sábado, 2 de outubro de 2010

A arte da paquera (*)

Vera Pinheiro


No meu tempo (a expressão sempre faz com que eu me sinta mais velha…) era paquera, depois virou azaração. De qualquer forma, é gavionar. Buscar a aproximação, o namoro, a aventura amorosa, que seja. Paquerar é uma arte feita de sutilezas. A mim lembra o ritual dos bichos, que se mostram e se aproximam devagar, experimentando o cheiro, o toque, antes da investida. Paquerar é uma delícia! Em qualquer idade, é bom que se diga, e em todos os lugares – ou quase.

Olhar e ser olhado é uma espécie de atestado de que gozamos de boa saúde visual. A gente sabe se está bem no retrato quanto mais se é paquerada(o) por onde anda, mesmo que depois vá para casa sozinha(o). Mas aí é uma questão de escolha, se a gente quer ou não levar adiante a história.

Paquerar no supermercado é a coisa mais insuspeita e também muito gostosa. Os homens se sentem heróis quando nos alcançam latinhas que estão no último andar da prateleira, justamente o lugar de apelo para quem quer paquerar. Basta pedir: “Por favor, me alcança?”. (A latinha! E ele, junto). Dali para a conversa sobre preços, onde está tal produto, qual a melhor marca (a gente faz que não sabe) é um pulo curto! Pode acabar numa troca de telefones ou com um suquinho na lancheria, ali mesmo. Está feito!

A sessão de temperos faz milagres por uma relação nova! É bom aquele ar de dúvida sobre a escolha do tipo de pimenta, se gosta da Chilli, da Caiena, da Malagueta ou se tudo o que conhece é a Pimenta do Reino mesmo. Pode ser um bom lugar para paquera, mesmo para quem não sabe o que é páprica, açafrão, alcaparras, curry, estragão, tomilho. Mesmo não tendo noção do que serve para quê. Pergunta! Homem que circula nesse setor geralmente é bom de cozinha. No resto se vê depois. Não leva muito e a gente sai dali com o e-mail, no mínimo, para trocar receitas exóticas, que se vai copiar da internet e assinar embaixo. Se a conversa não render, leva a cebolinha, o alho e a salsinha, que, às vezes, é tudo o que se conhece e sabe usar nas panelas. E bom apetite! Inclusive para viver!

Um dos melhores setores de paquera no supermercado é o das bebidas. Há duas possibilidades. Primeira: a gente vai ali onde está o “paquerável”, pega a garrafa de vinho (a que melhor se presta a comentários) com precisão de quem sabe (já leu tudo sobre vinhos, a essa altura), examina o rótulo (tem de fazer isso!) e escolhe a garrafa sem titubear, que impressiona. Puxa conversa: esse vinho é de excelente procedência! Mas deve saber se isso é verdade. Começa o diálogo.

Ou, segunda, faz tipo “não sei, me ajuda?”. Basta pedir a opinião com aquele ar condoído, de quem suplica auxílio numa missão tão árdua como escolher um vinho. Em seguida, terá um homem prestativo dando lições sobre variedade de uvas, ciclo de vida das videiras, definindo exatamente o sabor de um “encorpado” e estabelecendo com a mais absoluta clareza a diferença de paladar entre um tinto e um branco, além dos espumantes, de modo que a gente sai dali sabendo até quais são as melhores regiões vinícolas do mundo e, se facilitar, a quantas anda o mercado de exportações. Às vezes, o cara é um chato, mas valeu a informação que, aliás, eles adoram dar! Sozinha, mas bem informada. Já é alguma coisa. Pode acontecer de pedir opinião e obter como resposta um “não sei”. O revide: “Nem eu”. Geralmente, acaba em riso e daí para a conversa é um nada. Pronto.

            Supermercados, postos de gasolina, ferragens, lojas de material de construção, concessionárias de carros, eletropeças, farmácias, padarias, restaurantes self service, filas de bancos e, claro, fila para votar em dia de eleição – aproveita a ocasião! – são ótimas opções para sediar o início de uma história. Quem quer paquerar procura onde o interesse está. É curioso como algumas mulheres se queixam de que não paqueram por não acharem alguém. Ora, como fazer se não vão a lugares onde pessoas circulam – e não é a boate ou o boteco, acreditem! Podem até ser, mas são os locais mais improváveis de se achar alguém bom mesmo. Os melhores homens estão nos lugares comuns, onde a vida circula sem programação.

Há mil maneiras de exercitar a deliciosa forma de aproximação. A paquera é apenas uma delas. Todos os mil jeitos são movidos por um único começo: a vontade! Vontade de conhecer, de falar com outras pessoas, de abrir o coração, de se dar nova oportunidade de ser feliz. Vamos paquerar, pois! Inventa o teu jeito enquanto eu aprimoro o meu.

(*) Crônica publicada na edição de 2 e 3 de outubro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

2 comentários:

  1. Eu concordo com você. Quem quer paquerar tem que frequentar lugares diferentes de boates e botecos.

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  2. Eu te agradeço pelo reforço, querida. A menos que se queira um tipo chegado à boemia e a copos de drinks, boate e boteco não rendem.
    Beijos!

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