domingo, 30 de janeiro de 2011

A árvore azul (*)

Vera Pinheiro
            A natureza oferece lições extraordinárias, metáforas da própria vida. As árvores azuis que tenho em casa são exemplo disso. Sim, as árvores têm flores azuis, mas somente à primeira vista. Se detivermos o olhar com atenção, veremos que a belíssima paisagem, que realmente encanta, é feita de árvores encobertas por uma planta trepadeira de flores azuis cujo nome desconheço, mas que aprecio mesmo assim, inominada para mim. Deixei-a crescer com excessiva liberdade, sem nenhuma contenção, o que a fez subir muros e tomar as copas de duas árvores ornamentais em velocidade que se combinou com a falta de tempo para cuidar do meu jardim.

            A primeira lição: crescimento desordenado gera caos. Os filhos precisam de espaço e liberdade, mas também da vigília e autoridade dos pais para que tenham o menor número de arrependimentos possível, até que possam haver-se por conta própria, e devem manter-se atentos para que as palavras de pai e mãe não façam eco apenas nas paredes. Não conheço quem tenha ignorado os conselhos paternos sem que, ao longo da vida, não lhes tenha dado razão.

            Nada é mais urgente do que a família nem mais importante do que ela, segunda lição. Nenhuma conquista profissional vale perder um filho para a desatenção e o desamor, que levam a caminhos de autodestruição, riscos e perigos. De profissão e de emprego a gente troca, de marido e de mulher também. Filhos, não! Filhos são para todo o sempre. Os filhos são o verdadeiro sentido da eternidade, tudo o mais é efêmero.

            Portanto, terceira lição: Não importa o que faças, arruma tempo para a tua família! Inventa os meios para estar com ela, ainda que tenhas de fazer “das tripas, coração” e multiplicar as horas. Dorme com um olho aberto e outro fechado, e te mantenhas com os ouvidos descerrados, observando o comportamento de todos. Se nós podemos ver uma árvore que cresce, como não estarmos vigilantes ao que acontece com quem faz parte da nossa vida? E não tenhamos medo de falar, advertir, censurar, admoestar, alertar os filhos! O prestígio de “melhor mãe/pai do mundo” fica abalado momentaneamente, mas depois passa. É mais fácil conviver com a crítica e as reclamações deles por seres como és do que com a culpa de não teres exercido o papel que te cabia, o de orientar e educar dentro do lar. De fato, educação é um trabalho que tentamos fazer com simpatia, mas nem sempre isso é possível. Dizer “não” com firmeza é antipático, mas necessário, e esse é um aprendizado que carregamos pela vida afora. Vamos admitir que, às vezes, dói, e muito, negar a quem se ama, mas a convicção de que estamos fazendo o que é certo nos sustenta e retira as dúvidas inevitáveis. Podar as flores parece triste, mas organiza a sua expansão.

            “Nem tudo o que parece é”, quarta lição. O adágio popular está certo. Devemos tirar o véu que oculta intenções não reveladas. Pior é jamais sabermos a verdade, ou sabê-la tardiamente, quando não se podem reparar os danos. Portanto, não lamentemos as lágrimas e os suspiros que restam depois que uma farsa é descoberta. De perto vemos melhor. E mesmo que estejamos encantados com aquilo que vemos, olhemos o que está por baixo das flores azuis, a realidade. Não deixemos que um ledo engano dos sentidos turve a visão dos fatos, dos acontecimentos e das pessoas. Desilusão é saudável, pois tira a ilusão que leva a erros na avaliação do que os olhos veem e do que o coração sente. Do mesmo modo, um desengano tira do engano. Quem quer permanecer enganado, não sendo tolo ou iludido?

