segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Concórdia, deusa da paz e da harmonia
Vera Pinheiro

            Concórdia, a deusa romana da paz e da harmonia é representada como uma mulher madura, segurando em uma mão uma cornucópia e na outra um galho de oliveira. Cornucópia é um símbolo rebuscado e antigo, representativo de abundância, fertilidade e riqueza. Na mitologia greco-romana aparecia como um vaso em forma de chifre, que remete ao sagrado masculino, ornamentado com flores e frutos em seu interior, simbolizando a generosidade da terra fértil e o sagrado feminino. Dos frutos da oliveira, as azeitonas, os homens aprenderam a extrair o azeite, empregado como unguento, combustível e na alimentação, e a árvore, por sua utilidade e longevidade, tornou-se venerada por diversos povos. Esses dois símbolos que a deusa Concórdia traz em suas mãos, têm relevância para todos os relacionamentos, e a maturidade, que é menos idade biológica e mais sabedoria, os enlaça e os faz duradouros, quando não eternos.
            A deusa Concórdia simboliza o princípio do relacionamento harmônico e é a própria concepção do entendimento e da reconciliação entre as pessoas. De acordo com Mirella Faur, em seu livro “O Anuário da Grande Mãe”, a 16 de janeiro era celebrado em Roma o Festival de Concórdia e no dia 29 de janeiro, em honra a essa deusa, as casas eram purificadas e os relacionamentos familiares harmonizados. Em 22 de fevereiro, no Festival dedicado à Concórdia, conhecida também como Caristia, as famílias festejavam a resolução de conflitos com banquetes, música e troca de presentes, e no dia 1º de abril, em celebrações greco-romanas com a participação apenas de mulheres, se invocavam as bênçãos das deusas Fortuna, Virilis e Concórdia para ter sorte no amor, melhorar a relação com os homens e garantir a harmonia nas famílias.
            O primeiro plenilúnio de 2014 exatamente no dia de Concórdia não poderia ser mais apropriado para que, ao reverenciarmos essa deusa, façamos uma avaliação de nossos relacionamentos familiares, profissionais, amorosos, os que se circunscrevem ao âmbito das amizades, na vizinhança, nos diferentes grupos de convivência social ou sagrada de que participamos, e do curso de nossa integração à grande irmandade universal.
            Quando se trata de avaliar o estado das relações humanas tendemos a apontar o dedo na direção das outras pessoas, responsabilizando-as pelos desencontros e desacertos e, em defesa própria, nos isentamos de qualquer contribuição para os desentendimentos que ocorrem. Entretanto, relacionamentos se constroem em uma via em que trafegam duas vontades, nem sempre na mesma direção, mas ainda assim, havendo disposição ao diálogo, o consenso atende os interesses de ambos para continuarem juntos na caminhada, convergindo as diferenças para a verdadeira unidade.
            O equilíbrio de uma relação se dá pela conjugação de esforços de acertar, não de ter razão. O entendimento acontece se não há exaltação de egos, um querendo sobrepujar o outro. Para se alcançar a harmonia há que se prescindir da vaidade, que exalta acontecimentos sem significância, amplia pequenas divergências e valoriza sobremaneira aborrecimentos que poderiam ser contornados e relevados. A ânsia de vencer precisa dar lugar à conciliação, e isso é permitir que a deusa Concórdia traga seus atributos para os nossos relacionamentos, convertendo-os no que a presença divina enseja: paz e harmonia, indispensáveis à felicidade.      
            Não adianta invocar os predicados da deusa Concórdia para harmonizar os nossos relacionamentos sem que a nossa humanidade se recolha para dar lugar às características da espiritualidade que habita em nós e, assim, poderem fluir a comprensão e o bom entendimento. É de pouco proveito, igualmente, que tentemos modificar alguém que não a nós mesmos. Sejamos os primeiros a mudar, antes de desejarmos que as outras pessoas deixem de ser como são. Sejamos quem primeiro estende a mão em busca do restabelecimento da ordem e do comum acordo para o bem de todos e para o bem do Todo. Não esperemos que um se renda para que o outro se considere vencedor do embate. Não há luta onde há cordialidade, acolhimento, gentileza. Não há vencedores nem vencidos quando o que queremos é o bem comum, que atenda os interesses e as necessidades de todos. Não há logro de vantagens se o objetivo é meramente derrotar alguém em suas opiniões, desejos, anseios, modo de ser.
            Sejamos o humilde que propõe a paz e se submete, antes de todos, ao abraço de união, ao perdão e ao amor que não guarda rancores nem ressentimentos. Não tenhamos pudor em amar e perdoar sempre que alguém esbarrar em suas dores, em seus medos e em tormentos interiores que o fazem desviar-se da temperança, da generosidade, da ternura. As pessoas a quem mais profundamente amamos servem de instrumento para avaliar e medir a nossa capacidade de amar, e nos trazem a noção da importância de desculpar, entender, deixar passar sem novas explicações e renovadas promessas. Perdoar simplesmente porque é bom, faz bem e ajuda-nos a crescer mais que o orgulho e avançar sobre a arrogância.
            Que Concórdia lance o bálsamo de Sua sagrada presença para aliviar as tensões provocadas pela falta de compreensão, pela impertinência, pelo julgamento, pelo desamor, pelo desrespeito. Não permita, Ela, que sejamos tragados pelas mágoas, ofensas e indelicadezas com que somos abatidos, a fim de evitar que nos transformemos em quem não queremos ser. Que todos os gestos sejam pacificados pelo amor universal e todas as palavras nutridas de afeição, bondade, moderação, serenidade e brandura.
            Invoquemos a deusa Concórdia para o nosso cotidiano, onde estivermos, com quem estivermos e no que fizermos, para que Ela nos favoreça com suas virtudes e enalteça as nossas qualidades para conquistar e manter relacionamentos que nos façam individual e coletivamente felizes, mostrando-nos o caminho para ascendermos sobre as falhas que impediram que algumas relações, no passado, não resultassem em progresso e sucesso. E que, doravante, ao longo de nossos dias, estejamos conscientes de que a paz, o amor e a harmonia, base dos convívios saudáveis, não dependem apenas dos outros. Tudo começa e está em nós e na forma como nos vemos, no que podemos dar, no que sabemos receber e no quanto queremos trocar.


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