domingo, 30 de janeiro de 2011

A árvore azul (*)

Vera Pinheiro
            A natureza oferece lições extraordinárias, metáforas da própria vida. As árvores azuis que tenho em casa são exemplo disso. Sim, as árvores têm flores azuis, mas somente à primeira vista. Se detivermos o olhar com atenção, veremos que a belíssima paisagem, que realmente encanta, é feita de árvores encobertas por uma planta trepadeira de flores azuis cujo nome desconheço, mas que aprecio mesmo assim, inominada para mim. Deixei-a crescer com excessiva liberdade, sem nenhuma contenção, o que a fez subir muros e tomar as copas de duas árvores ornamentais em velocidade que se combinou com a falta de tempo para cuidar do meu jardim.

            A primeira lição: crescimento desordenado gera caos. Os filhos precisam de espaço e liberdade, mas também da vigília e autoridade dos pais para que tenham o menor número de arrependimentos possível, até que possam haver-se por conta própria, e devem manter-se atentos para que as palavras de pai e mãe não façam eco apenas nas paredes. Não conheço quem tenha ignorado os conselhos paternos sem que, ao longo da vida, não lhes tenha dado razão.

            Nada é mais urgente do que a família nem mais importante do que ela, segunda lição. Nenhuma conquista profissional vale perder um filho para a desatenção e o desamor, que levam a caminhos de autodestruição, riscos e perigos. De profissão e de emprego a gente troca, de marido e de mulher também. Filhos, não! Filhos são para todo o sempre. Os filhos são o verdadeiro sentido da eternidade, tudo o mais é efêmero.

            Portanto, terceira lição: Não importa o que faças, arruma tempo para a tua família! Inventa os meios para estar com ela, ainda que tenhas de fazer “das tripas, coração” e multiplicar as horas. Dorme com um olho aberto e outro fechado, e te mantenhas com os ouvidos descerrados, observando o comportamento de todos. Se nós podemos ver uma árvore que cresce, como não estarmos vigilantes ao que acontece com quem faz parte da nossa vida? E não tenhamos medo de falar, advertir, censurar, admoestar, alertar os filhos! O prestígio de “melhor mãe/pai do mundo” fica abalado momentaneamente, mas depois passa. É mais fácil conviver com a crítica e as reclamações deles por seres como és do que com a culpa de não teres exercido o papel que te cabia, o de orientar e educar dentro do lar. De fato, educação é um trabalho que tentamos fazer com simpatia, mas nem sempre isso é possível. Dizer “não” com firmeza é antipático, mas necessário, e esse é um aprendizado que carregamos pela vida afora. Vamos admitir que, às vezes, dói, e muito, negar a quem se ama, mas a convicção de que estamos fazendo o que é certo nos sustenta e retira as dúvidas inevitáveis. Podar as flores parece triste, mas organiza a sua expansão.

            “Nem tudo o que parece é”, quarta lição. O adágio popular está certo. Devemos tirar o véu que oculta intenções não reveladas. Pior é jamais sabermos a verdade, ou sabê-la tardiamente, quando não se podem reparar os danos. Portanto, não lamentemos as lágrimas e os suspiros que restam depois que uma farsa é descoberta. De perto vemos melhor. E mesmo que estejamos encantados com aquilo que vemos, olhemos o que está por baixo das flores azuis, a realidade. Não deixemos que um ledo engano dos sentidos turve a visão dos fatos, dos acontecimentos e das pessoas. Desilusão é saudável, pois tira a ilusão que leva a erros na avaliação do que os olhos veem e do que o coração sente. Do mesmo modo, um desengano tira do engano. Quem quer permanecer enganado, não sendo tolo ou iludido?

            Façamos o que precisa ser feito; depois, o que nos agrada. Quinta lição. É bom quando podemos juntar o prazer à obrigação, mas não é uma prática constante, então resolvemos o que nos exige empenho e logo nos entregamos a atividades que trazem sensação de entusiasmo e satisfação. Além disso, há as escolhas que vislumbram o futuro. Queremos flores azuis independentemente das perdas que elas acarretam? Sucesso a qualquer custo, pisando no pescoço dos outros? Ou queremos as flores azuis da alegria e da realização sem destruir princípios e valores íntimos e preservando o que está em torno?

            Sob o manto de lindas flores azuis, os galhos das árvores começam a secar. O que é belo nem sempre nutre e abastece. Sexta lição, vinculada a relacionamentos. Por amor, permitimos que alguém nos sugue até quase perdermos as forças, mas um dia cortamos as flores azuis e nos recobramos. Afinal, a essência do que somos permanece, e renascemos com ela em novo viço. Isso é uma grande vitória! E uma ótima lição.
            (*) Crônica publicada na edição de 29 e 30 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

2 comentários:

  1. Existem fases da minha vida em que não lembro de algumas passagens das vidas dos meus filhos. Sempre dependi muito do meu trabalho para oferecer uma boa qualidade de vida para os meus filhos. Hoje, tento equiblibrar a atenção, a correção, a educação com o tempo dedicado ao trabalho. Hoje, percebo que deveria ter dedicado mais atenção a minha família, mas nunca é tarde para mudar.

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  2. Vera bom dia...Por gentileza,
    Eu gostaria de receber o teu e-mail de contato, pois o e-mail verapinheiro@verapinheiro.net não funciona. É para averiguar a autoria de um texto chamado "A delicadeza do amor" publicado no jornal "A Razão" de Santa Maria RS em 2007.

    Um abraço,

    Jean-Pierre

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