            Façamos o que precisa ser feito; depois, o que nos agrada. Quinta lição. É bom quando podemos juntar o prazer à obrigação, mas não é uma prática constante, então resolvemos o que nos exige empenho e logo nos entregamos a atividades que trazem sensação de entusiasmo e satisfação. Além disso, há as escolhas que vislumbram o futuro. Queremos flores azuis independentemente das perdas que elas acarretam? Sucesso a qualquer custo, pisando no pescoço dos outros? Ou queremos as flores azuis da alegria e da realização sem destruir princípios e valores íntimos e preservando o que está em torno?

            Sob o manto de lindas flores azuis, os galhos das árvores começam a secar. O que é belo nem sempre nutre e abastece. Sexta lição, vinculada a relacionamentos. Por amor, permitimos que alguém nos sugue até quase perdermos as forças, mas um dia cortamos as flores azuis e nos recobramos. Afinal, a essência do que somos permanece, e renascemos com ela em novo viço. Isso é uma grande vitória! E uma ótima lição.
            (*) Crônica publicada na edição de 29 e 30 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Encantar-se (*)

Vera Pinheiro
            Um dos grandes mistérios da alegria de viver pode ser desvendado ao se olhar as pequenas e corriqueiras circunstâncias do cotidiano: é encantar-se! Enquanto nos mantemos encantados por algo ou alguém, nosso espírito se mantém enlevado e o arrebatamento permanece. Quando o encanto se desfaz, o entusiasmo some e o que nos cativava perde a graça. E sem encantamento não há interesse que resista ao desânimo.

            A intimidade é inimiga do sucesso de muitos romances, mas pode ser sua melhor aliada. O ingresso no mundo mais reservado e secreto de uma pessoa pode fascinar ou decepcionar, depende das expectativas e dos conceitos antecipadamente elaborados, que atrapalham o deleite das descobertas e tiram o prazer das boas surpresas. Se nos encantamos, continuamos atraídos pelo outro, e os defeitos não nos assustam, enquanto as qualidades, embora escassas, se engrandecem, justificando aquela presença em nossa vida. Porém, sucessivas decepções desencantam e minam o relacionamento, que acaba.

            Encantar-se e, na sequência, gostar e amar profundamente vai do conhecimento breve, que incita a aproximação, à capacidade de extasiar-se com o outro todos os dias, ainda que, de vez em quando, experimentemos a desilusão a respeito de determinado aspecto de seu comportamento. Se não for grave o bastante para causar desencanto e levar ao afastamento, a vida a dois se refaz e o encanto de outrora também, mesmo que reste meio lascado. Construir uma história de amor exige equilibrar, acomodar, resolver, e pacificar emoções conflitantes e opiniões divergentes, retomando o velho e bom encanto da relação.

            O que faz um casal permanecer junto por décadas senão a disposição de amar, e amar sempre, mesmo que não seja do mesmo modo que no primeiro encontro? Isso é encantar-se com a pessoa amada mesmo que ela envelheça e já não tenha a saúde de que gozava, anos atrás. Então, por encantamento e com amor, achamos que rugas são lindas e não nos importamos, absolutamente, se o corpo não tiver a firmeza e a escultura de antigamente. O tempo altera as formas, mas preserva o encanto, quando há amor.

            Um vínculo profissional precisa, igualmente, de encanto, que nos faz superar as próprias forças e vencer todos os desafios de uma atividade. Se ela nos encanta, levamos adiante projetos e sonhos, e nenhuma dificuldade nos faz esmorecer. Encantados pelo que fazemos, nos desdobramos para alcançar objetivos, não temos reclamações nem queixumes e sobra motivação!

            Amigos se encantam mutuamente, e isso aprimora os laços de amizade e torna o convívio prazeroso. Se desaparecerem a admiração, o carinho e o respeito, sentimentos essenciais ao trato, os amigos se perdem na caminhada que faziam lado a lado, e nada os une de novo, como antes era. Amizade é feita de sutil delicadeza e de uma ocupação com o outro sem ultrapassar os limites da privacidade a que cada um tem direito.

