sábado, 20 de novembro de 2010

Na frente do espelho (*)

Vera Pinheiro

Não é a irmã, o irmão, a filha, a mãe, a pessoa a quem a gente conta quase tudo nem o namorado. Quando se trata de imagem, o espelho é o melhor amigo da mulher. E o dinheiro, claro, pois beleza custa caro. O espelho denuncia as precariedades e as virtudes do nosso visual e dependendo do grau de intimidade e da sinceridade com que estabelecemos uma relação com ele, esse objeto pode fazer milagres pela nossa autoestima. Ou não. O espelho fala mesmo! O problema é que nem sempre queremos ouvir o que ele tem a dizer e o ignoramos. Mas quando o enfrentamos com determinação e coragem, pedindo que mostre tudo o que deve ser mostrado, aprendemos muito sobre nós e a respeito de mudanças positivas também. A propósito, quantas vezes ao dia tu te olhas no espelho?

     Amiga minha, Paula Fragale-Noble, que nesta semana completou 28 anos, acorda já na frente do espelho. Tanto é que a mãe dela e minha amiga Rita Helena, em visita que fez à filha nos Estados Unidos, observando os costumes da nova vida de Paula, comentou (com os devidos cuidados de sogra em casa de genro pela vez primeira): “Filha, você dorme maquiada?!”.
     - Dããããrrrr, mah! Até parece que você não sabe que eu acordo e me maquio!

Pois assim é. O último bocejo e a espreguiçada derradeira são na frente do espelho. Quando Nicolas Noble, com quem Paula é casada há dois anos, acorda... ela já está com a estampa feita! Mas não se importa que saia um pouquinho do batom no beijo de bom dia. Tudo certo. Nem precisava tanto, porque ela é linda e tem a juventude a seu favor, vantagem que não me assiste. Com cinco décadas e lá vai caco (neste dezembro, com 5 + 5 matematicamente vou ficar nota dez), não saio ao portão para atender o carteiro, se estiver sem maquiagem. Em caso de pressa extrema – eventual fuga dos cães ou ser chamada para acudir vizinha que passa mal – cubro-me com um véu, e isso será menos assustador do que a tragicômica realidade do rosto sem chapisco, emboço e reboco, antes da caiada básica diária. Não dá! O peso e estrago do tempo são implacáveis!

Bem, admito um pouco de exagero nisso. Há, sim, dias em que saio só com um creme que proteja a minha linda pele dos efeitos danosos dos raios solares. Nesse caso, torço fervorosamente para encontrar apenas pessoas que não me conheçam e não cruzar com nenhum ex alguma coisa ou inimigo figadal. Se encontrar amiga ou antiga colega espero que ela esteja sem os óculos e não me veja, e que eu não atravesse o caminho de quem está no passado nem de quem representa uma mínima possibilidade de relacionamento futuro. Como medida preventiva contra encontros inesperados em situação de cara lavada, levo um chapéu de apara-castigo, de abas grandes e caídas, para cobrir a cabeça e metade do rosto, sem esquecer da pose de estrela que ralou muito para ficar conhecida e depois impõe a si mesma um misterioso recolhimento e anonimato.

     Se sair atrasada de casa, carrego o kit beleza, que tem de tudo um pouco. Enfio óculos escuros na cara e não tiro até que esteja confinada e a sós para fazer a maquiagem. Se por qualquer razão não puder me maquiar, prefiro usar uma burka! Produtos de beleza – cremes hidratantes, um para cada pequenina área do corpo, milimetricamente subdivido, maquiagem mais perfumes (no plural) – são produtos de primeiríssima necessidade. São a minha cesta básica, não posso ficar sem! Pago uma espécie de dízimo para a minha porção Barbie, que adora se enfeitar e viver, digamos assim, a parte cor de rosa da existência, contrabalançando com o lado rude, solitário e amargo, que também existe. Em caso de choro, compulsivo ou não, sigo o conselho de outra amiga, Adriana Carvalho: chorar na frente do espelho. É riso na certa, comprovei. Não há motivo que resista! Assim, duas coisas estão na lista do que não faço diante de espectadores: andar sem maquiagem e chorar. Fico muito feia. Fico, porque não sou!
    
     E se há um tanto de invencionice nisso, uma verdade é irretocável como a primeira hora de uma maquiagem bem feita: quando estamos felizes, a vida nos enfeita e embeleza de tal modo que sequer importa se usamos batom ou não. Vai do gosto de cada uma. Eu gosto de ser mulher com tudo o que isso representa, do universo da aparência cheia de detalhes, potinhos e pincéis a essa alma de inquietudes, sonhos, desejos, buscas e realizações. E de espelhos, sempre.


(*) Crônica publicada na edição de 20 e 21 de novembro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

2 comentários:

  1. Vera, essa ficou ótima. Mah comentou comigo sobre o seu blog mas por causa do trabalho nao tenho tido tempo de entrar toda vez e às vezes entro mas não comento.

    Não pude deixar de comentar desta vez! :D

    Uma honra! Muito obrigada!

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  2. Adquiri novos hábitos depois da minha visita a minha filha Paula. Não saio mais de casa sem maquiagem. Como você falou, o espelho não perdoa a idade, por isso temos que dar uma mãozinha para não levar um susto diante dele.

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