoje arrumei a mesa com a melhor toalha que estava na gaveta. Logo cedo, colhi flores no jardim e, delicadamente, as ajeitei num vaso. Fui ao quintal e apanhei as carambolas mais amarelinhas, as romãs mais vermelhas e as mangas mais bonitas. Peguei a louça que estava guardada para os dias de visita. Fiz o café mais caprichado que podia e me servi como se fosse um dia de festa. Não havia coisa alguma para festejar, nenhuma pessoa convidada nem é meu aniversário. Mas este é o dia mais importante que eu tenho para viver: o hoje!

            Não quero guardar toalhas e louças para um amanhã incerto. Não vou esperar que as frutas caiam do pé para serem comidas. Não deixarei que as flores murchem sem tê-las visto com atenção. Não há visita que seja mais importante do que a minha família. Por que esperar pelo próximo dia, por aquele que virá, se o hoje pode ser a festa do meu espírito? Nunca mais vou deixar que as toalhas fiquem amareladas a espera de quem nunca vai chegar. Não vou guardar as frutas mais saborosas para quem nunca vai comê-las comigo. Vou apreciar as flores e enfeitar a minha vida com elas, não mais esperar que pessoas apareçam, porque as estações mudam e o tempo consome relações que não são renovadas.

            Não vou desperdiçar o melhor que tenho para dar com quem não quer receber, ou com quem recebe e não sabe apreciar. Vou me dar para mim mesma antes de me dar a outros, para não dar do que não tenho ou que me é escasso ou dar o que nunca volta, não tem retorno, recompensa, troca. Vou me contemplar, me valorizar, me gostar muito antes de esperar pela valorização e pelo gostar alheios. Vou estender a melhor toalha em minha homenagem, saborear os melhores frutos que cultivo, perfumar a vida com as flores mais belas que cuido. Vou fazer a melhor refeição em qualquer dia.

            A vida é uma seqüência de momentos que vou viver por inteiro, sem ficar a espera dos que prometem e não cumprem, dos que dizem amar, mas não é verdade. Hoje estou em festa! Celebro a própria vida com um profundo respeito pelo que construí e experimentei. Com enorme amor por mim. Com grande carinho pela minha própria história. Eu mereço uma mesa caprichada. Mesmo se estiver sozinha.

            O meu sonho é viver feliz. Nada demais! Não é algo impossível, que não possa ser alcançado. Viver feliz é simples e grandioso. Não preciso de muita coisa e preciso muito de algumas coisas. Posso viver feliz tendo pouco do que é supérfluo e muito do que é essencial. Ou apenas com o básico, que é realmente indispensável. A minha alma me diz do que preciso e me abastece as reais necessidades, segundo meus parâmetros, não os alheios. Posso viver feliz com muito menos do que outros têm e ser muito feliz com o que algumas pessoas não têm nem querem.

            A felicidade não se compara. A minha felicidade tem a minha cara, o meu jeito. Alguns nunca entenderão como posso ser feliz sem ter o que muitos têm. E outros não entendem como tenho o que muitos não têm e por que adoro isso. Não meço a minha felicidade com a dos outros, pois alguns terão mais e outros menos do que tenho. Tenho o meu suficiente, sem o qual não vivo feliz. Nem mais nem menos. Por isso, minhas angústias são ralas quanto a ter ou não ter. Ser é o que me ocupa. Ser feliz é a minha meta, o meu sonho, a minha realidade de todos os dias, a minha busca e o meu encontro. A minha felicidade se renova sempre, não importa o que eu tenho ou deixo de ter. Eu sou feliz! Isso, mais do que uma afirmação, é uma vivência.

            Agradeço à vida por tudo que tenho, sou e vivo. Deito à sombra de uma árvore e ali encontro a energia que vem da terra. A força telúrica invade meu corpo e anima meu espírito, enquanto olho o céu azul que me cobre e as nuvens que passeiam nele. Tudo em volta me encanta e o que está dentro me fascina, pois são as melhores descobertas.

            Hoje, ao acordar, renovei minha certeza de que cada dia é uma oportunidade de exercitar o direito e o compromisso de ser feliz. Este dia é precioso e único. Quero vivê-lo com amor, gratidão, alegria e em paz. Que seja assim para mim e para todos os das minhas relações. E que cada um descubra no mais profundo de si mesmo o que é essencial à felicidade, olhando seus desejos, sonhos e vontades com sinceridade e sem medo.

   (*) Crônica publicada na edição de 26 e 27 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Oncetá?! (*)

Vera Pinheiro
            Filhos têm cada uma! Quando são pequenos e os cercamos de cuidados, eles reclamam. Ao crescerem, detestam se insistimos que, em suas saídas, levem um casaquinho. Se nos preocupamos, embora tenham se tornado adultos, eles se aborrecem muito com o que julgam ser excesso de zelo. Nem vamos falar de conselhos, que os pais dão de duas formas: a pedido dos filhos ou no grito mesmo, se não quiserem ouvir.

            Pois bem. Quando a gente envelhece, eles devolvem isso! Daí a certeza plena e absoluta de que tudo o que fazemos de bom ou de nem tanto, a quem quer que seja, volta três vezes para nós! É retorno garantido! Por isso, devemos estar atentos às nossas ações dia após dia, minuto a minuto. Não dá para relaxar! A vida é uma espécie de bumerangue de atitudes: tudo vai e volta. Em relação aos filhos, a fruta não cai longe do pé, diz o adágio popular. Filho de peixe não sai jacaré, afirma amiga minha. Portanto, é o caso de acreditarmos que de boa fonte nasce água cristalina, e nosso esforço é no sentido de preservar a natureza de contaminação.