            Lugares que nos encantaram se guardam na memória, e os visitamos em recordações e saudade. Passeios encantadores, que não repetimos, são revividos na paisagem da imaginação. Momentos felizes e inesquecíveis, que jamais aconteceram de novo, não perdem o encanto e nos seduzem em relembranças que não conseguimos evitar nem queremos! Palavras que nos fizeram cair em estado de êxtase se ouvem nas batidas do coração e algumas nos aprisionam em reminiscências de que não podemos escapar, por maior que seja o esforço por esquecimento. O passado insiste em voltar quando não sabemos como nos desvencilhar do que está nele, e é preciso reconhecer que isso não só é possível como é necessário para nos fazermos libertos do peso amargurado da nostalgia.

            Encantar-se pela vida é o que nos coloca em pé a cada amanhecer e nos anima ao que virá depois de noites emocionais que nos submetem à prova de resistência e bravura. Abrir os olhos com alegria, respirar a pleno e sorrir com bom ânimo, saudando o simples, admirável e belíssimo fato de existirmos, é puro encantamento, que explica por que nos sentimos indelevelmente felizes, apesar de tudo e por todas as razões, inclusive as que são imperceptíveis aos distraídos, apressados e insensíveis, e que merecem aplauso, reverência e extrema gratidão por fazerem parte do insondável – e encantador – mistério do viver!

     (*) Crônica publicada na edição de 21 e 22 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Dona de casa (*)

Vera Pinheiro
            Quando o dia amanheceu, senti uma fisgada no músculo do braço direito ao me virar na cama, e ao me mexer para levantar, uma dor lombar me arrancou um incontido “ai”. A batata da perna apresentava suas reclamações e os ombros doíam também. “Estou na idade do condor...”, pensei, e sorri, saudando a vida que mostrava uma nova face para mim, a de dona de casa.

            O começo em qualquer atividade não é fácil, vejamos o primeiro emprego em uma empresa ou instituição que não conhecemos e o princípio de um relacionamento amoroso, que são bastante exigentes. Para que tudo dê certo, precisamos de atenção, paciência, boa vontade, determinação, confiança e de uma expectativa positiva sobre o que estamos fazendo. Não é diferente de aprender a ser dona de casa, a que, por ora, me dedico quase com exclusividade, enquanto descanso. Bem, descansar não é exatamente o verbo mais patente e categórico para definir a primeira quinzena do novo ano. Tenho trabalhado demais! Fisicamente demais para quem, na maior parte do tempo, nas últimas quatro décadas, se manteve sentada. O corpo se ressente pelas muitas horas em pé, ao que não estava acostumado. Esse foi um desafio a ser vencido: as fronteiras físicas de quem nunca teve outro trabalho além do intelectual.

            E a falta de prática, essencial para o sucesso de qualquer empreendimento, mesmo os domésticos. Não bastam o conhecimento e a disposição, é preciso dominar o saber que provém da experiência. Mamita dizia que “para mandar é preciso saber fazer”, mas confesso que, no caso da administração doméstica – excluída a educação dos filhos, tarefa intransferível, – fui proficiente na delegação dos serviços de casa. E acalentei certa miopia para efetuar cobranças de quem me substituía nos difíceis labores do lar doce lar. Quem precisa se submete ao impensável, por isso cultivei a minha máxima independência em todos os sentidos!

            Já me disseram incontáveis vezes o que para mim é óbvio: tenho um nível de exigência sobejamente alto a respeito de tudo! Devo admitir, então, sem modéstia, que se não tivesse me dedicado à vida profissional, teria sido uma excelente dona de casa! Mas quem veria isso? Quem propala aos quatro ventos as habilidades da mulher que passa a vida em casa, cuidando do que vai botar nas panelas, da limpeza do chão, da organização do espaço de convivência comum a outras pessoas? Vão erigir um busto em praça pública para quem faz um trabalho que não é remunerado e, mesmo se fosse, não pagaria à altura do merecimento de sua executora, pois jamais acaba e se renova a um piscar de olhos?

