sábado, 8 de janeiro de 2011

Jardim de girassóis (*)

Vera Pinheiro
            O relógio me acordou às 6h e só tive o trabalho de deter o seu despertar. Não precisava levantar cedo, então dormi até as 8h no primeiro dia realmente de folga depois de 37 anos de trabalho e de uma aposentadoria que só existe no papel. Na véspera, o PMDB comunicou a retomada de todos os cargos e dos correspondentes DAS para entregá-los a seus partidários, e não são poucos os que pleiteiam uma vaga na ambicionada Vice-Presidência da República, agora ocupada por Michel Temer.

            Era uma despedida anunciada. Tão logo o PMDB assumisse, quem tivesse cargo alto na Vice-Presidência da República, meu caso, seria sumariamente destituído de suas funções. Porém, nunca estamos devidamente preparados para a execução de ato de que somos partícipes, para não dizer vítimas de implacável canetaço. O desconcertante é entrar como convidado a prestar serviço no mais alto Poder Executivo da Nação e sair na condição de indesejável, mas isso não tem a ver com qualificação profissional, e sim com os interesses políticos de quem assume o poder e que, mediante as promessas que fez, tenta acomodar todos os santos a quem prometeu uma velinha. Dane-se a habilitação técnica, o que importa é o acordo de confrades a ser cumprido com os correligionários da linha de frente da campanha política.

            Nos seis anos em que trabalhei com o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, ninguém, muito menos ele, perguntou as minhas cores partidárias, em que partido voto nem qual é o meu histórico de preferências na grande multiplicidade partidária brasileira. Entrei na Vice-Presidência da República com o único recurso de que disponho para a conquista de um emprego, o meu currículo de vida, de que não tenho qualquer modéstia em me orgulhar, porque construído com muito trabalho e valores de que não abro mão.

            Com um breve comunicado do assessor administrativo da gestão anterior, já exonerado, a demissão em massa em todos os setores. Uma boa lição: não devemos ter arquivos pessoais no computador do trabalho. Na hora da saída, precisamos escolher entre deletar arquivos ou salvá-los, e não há tempo de fazê-lo. Assim, apagamos a memória de tudo o que temos no lugar, o que exige muito desprendimento e independência em relação ao passado, ainda que recente.

            Outra lição é a de que essa circunstância não é algo pessoal. Portanto, não se vincula a qualidades, virtudes e defeitos individuais. Os novos dirigentes não estão interessados no que fazemos ou deixamos de fazer, em atributos e capacidades profissionais, mas em como e onde ficarão aqueles a quem prometeram uma vaga, seja qual for, na estrutura que ora assumem. Sendo assim, não podemos permitir a invasão de baixa autoestima.

            Voltei para casa depois de uma execução sumária dessas. Os próceres de Michel Temer requisitaram todos os cargos de Direção e Administração Superiores e, a partir disso, me propus a descobrir encantos na vida doméstica, onde cinco cães exigem a minha presença e dois gatos pleiteiam os meus carinhos, fora as plantas e os humanos que se achegam em busca de minha atenção. No início do primeiro dia de folga, eu não tinha muita noção do que seria o meu cotidiano na ambientação do lar, e me reconheci sem todas as qualificações necessárias ao exercício dos labores da casa: não sei fazer algumas coisas e não gosto de outras, uma espécie de seleção natural de competências.

            Passei o primeiro dia fora do trabalho na Vice-Presidência da República envolvida em montar nova rotina. Nada de horários sufocantes nem de agenda compressora. Agora sou uma mulher dona do meu tempo, programando cada dia ao sabor das vontades. Farei o que jamais pude por estar excessivamente ocupada com as urgências dos outros e me dedicarei, essencialmente, ao que me dá prazer. Consumirei as horas comigo e não sentirei culpa por me colocar em prioridade. Enfim, a liberdade!

            Tomei banho de chuva sem me preocupar com os cabelos e dei-me conta de que não há mais pressa. Tudo o que quero é que possa florescer o meu jardim de girassóis, que plantei sob chuva intermitente. Sempre quis ter um jardim de girassóis e a vida que sonhei para mim. Sempre achei que, um dia, eu seria feliz como jamais fui. Hoje sou, e tudo o que me acontece é bom, é para o meu bem e é sagrado. Esse é o meu lema.

   (*) Crônica publicada na edição de 8 e 9 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

Um comentário:

  1. Amiga,
    Senti na pele o que você sentiu, mas acho que todos têm direito a um lugar ao sol.
    A omissão dos fatos causou incertezas e desconforto a todos.

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