Vera Pinheiro
Com o passar do tempo, mudam os hábitos. Alguns dos melhores hábitos se perdem ou são substituídos por outros em uma sociedade que se modifica apressadamente, sem avaliar se o novo é bom ou nem tanto para o convívio humano e para a qualidade de vida. Adotamos hábitos divergentes também por força das circunstâncias, que nos compelem a mudanças emergenciais, e há casos em que não chegamos a percebê-las acontecendo. Quando nos damos conta, já deixamos de lado o que fazíamos e seguimos hábitos que adquirimos ou nos foram impostos sem contestação. Às vezes, eles resultam de mera imitação, o que é lamentável, tudo para não nos colocarmos em oposição ao que os outros fazem, embora afrontando o de que gostamos. No bojo disso, a necessidade de validação dos outros ao que nós somos, uma espécie de aprovação ao nosso jeito de ser, do que muitos não abrem mão e não conseguem ficar sem. Afinal, é bastante custoso ficar na contramão do comportamento dos nossos conviventes, e poucos têm tutano para se esquivar disso e ser o que essencialmente são, gostem os outros ou não.
Assim se dá com o que ocorre em torno da mesa. Que mesa? As famílias diminuíram e o tamanho da mesa acompanhou a evidência de que há menos pessoas em casa do que havia antigamente. A pressa encurtou as dimensões da mesa e a falta de tempo a fez menor ainda! Por que ter uma mesa grande se a família é pequena e os amigos se reúnem em botecos ou em restaurantes para não dar trabalho à dona da casa, ocupada demais com a vida fora dela? Diminuíram as mesas, e muitas das que existem são meros ornamentos na cozinha e na sala de jantar. Ninguém usa, elas só ocupam espaço e fazem parte da decoração, que ninguém tem tempo de apreciar.
“Quem come em pé não alcança o que quer”, dizia mamita, que não admitia a gente comendo com um pé à porta de saída, mal engolindo o que ela cozinhava com esmero à época em que era completamente dona de si, voluntariosa e com uma lição na ponta da língua para todas as situações. Sinto saudade de quando ela arrumava a mesa e dispunha milimetricamente os legumes, que pareciam formar uma mandala perfeita a enfeitar a mesa. Ela colocava a refeição para nós duas e, seguindo-a, arrumo a mesa para mim e minha filha. Considero que somos nossas melhores convidadas de todos os dias, bem como tenho como indispensável nossa conversa em torno da mesa em duas refeições diárias, o café da manhã e o jantar, ainda que esse último seja instável como o clima de Brasília. Ou seja, nem sempre é possível de se realizar e é cancelado em razão de compromissos ou por ser tardio para uma refeição mais elaborada. Nesse caso, está abolido ou se transforma em modesto chá com torradas que não atrapalha o sono nem pesa no estômago. Nós nos curvamos às particularidades da agenda de cada dia, mas nos esforçamos em dedicar alguns dias da semana a almoços em família, lamentando a impossibilidade das presenças de meu filho e de sua esposa, que moram em outra cidade.
E, vejam só! Muitas pessoas de uma família moram na mesma cidade e não se visitam! Desconhecem o que é distância, ignoram o significado de saudade e não se importam em estreitar laços de afeto, tudo o que resta quando nos vamos desse mundo, além das obras do bem que fizemos! Quantos se reúnem em torno da mesa para compartilhar refeições e amor? Quem se ocupa em deixar ao menos um dia da semana para estar com os familiares, porque não há pessoas mais importantes do que aquelas que o amor consagrou em irmandade?
“Não tenho tempo!”. Essa é a desculpa sem consistência de quem não quer se envolver com compromissos familiares, pensando que é perda de tempo dedicar espaço a pais, irmãos, primos, tios e avós, essa confraria que o poder divino organizou e que ninguém devia desprezar. Os parentes fazem parte da grande teia universal que não escolhemos tecer, mas que está ligada a nós por invisíveis, significativos e incompreendidos vínculos. Voltar a se reunir em torno da mesa é mais do que um hábito a ser retomado. É um estar junto que entrelaça vidas. A comida é só um pretexto. A gente fica junto por querer, e num espaço sagrado como esse, a mesa, pode contar com as bênçãos divinas às sinceras intenções de afetividade, quando a sacralização se dá. Quem duvidar, que experimente! Não vai se arrepender!
(*) Crônica publicada no jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS, edição de 16 e 17 de abril de 2011.
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