            Ao começar a ser dona de casa – de verdade! – o meu preito de solidariedade a todas as mulheres que não saíram de seus lares em busca de realização profissional em área não circunscrita à casa. Só não sei como vou reagir se me perguntarem: “A senhora trabalha?”. Tenho fundamentada suspeita de que subirei no salto e discursarei por horas sobre tema que me faz pensar, e muito, sobre o universo feminino. Sim, pois enquanto cozinho, lavo, passo, dobro, guardo, esfrego, varro, lustro e espanejo, a imaginação vai longe!

            Olho para as minhas mãos, que não têm medo de qualquer lida brava, e me compadeço! Não aprendi o uso de luvas, exceto as de pelica, para esbofetear com delicadeza! Os pés estão com terra entranhada entre as unhas, de tanto trabalhar descalça. Esse estado fará a manicure ter uma síncope e me recomendar, como já o fez, usar calçados, mas que graça isso tem diante da alegria do contato com a terra?

            Algumas coisas, definitivamente, não se explicam. Por exemplo, o prazer de fazer o que se gosta, estar com quem se ama e se entregar de corpo e alma ao que a vida oferece a cada dia. Deve ser por essa razão que me alegrei imensamente por ter areado um alumínio até me espelhar nele, ainda que tenha rachado a ponta do dedo e ressecado a pele. Tudo o que precisa ser feito, deve ser feito com amor! É o que dá sentido ao que se faz e traz um riso de prazer ao final de tudo.

            Porém, como o caminho do meio é o mais sábio, agora busco o equilíbrio para que a atividade doméstica não acabe comigo! Minha mãe dizia: “A gente vai e o serviço fica!”. Vou fazer mãos, pés e cabelos e passar o fim de semana num SPA, louvando as mulheres donas de casa, que ainda atendem filhos e marido. Não sei onde elas encontram fôlego para sexo. Eu dormiria de costas, cansada desse jeito!
           
(*) Crônica publicada na edição de 15 e 16 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um lindo presente

Vera Pinheiro
Hoje ganhei um belíssimo presente, que compartilho com vocês! Até pensei em comentar uns assuntos, mas tudo se cala diante de um fato maior.  Nasceu o primeiro girassol do meu jardim! Ele faz companhia às lindas estrelícias que já estão aqui há mais tempo, e são muitas.

Ah, para quê palavras, se as flores expressam o melhor que não sei dizer? Que lindo presente a natureza me deu! Graças, graças, graças!

De fato, as palavras têm força criadora! Eu disse que sempre quis ter um jardim de girassóis...  



segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Ufa, acertei o ritmo

Vera Pinheiro
            Enfim, de volta à velha e boa forma. Na primeira semana em casa fiquei meio lerdinha com o serviço diário e ocupei mais tempo para fazer as mesmas tarefas. O ritmo de quem está em casa é diferente daquele de quem tem uma atividade fora. Só que não gostei de ficar ocupada demais com as coisas que faço sempre e tratei de me recobrar. Levantei cedo e no horário de sempre estava com tudo pronto! Hã-hã, agora, sim, vai me sobrar tempo para outras coisas. Qual é a graça de não trabalhar fora e continuar sem tempo livre?!

            Fiz tudo rapidamente hoje e ainda fiquei meia hora conversando ao telefone. Uma lição doméstica preciosa: não tentar terminar tudo, porque o serviço de casa não termina. Simples assim. Os gnomos e duendes continuam brincando por aqui. É inacreditável que a pia, antes vazia, se encha de repente; que a casa, limpa ontem, esteja empoeirada hoje, e que haja mais roupas para lavar, sendo que não há varais disponíveis, estão todos ocupados. Preciso me lembrar de comprar mais fios e prendedores... ou aquela máquina dos sonhos de toda dona de casa: a lavadora que lava e seca. Pena que não dobre nem guarde no armário. Onde eu contrato um robô?

