domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um jeito de ser feliz (*)

Vera Pinheiro
            Hoje arrumei a mesa com a melhor toalha que estava na gaveta. Logo cedo, colhi flores no jardim e, delicadamente, as ajeitei num vaso. Fui ao quintal e apanhei as carambolas mais amarelinhas, as romãs mais vermelhas e as mangas mais bonitas. Peguei a louça que estava guardada para os dias de visita. Fiz o café mais caprichado que podia e me servi como se fosse um dia de festa. Não havia coisa alguma para festejar, nenhuma pessoa convidada nem é meu aniversário. Mas este é o dia mais importante que eu tenho para viver: o hoje!

            Não quero guardar toalhas e louças para um amanhã incerto. Não vou esperar que as frutas caiam do pé para serem comidas. Não deixarei que as flores murchem sem tê-las visto com atenção. Não há visita que seja mais importante do que a minha família. Por que esperar pelo próximo dia, por aquele que virá, se o hoje pode ser a festa do meu espírito? Nunca mais vou deixar que as toalhas fiquem amareladas a espera de quem nunca vai chegar. Não vou guardar as frutas mais saborosas para quem nunca vai comê-las comigo. Vou apreciar as flores e enfeitar a minha vida com elas, não mais esperar que pessoas apareçam, porque as estações mudam e o tempo consome relações que não são renovadas.

            Não vou desperdiçar o melhor que tenho para dar com quem não quer receber, ou com quem recebe e não sabe apreciar. Vou me dar para mim mesma antes de me dar a outros, para não dar do que não tenho ou que me é escasso ou dar o que nunca volta, não tem retorno, recompensa, troca. Vou me contemplar, me valorizar, me gostar muito antes de esperar pela valorização e pelo gostar alheios. Vou estender a melhor toalha em minha homenagem, saborear os melhores frutos que cultivo, perfumar a vida com as flores mais belas que cuido. Vou fazer a melhor refeição em qualquer dia.

            A vida é uma seqüência de momentos que vou viver por inteiro, sem ficar a espera dos que prometem e não cumprem, dos que dizem amar, mas não é verdade. Hoje estou em festa! Celebro a própria vida com um profundo respeito pelo que construí e experimentei. Com enorme amor por mim. Com grande carinho pela minha própria história. Eu mereço uma mesa caprichada. Mesmo se estiver sozinha.

            O meu sonho é viver feliz. Nada demais! Não é algo impossível, que não possa ser alcançado. Viver feliz é simples e grandioso. Não preciso de muita coisa e preciso muito de algumas coisas. Posso viver feliz tendo pouco do que é supérfluo e muito do que é essencial. Ou apenas com o básico, que é realmente indispensável. A minha alma me diz do que preciso e me abastece as reais necessidades, segundo meus parâmetros, não os alheios. Posso viver feliz com muito menos do que outros têm e ser muito feliz com o que algumas pessoas não têm nem querem.

            A felicidade não se compara. A minha felicidade tem a minha cara, o meu jeito. Alguns nunca entenderão como posso ser feliz sem ter o que muitos têm. E outros não entendem como tenho o que muitos não têm e por que adoro isso. Não meço a minha felicidade com a dos outros, pois alguns terão mais e outros menos do que tenho. Tenho o meu suficiente, sem o qual não vivo feliz. Nem mais nem menos. Por isso, minhas angústias são ralas quanto a ter ou não ter. Ser é o que me ocupa. Ser feliz é a minha meta, o meu sonho, a minha realidade de todos os dias, a minha busca e o meu encontro. A minha felicidade se renova sempre, não importa o que eu tenho ou deixo de ter. Eu sou feliz! Isso, mais do que uma afirmação, é uma vivência.

            Agradeço à vida por tudo que tenho, sou e vivo. Deito à sombra de uma árvore e ali encontro a energia que vem da terra. A força telúrica invade meu corpo e anima meu espírito, enquanto olho o céu azul que me cobre e as nuvens que passeiam nele. Tudo em volta me encanta e o que está dentro me fascina, pois são as melhores descobertas.

            Hoje, ao acordar, renovei minha certeza de que cada dia é uma oportunidade de exercitar o direito e o compromisso de ser feliz. Este dia é precioso e único. Quero vivê-lo com amor, gratidão, alegria e em paz. Que seja assim para mim e para todos os das minhas relações. E que cada um descubra no mais profundo de si mesmo o que é essencial à felicidade, olhando seus desejos, sonhos e vontades com sinceridade e sem medo.

   (*) Crônica publicada na edição de 26 e 27 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

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