            Penso que os filhos, chegados depois, nos escolheram para o exercício do mútuo aperfeiçoamento humano e espiritual, então todos aprendem com a convivência, e os mais velhos colaboram com a voz da experiência, a que ninguém deve dar-se ao luxo de dispensar atenção, ainda que não queira seguir.

            O passar do tempo, que traz maturidade aos filhos e envelhece os pais, curiosamente faz uma interessante troca de papéis, da qual podem ser extraídas preciosas lições de vida. Os cuidadores de ontem viram o centro das atenções de hoje numa sutil transferência de responsabilidades, que não deixa de ser divertida. E é melhor que divirta e não incomode os envolvidos.

            Quem se ocupava da índole e procedência dos candidatos a namoro? Por deferência ou falta de jeito do pai em dar conta da missão, cabia à mãe desvelar ao máximo as noras e os genros; depois são os filhos que analisam detidamente (e com maior rigor!) a ficha técnica de quem pretende ser par de seus ascendentes, não exatamente padrasto ou madrasta, que essa fase está superada. Afinal, o interesse pode ser namoro, meramente amizade ou puro sexo mesmo. Muitas pessoas de mais idade querem somente companhia, não sonham com novo pedido de casamento e não estão dispostas a dividir a intimidade. Se bem que as exceções existem para confirmar as regras. Outra amiga minha jurava de dedos em cruz que nunca mais queria cueca de homem na gaveta, até que encontrou um novo amor com quem é feliz há anos e espera-se que – assim seja! – para todo o sempre!

            Aí vem a inversão de atitudes e as reclamações: os pais, que tanto apertaram o cerco aos filhos, postulam o direito à liberdade de escolher com quem sair. E, em lado oposto, há os que precisam ser empurrados para inocente convite a um cineminha, tarefa de que se encarregam os filhos. “Vá, mãe, não custa nada!”. Para algumas mulheres é de alto custo o recomeço, que nem sempre acontece, por medo ou preguiça da retomada dos prazeres e incômodos que fazem parte dos relacionamentos amorosos. Antes, se o filho enfiava a cabeça nos estudos e não fazia outra coisa, os pais falavam: “O guri vai adoecer, desse jeito!”. Muitos imaginam idêntico destino aos deliberadamente eremitas.

            Se a mãe – livre, independente e vacinada contra paixões arrebatadoras – sai e não dá o roteiro, os filhos se preocupam e querem saber aonde foi, com quem e a que horas voltará. Oferecem carona para ida e volta, vislumbrando uma espiadela no local e nos frequentadores, como os pais faziam, e há perguntas que não conseguem segurar: “Tomou o remédio? A pressão está boa? Precisando, é só chamar! Não faças nada que te prejudique nem me preocupe, o resto está liberado!”, dizem com um sorriso cúmplice. Eles, filhos, decoraram a frase de alerta que a mãe buzinou incontáveis vezes em seus ouvidos.

            Do serviço para casa, os telefonemas de controle em horários diversificados para surpreender. Filhos querem que os pais andem, o tempo todo, com celulares ligados e com um sem fio pendurado na cintura, caso contrário eles entram em crise de inquietação. Basta que liguem e não sejam atendidos para que, ao primeiro alô, perguntem: “Oncetá?!”. Por aflição, emendam as palavras tal como a mãe fazia quando ligava e ninguém atendia. Bradava “ONde voes?” com os dentes cerrados, pronta para agarrar pelo pescoço a cria! Definitivamente, aqui se faz, aqui se paga!

          (*) Crônica publicada na edição de 19 e 20 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Marcação cerrada

Vera Pinheiro

Eu pretendia contar aqui, neste blog, mas a conversa espichou e se transformou na crônica da semana, sob o título “Oncetá?”, equivalente a ONde voes?”. É uma divertida crítica aos filhos que, fazendo uma inversão de papéis, se preocupam excessivamente com os pais e querem controlá-los, de certa forma, tal como os pais faziam com eles.

Comprovei o fato aqui em casa. Guilherme e Camila reclamam demais quando não atendo as ligações deles! “Oncetá?!” é uma perguntinha recorrente deles quando, finalmente, ouço e atendo o telefone.

Se ligam para casa e não atendo, eles ligam para o celular. Se não atendo o celular, ligam para casa. E lá vem a perguntinha de novo: “Oncetá?!”. Marcação cerrada mesmo, ao que respondo “Bom dia pra ti também, meu amor!”, e rindo de montão.

Como eu ando numa fase ótima, de altíssimo astral, relaxada e zen, não me incomodo com isso. Acho até engraçado dizer onde estou e o que faço aos meus angustiados filhos, quando eles me procuram e não me acham. Sentiram? Pois é! Já assumi que fui, sou e sempre serei uma mãe preocupada com eles, então relevo. E me angustio pra caramba se ligo e eles não atendem, claro. Normal!

Geralmente estou ocupada, fazendo uma coisa e outra, em movimento. Não gosto de carregar o celular e o telefone de casa para onde vou, aliás, não me lembro de fazer isso, mas foram tantas as reclamações que tomei uma atitude para o bem de todos: ando com uma bolsinha a tiracolo com os dois aparelhos. Sente a elegância da pessoa? De short e de bolsinha. De chinelo ou descalça e de bolsinha. O que uma mãe como eu não faz para a paz familiar, hem?

Depois, se os transeuntes me olharem de um jeito estranho, não reclamem! Eu ando de bolsinha em casa. E daí?!

Leiam a crônica que vou postar neste sábado e no jornal A Razão, de Santa Maria, RS.
A propósito, Gui: Oncetá?! Camila: Oncetá?!
Ói eu de bolsinha. Não vale rir! A causa é nobre!