Vera Pinheiro
Em seis anos de convívio direto com José Alencar Gomes da Silva, como sua assessora, recebi muitas lições da vida desse homem que viveu um martírio pessoal sem ares de amargura. “O senhor faz pela fé e esperança das pessoas como nenhum líder religioso o faria”. Disse-lhe isso, certa vez, comentando a imensa quantidade de cartas, telegramas, cartões, bilhetes e mensagens por e-mail que recebia diariamente. Passavam por mim as mensagens enviadas e as respostas dele, e me comovi às lágrimas com muitas delas. O vice-presidente da República chorou incontáveis vezes, lendo as mensagens chegadas de todos os rincões do país. Mas a solidariedade que lhe prestavam não o envaidecia. Achava simplesmente “normal” o comportamento solidário do povo brasileiro em relação ao seu drama pessoal, e não sobrevalorizava os elogios que se colavam às manifestações de apoio. “Não me superestimem. Eu tenho de ser humilde para compreender essa reação das pessoas, pois, do contrário, isso poderia me subir à cabeça e me fazer pensar que sou o tal”.
Nem mesmo virtudes ele trazia à ponta do lápis. Todas as qualidades associadas ao seu nome – integridade, honradez, honestidade, justiça, seriedade, caráter retilíneo, e mesmo um trivial louvor ao modo como procedia na vida pública e privada, como político e empresário – eram minorados por uma modéstia desconcertante. “Isso tudo não tem de ser enaltecido. É obrigação”.
Ele se desmistificava, assegurando: “Tudo o que for verdade a meu respeito pode ser dito. E deve ser dito”. Nem mito nem herói, sequer de sua própria história. José Alencar queria apenas cumprir o que lhe disse o pai, estando de saída para o mundo com pouco mais de nada, mas municiado de vontade férrea e de crença em si mesmo. “Quando saí de casa, aos 14 anos, pedindo “bênção, mamãe”, “bênção, papai”, ele falou comigo: “Meu filho, não se esqueça: o importante na vida é poder voltar!”. Voltar a uma pessoa, a uma família, a uma casa, a uma cidade, a um emprego, a um cargo, a uma instituição, a uma entidade, a uma situação... Voltar! Poder voltar significa viver altivo, de cabeça erguida”.
Havia quem duvidasse que as correspondências chegassem ao conhecimento dele, mas chegavam, e elas se tornaram preponderantes para a força que ele demonstrou ter ao longo dos sucessivos tratamentos da doença. Chegava de tudo um pouco: orações, livros, simpatias, novenas, sugestões de tratamento, pesquisas sobre ervas medicinais, imagens de santos, velas, incensos, medalhinhas, tudo o que as pessoas imaginavam que pudesse ajudar na cura de José Alencar era enviado e entregue, embora ele nem sempre agradecesse. O Brasil, de tantas vertentes religiosas, se uniu em um só coração, fazendo um único pedido pela saúde do vice-presidente, o mais amado de todos os tempos, um “fofo” ou o “queridinho do Brasil”, como chegou a ser definido. E ele era.
Jamais poderia supor quem era esse homem quando fui nomeada assessora da Vice-Presidência da República. Para mim, era apenas mais um trabalho, não sabia o que a vida me ensinaria no convívio com José Alencar Gomes da Silva. Não o conhecia além do que a sua vida pública permitia conhecer, e aos poucos, cada vez mais, descobri a grandiosa figura humana dele, e me surpreendeu a sua elevada espiritualidade, colocada à prova dia após dia. E quanto mais o corpo físico se agredia pelo câncer, mais José Alencar se reforçava na esperança e na fé, ensinando com seu exemplo o que realmente significa superação. Na prática, na dor, no sofrimento, não em teoria. Definitivamente, não foi homem de falácias, e fugia ao arquétipo dos políticos em geral, tal como são reconhecidos num país de turbulências comportamentais nos altos poderes.
Ele não impunha sua opinião, conquistava adesão ao que queria. Não contrariava, fazia a gente concordar com ele. O vice-presidente da República era educadíssimo, atencioso, do tipo que agradece o cafezinho que lhe servia o garçom, e com uma visão panorâmica do que estava em torno, fossem acontecimentos políticos ou as unhas de seu interlocutor. Nada lhe passava despercebido, embora silenciasse. Mas sempre dava um jeito de que compreendessem o que não estava bem ao jeito como gostava e desejava. Caso contrário, não hesitava em dizer o que pensava, mas o fazia com elegância, e nunca ouvi gritos dele, mas, sim, a sua palavra, afiada e pontual, vencendo os argumentos discordantes sem ferir.
A simplicidade de José Alencar desestruturava qualquer vaidade que alguém pudesse ter. No entanto, ele sabia a medida exata da intimidade que dava a conhecer, como se traçasse um risco invisível, mas presente. Isso não me impediu de dizer que gostava sinceramente dele, que o admirava e que me honrava trabalhar com ele. Dava mesmo vontade de dizer-lhe o que diríamos a um avô muito amado, ao pai, a um irmão mais velho, a um parente a quem dedicamos especial estima, a um amigo do coração. José Alencar fazia nascer ternura, e ela se derramava em palavras e emoções. Também por isso, acredito, os brasileiros se sentiam tão à vontade para falar com ele, dispensando os limites empetecados dos vocativos institucionais e tratando-o pelo nome. Sua Excelência o Vice-Presidente da República José Alencar Gomes da Silva era, simplesmente, Zé. Não poderia ser mais nacional.
Oh Vera.
ResponderExcluirSinto muito amiga, pela perda. Perda, que constato, de todos nós, de acordo com o seu texto. Sei que as meninas poderosas tinham muito carinho por ele.
Ele batalhou e venceu. Que ele descanse em paz porque ele merece.
vou acender uma vela em homenagem ao querido Zé.
Caríssima, estou muito emocionada. Sou testemunha de tudo que você falou. Sinto-me honrada por ter feito parte da equipe do Vice-Presidente José Alencar, ou simplesmente como milhares de brasileiros, que torceram muito pela recuperação do Zé Alencar.
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