            Outra lição: fazer um pit stop. Não se incomodar com o que ainda tem por fazer. Estabelecer prioridades tal como se faz no serviço fora de casa. Por isso estou aqui, com uma pilha de coisas para arrumar sobre a minha mesa, escrevendo como se tudo estivesse bem arrumadinho. Flexibilizei. Quem diria, hem? Depois eu arrumo.

            E nessas paradinhas, é bom fazer aquilo que a gente sempre adiou por falta de tempo. Visitar uma amiga, por exemplo, desde que ela esteja de folga, de férias e esteja livre para nos receber. Não tentar ocupar espaço demasiado na vida alheia quando a gente está com tempo vago é uma prova de boa educação.

           

domingo, 9 de janeiro de 2011

Lar Doce Lar

Vera Pinheiro
            Todos os ossos me doem, cada músculo grita e até os fios de cabelo reclamam da carga pesada desses meus primeiros dias de folga no lar doce lar. Eu disse dias de folga?! Que nada! Tenho trabalhado tanto em casa que estou pensando seriamente em voltar a trabalhar fora para poder descansar.

            Estou me sentindo como alguém que chega de viagem, de volta para casa, depois de 37 anos de ausência. Pensa no que isso significa de trabalheira, que é tão grande quanto o prazer de estar aqui, cuidando das minhas coisas, sem correria. Mais ou menos sem correria, na verdade, porque quero organizar tudo para depois me dedicar a algumas coisas que penso fazer.

            Tenho me questionado a respeito de uma coisa: como é que dei conta de cuidar de casa e família, atender dois filhos, manter a casa organizada e trabalhar fora por mais de três décadas, quase 40 anos? Juro que não entendo que mágica fiz nesses anos todos. Uma semana em casa e não paro de trabalhar, de lavar, passar, cozinhar, e ainda não consegui deixar tudo como quero. Definitivamente, o ritmo mudou. Eu me aplaudo por tudo o que consegui fazer, conciliando profissão, família e assuntos domésticos sem mãe nem família perto, e sem empregada. Ufa! Só de relembrar já me canso. O fato é que estou desconfiada de que duendes e gnomos passam o dia por aqui, brincando de rebuliço. Parece que somos um batalhão de gente, tanto serviço há.

            E se agora escrevo é porque consegui uma brechinha nos afazeres. Passa das 21h e tenho um prato delicioso no forno, gratinando. Hoje trabalhei, literalmente, de sol a sol. Tem muitas vantagens estar em casa. Sempre pensei na perda de não ver o por do sol. Hoje à tardinha fiquei absolutamente encantada quando vi o céu de azul em degradé. Um espetáculo! Quantos fins de tarde deixei de contemplar? Quero fazer muito isso agora.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Jardim de girassóis (*)

Vera Pinheiro
            O relógio me acordou às 6h e só tive o trabalho de deter o seu despertar. Não precisava levantar cedo, então dormi até as 8h no primeiro dia realmente de folga depois de 37 anos de trabalho e de uma aposentadoria que só existe no papel. Na véspera, o PMDB comunicou a retomada de todos os cargos e dos correspondentes DAS para entregá-los a seus partidários, e não são poucos os que pleiteiam uma vaga na ambicionada Vice-Presidência da República, agora ocupada por Michel Temer.

            Era uma despedida anunciada. Tão logo o PMDB assumisse, quem tivesse cargo alto na Vice-Presidência da República, meu caso, seria sumariamente destituído de suas funções. Porém, nunca estamos devidamente preparados para a execução de ato de que somos partícipes, para não dizer vítimas de implacável canetaço. O desconcertante é entrar como convidado a prestar serviço no mais alto Poder Executivo da Nação e sair na condição de indesejável, mas isso não tem a ver com qualificação profissional, e sim com os interesses políticos de quem assume o poder e que, mediante as promessas que fez, tenta acomodar todos os santos a quem prometeu uma velinha. Dane-se a habilitação técnica, o que importa é o acordo de confrades a ser cumprido com os correligionários da linha de frente da campanha política.

