segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Atendimento Preferencial

Vera Pinheiro
            Eram três e pouco da tarde quando entrei em uma agência bancária, já com pressa de me dirigir a outro local para cumprir a agenda marcada para aquele dia. Quatro pessoas estavam à minha frente. Um homem de 40 e poucos anos; uma jovem de 30, no máximo; uma senhora que aparentava uns 50 e um garoto que recém devia ter passado dos 18.
            Dei uma espiada no movimento do caixa e peguei um lugar na fila, sob o olhar atento do segurança que não perdia o mínimo passo de quem circulava por ali. Sorri para ele e depois fiquei com aquele olhar de paisagem, esperando a fila andar. Enquanto isso, ajeitava os pensamentos sobre o que tinha a fazer.
            Estava no período que costumam chamar de “inferno zodiacal”, às vésperas de mais um aniversário, mas não poderia supor que me colocaria entre o cômico e o inusitado para viver a primeira experiência de atendimento preferencial, embora não tenha qualificações para merecer as correspondentes prerrogativas.
            Resignada a esperar, não me aborrecia. Foi quando, num repente, o segurança do banco dirigiu-se ao grupo em que eu estava e falou comigo em alto e bom som, e todos ouviram:
            - “A senhora tem direito a atendimento preferencial”.
            Ele não perguntou se eu tinha (ou não) tal direito; afirmou categoricamente! Não me mexi. Fiquei olhando para o homem com uma cara que não expressava coisa alguma, certa de que ele não estava falando comigo. Pois estava. Estava?!
            - “Será que ele está falando comigo?”, me perguntei, arriscando um olhar sorrateiro para os lados para ver se alguém se manifestava. Silêncio no recinto. Eu, muda!
            - “Ele está falando comigo, não acredito!”. Era para acreditar, pois o homem insistiu que eu tinha direito a atendimento preferencial.
            - “Tenho?!”, pensei. “Ainda não”, constatei, fazendo mentalmente as contas da minha idade.
            - “Caramba, devo estar com o visual prejudicado, aparentando pelo menos uns cinco anos a mais...”. A essa altura, contive a mão que vasculhava por um espelho dentro da bolsa para não passar recibo do meu assombro. Recuperada da surpresa, e para não constranger o moço, tampouco esmurrá-lo, limitei-me a agradecer e disse que dispensava. Os companheiros de fila suspiraram aliviados. Não raro, há manifestas e dissimuladas contrariedades em ceder lugar aos idosos.
            Tudo bem que tenho uma autoestima de bom tamanho, mas essa me pegou desprevenida. Ao sair do banco queria me olhar em um espelho com certa urgência, mas deixei de lado a ideia por ter mais o que fazer. Fui a uma loja de departamentos localizada em um shopping. Mal juntei umas compras e um rapaz veio, esbaforido, ao meu encontro. De novo, a minha cara de susto.
            - “Deixe-me ajudá-la para a senhora não carregar peso”.
            Sorri sem graça. Ele até que era engraçadinho. E a pergunta matutando na cabeça: “O que há comigo hoje?!”. Sentia o peso da idade calcando sobre os meus ombros depois da segunda investida generosa, mas inesperada, de gentilezas comigo. Eu me perguntava se teria errado na idade e buscava certeza de que neste sábado eu chego aos 56 sem dar desconto ao passar dos anos. Ah, não importa. O tempo passa rápido mesmo. O tempo, aliás, passa rápido demais depois que a gente vira a curva dos 18. Ao cruzar os 35, então, a idade vai a galope. Quando vemos, pronto, estamos sexagenários!
            Até me esqueci do que queria comprar. Saí dali sem levar nada e entrei noutra loja na esperança de que a abordagem mudasse. Fiz um passeio demorado e, de novo, entrei na fila. Estava de frente para o caixa quando, às minhas costas, alguém pergunta: “Esta é a fila preferencial?”. Era apenas eu ali. Virei o corpo e fiquei de frente para uma linda senhora de seus 80 e alguns. Eu não sabia se dizia sim ou não, tantas vezes naquele dia me tomaram por merecedora do singular atendimento. Os questionamentos se embaralhavam na cabeça mais do que os meus cachinhos ao acordar.
            Foi quando esbarrei com um espelho enorme, em que podia me ver de alto a baixo. Vestia uma bata que aposentei no mesmo dia! Parecia grávida! Bem que reparei que algumas mulheres olhavam no meu rosto e depois para a barriga, nem tão proeminente, a bem da verdade, embora existente! E há quem duvide do que uma roupa pode fazer com a aparência da gente!

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