Concórdia, deusa da paz e da harmonia
Vera Pinheiro
Concórdia, a deusa romana da paz e da harmonia é representada como uma
mulher madura, segurando em uma mão uma cornucópia e na outra um galho de
oliveira. Cornucópia é um símbolo rebuscado e antigo, representativo de
abundância, fertilidade e riqueza. Na mitologia greco-romana aparecia como um
vaso em forma de chifre, que remete ao sagrado masculino, ornamentado com
flores e frutos em seu interior, simbolizando a generosidade da terra fértil e
o sagrado feminino. Dos frutos da oliveira, as azeitonas, os homens aprenderam
a extrair o azeite, empregado como unguento, combustível e na alimentação, e a
árvore, por sua utilidade e longevidade, tornou-se venerada por diversos povos.
Esses dois símbolos que a deusa Concórdia traz em suas mãos, têm relevância
para todos os relacionamentos, e a maturidade, que é menos idade biológica e
mais sabedoria, os enlaça e os faz duradouros, quando não eternos.
A
deusa Concórdia simboliza o princípio do relacionamento harmônico e é a própria
concepção do entendimento e da reconciliação entre as pessoas. De acordo com
Mirella Faur, em seu livro “O Anuário da Grande Mãe”, a 16 de janeiro era
celebrado em Roma o Festival de Concórdia e no dia 29 de janeiro, em honra a
essa deusa, as casas eram purificadas e os relacionamentos familiares
harmonizados. Em 22 de fevereiro, no Festival dedicado à Concórdia, conhecida
também como Caristia, as famílias festejavam a resolução de conflitos com
banquetes, música e troca de presentes, e no dia 1º de abril, em celebrações
greco-romanas com a participação apenas de mulheres, se invocavam as bênçãos
das deusas Fortuna, Virilis e Concórdia para ter sorte no amor, melhorar a
relação com os homens e garantir a harmonia nas famílias.
O
primeiro plenilúnio de 2014 exatamente no dia de Concórdia não poderia ser mais
apropriado para que, ao reverenciarmos essa deusa, façamos uma avaliação de
nossos relacionamentos familiares, profissionais, amorosos, os que se circunscrevem
ao âmbito das amizades, na vizinhança, nos diferentes grupos de convivência
social ou sagrada de que participamos, e do curso de nossa integração à grande
irmandade universal.
Quando se trata de avaliar o estado das relações humanas tendemos a
apontar o dedo na direção das outras pessoas, responsabilizando-as pelos
desencontros e desacertos e, em defesa própria, nos isentamos de qualquer
contribuição para os desentendimentos que ocorrem. Entretanto, relacionamentos
se constroem em uma via em que trafegam duas vontades, nem sempre na mesma
direção, mas ainda assim, havendo disposição ao diálogo, o consenso atende os
interesses de ambos para continuarem juntos na caminhada, convergindo as
diferenças para a verdadeira unidade.
O equilíbrio
de uma relação se dá pela conjugação de esforços de acertar, não de ter razão.
O entendimento acontece se não há exaltação de egos, um querendo sobrepujar o
outro. Para se alcançar a harmonia há que se prescindir da vaidade, que exalta
acontecimentos sem significância, amplia pequenas divergências e valoriza
sobremaneira aborrecimentos que poderiam ser contornados e relevados. A ânsia
de vencer precisa dar lugar à conciliação, e isso é permitir que a deusa
Concórdia traga seus atributos para os nossos relacionamentos, convertendo-os
no que a presença divina enseja: paz e harmonia, indispensáveis à
felicidade.
Não
adianta invocar os predicados da deusa Concórdia para harmonizar os nossos
relacionamentos sem que a nossa humanidade se recolha para dar lugar às
características da espiritualidade que habita em nós e, assim, poderem fluir a
comprensão e o bom entendimento. É de pouco proveito, igualmente, que tentemos
modificar alguém que não a nós mesmos. Sejamos os primeiros a mudar, antes de
desejarmos que as outras pessoas deixem de ser como são. Sejamos quem primeiro
estende a mão em busca do restabelecimento da ordem e do comum acordo para o
bem de todos e para o bem do Todo. Não esperemos que um se renda para que o
outro se considere vencedor do embate. Não há luta onde há cordialidade,
acolhimento, gentileza. Não há vencedores nem vencidos quando o que queremos é
o bem comum, que atenda os interesses e as necessidades de todos. Não há logro
de vantagens se o objetivo é meramente derrotar alguém em suas opiniões,
desejos, anseios, modo de ser.
Sejamos o humilde que propõe a paz e se submete, antes de todos, ao
abraço de união, ao perdão e ao amor que não guarda rancores nem
ressentimentos. Não tenhamos pudor em amar e perdoar sempre que alguém esbarrar
em suas dores, em seus medos e em tormentos interiores que o fazem desviar-se
da temperança, da generosidade, da ternura. As pessoas a quem mais
profundamente amamos servem de instrumento para avaliar e medir a nossa capacidade
de amar, e nos trazem a noção da importância de desculpar, entender, deixar
passar sem novas explicações e renovadas promessas. Perdoar simplesmente porque
é bom, faz bem e ajuda-nos a crescer mais que o orgulho e avançar sobre a
arrogância.
Que Concórdia lance o bálsamo de Sua
sagrada presença para aliviar as tensões provocadas pela falta de compreensão,
pela impertinência, pelo julgamento, pelo desamor, pelo desrespeito. Não
permita, Ela, que sejamos tragados pelas mágoas, ofensas e indelicadezas com
que somos abatidos, a fim de evitar que nos transformemos em quem não queremos
ser. Que todos os gestos sejam pacificados pelo amor universal e todas as
palavras nutridas de afeição, bondade, moderação, serenidade e brandura.
Invoquemos
a deusa Concórdia para o nosso cotidiano, onde estivermos, com quem estivermos
e no que fizermos, para que Ela nos favoreça com suas virtudes e enalteça as
nossas qualidades para conquistar e manter relacionamentos que nos façam
individual e coletivamente felizes, mostrando-nos o caminho para ascendermos
sobre as falhas que impediram que algumas relações, no passado, não resultassem
em progresso e sucesso. E que, doravante, ao longo de nossos dias, estejamos
conscientes de que a paz, o amor e a harmonia, base dos convívios saudáveis,
não dependem apenas dos outros. Tudo começa e está em nós e na forma como nos
vemos, no que podemos dar, no que sabemos receber e no quanto queremos trocar.
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