            Nos seis anos em que trabalhei com o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, ninguém, muito menos ele, perguntou as minhas cores partidárias, em que partido voto nem qual é o meu histórico de preferências na grande multiplicidade partidária brasileira. Entrei na Vice-Presidência da República com o único recurso de que disponho para a conquista de um emprego, o meu currículo de vida, de que não tenho qualquer modéstia em me orgulhar, porque construído com muito trabalho e valores de que não abro mão.

            Com um breve comunicado do assessor administrativo da gestão anterior, já exonerado, a demissão em massa em todos os setores. Uma boa lição: não devemos ter arquivos pessoais no computador do trabalho. Na hora da saída, precisamos escolher entre deletar arquivos ou salvá-los, e não há tempo de fazê-lo. Assim, apagamos a memória de tudo o que temos no lugar, o que exige muito desprendimento e independência em relação ao passado, ainda que recente.

            Outra lição é a de que essa circunstância não é algo pessoal. Portanto, não se vincula a qualidades, virtudes e defeitos individuais. Os novos dirigentes não estão interessados no que fazemos ou deixamos de fazer, em atributos e capacidades profissionais, mas em como e onde ficarão aqueles a quem prometeram uma vaga, seja qual for, na estrutura que ora assumem. Sendo assim, não podemos permitir a invasão de baixa autoestima.

            Voltei para casa depois de uma execução sumária dessas. Os próceres de Michel Temer requisitaram todos os cargos de Direção e Administração Superiores e, a partir disso, me propus a descobrir encantos na vida doméstica, onde cinco cães exigem a minha presença e dois gatos pleiteiam os meus carinhos, fora as plantas e os humanos que se achegam em busca de minha atenção. No início do primeiro dia de folga, eu não tinha muita noção do que seria o meu cotidiano na ambientação do lar, e me reconheci sem todas as qualificações necessárias ao exercício dos labores da casa: não sei fazer algumas coisas e não gosto de outras, uma espécie de seleção natural de competências.

            Passei o primeiro dia fora do trabalho na Vice-Presidência da República envolvida em montar nova rotina. Nada de horários sufocantes nem de agenda compressora. Agora sou uma mulher dona do meu tempo, programando cada dia ao sabor das vontades. Farei o que jamais pude por estar excessivamente ocupada com as urgências dos outros e me dedicarei, essencialmente, ao que me dá prazer. Consumirei as horas comigo e não sentirei culpa por me colocar em prioridade. Enfim, a liberdade!

            Tomei banho de chuva sem me preocupar com os cabelos e dei-me conta de que não há mais pressa. Tudo o que quero é que possa florescer o meu jardim de girassóis, que plantei sob chuva intermitente. Sempre quis ter um jardim de girassóis e a vida que sonhei para mim. Sempre achei que, um dia, eu seria feliz como jamais fui. Hoje sou, e tudo o que me acontece é bom, é para o meu bem e é sagrado. Esse é o meu lema.

   (*) Crônica publicada na edição de 8 e 9 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Feliz vida nova! (*)

Vera Pinheiro
            Escancaremos as janelas para saudar a vida que nos traz o Ano Novo! Que se abram todos os corações e deixem entrar a brisa da felicidade construída com amor, compreensão, generosidade e perdão! Tenhamos paciência com os planos que não puderam ser realizados no ano passado e introduzamos neles ânimo renovado e estratégias que possibilitem a sua concretização. E que possamos desistir sem sofrimento do que, definitivamente, não deu certo nem dará, e a gente sente quando é hora de não gastar mais energia com o insucesso de um projeto, seja ele material, intelectual ou amoroso.

            Vamos repensar as ideias que não foram levadas adiante por falta de tempo ou de fôlego, e que a nossa vontade nos impulsione na direção do melhor que queremos para nós, desde que a ninguém prejudique ou faça mal. Se não pudemos, até aqui, obter tudo o que desejamos, que saibamos valorizar todas as conquistas, e não foram poucas. Aprendamos a gratidão, que abre os caminhos da prosperidade. Aos ingratos a vida não presenteia com a mesma fartura com que dota os que sabem agradecer pelos dons e bens que recebem todos os dias e a cada ano que começa.

            Assumamos o compromisso de fazer as pazes com os melhores sentimentos e de, finalmente, fazer uma faxina ampla nas amarguras, jogando fora o de que não precisamos e o que nos infelicita. O acúmulo de lixo existencial, guardado pelo vínculo ao passado de dor e mágoas, faz adoecer o corpo e atormenta o espírito. Libertemo-nos! Mas, atenção, não joguemos detritos emocionais em via pública, principalmente se estivermos na direção de um veículo! Evitemos despejá-los em alguém, ainda que seja membro da família, e jamais no colo de um amigo, que não é obrigado a aguentar de tudo, tampouco sobre a cabeça de colegas e – nunca! – sobre as chefias. O melhor jeito de nos desvencilharmos do entulho que ocupa valioso espaço na mente e, mais ainda, no coração, é reciclar, transformar, transmutar! O que for negativo, em coisas positivas; as inutilidades, no que for útil, a sujidade em asseio; a feiúra em beleza, lembrando-nos de que tudo é bom, é para o bem e é sagrado. Busquemos o lado melhor do que nos acontece e a face bela de todas as pessoas. E acreditem, isso existe!

            Hoje é dia das promessas! Façamos nova lista, porém tenhamos a humildade de deixar de lado o que antecipadamente sabemos que não há garantia alguma de que possamos levar adiante. Promessas precisam de determinação, de firme decisão e de nenhuma cobrança que nos cutuque os brios e nos irrite a ponto de abandoná-las antes que cheguem a termo. Nisso se incluem o regime sempre adiado e os exercícios físicos que ficam para a semana seguinte, dos quais apenas recordamos quando o ano termina e nada foi feito. Deixar de fumar, terminar uma relação absolutamente insatisfatória, gastar menos, não beber demais, reclamar menos, não gritar tanto, aceitar os outros, dedicar-se um pouquinho, que seja, à religião, e cumprir promessas feitas repetidamente há tantos novos começos de ano acenam de novo, na chegada de 2011. Em sendo assim, prometamos menos aos outros e façamos um pacto conosco de estabelecer prioridades e o que realmente queremos para a nossa vida. E afinal, o que queremos para o Ano Novo?

            Não tenhamos pressa! Hoje é o primeiro dia do ano inteiro que temos pela frente. Abramos os braços para receber essa visita ilustre que bate à porta! Olhemos o Ano Novo com carinho e permitamos que ele chegue sem sustos, medos e desconfianças. Abençoemos o ano velho como a um filho que segue viagem e ao que chega, boas vindas e a nossa mais sincera confiança de que ele será bom, saudável e feliz, o mesmo desejo que nós expressamos quando um bebê nasce. Assim, ao nascer um novo ano, que a expectativa seja realmente otimista, construtiva e positiva sobre o que ele será. E, claro, façamos a nossa parte para que seja como queremos.

            Na realidade, podemos almejar tudo, mas precisamos do que é essencial para que a felicidade se realize, e isso está no que podemos carregar. Quem pode suportar o peso de uma casa sobre os ombros ou o do carro nas mãos? Assim, o peito se lota do que vivemos, seja bom ou nem tanto. Que a nossa escolha seja, sempre, pelo bem, que ele não ocupa espaço. E pelo amor, que é sinônimo das bênçãos divinas que nos alegram e amparam. Feliz vida nova em 2011 para todos nós!
          (*) Crônica publicada na edição de 1º e 2 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.