Vera Pinheiro
A belíssima
Oxum é definida pela escritora Mirella Faur, em sua obra “O Anuário da Grande Mãe”, como a
Deusa Ioruba das águas doces, das fontes e dos rios, da beleza e do amor, da
sexualidade e da sensualidade, da riqueza e da arte. “Oxum é, também, a guardiã da geração,
gestação e maternidade, além de promover a ligação entre as mulheres”, segundo
a autora. O reino de Oxum está na natureza: nos rios, nas fontes
e nas cachoeiras. Seus dias de culto são os sábados e o 8 de dezembro. Nessa
data a Nigéria faz a celebração Ibó Osun, festejando Oxum. Além da África, é
cultuada no Brasil, no candomblé e na umbanda e em Cuba e no Haiti, na
santeria, onde é chamada Erzulie ou Freda.
Grafada
como Oshun, é a divindade principal da região africana dos Oshogbó, e no dia a
Ela consagrado recebe oferendas de “mulukun” (feijão fradinho com cebola e
camarão), “adun” (farinha de milho com azeite e mel) e objetos de cobre e
latão, principalmente joias. Suas insígnias são as pulseiras e os colares
dourados, o leque e o espelho, além dos seixos brancos de rio.
“O
Livro das Deusas” (edição PubliFolha) narra um mito dos iorubas, segundo o
qual, quando o mundo dos deuses e dos humanos foi separado, os orixás sentiam
saudade de suas andanças pela Terra. Oxum, que gostava de dividir seus encantos
com as mulheres, preparou-as, a pedido de Olorum, o Senhor Supremo, para
receber os deuses em seus próprios corpos, unindo novamente Céu e Terra. Para
isso, a Deusa banhou as sacerdotisas, raspou suas cabeças, pintou seus corpos,
vestiu-as com os mais belos panos e cobriu-as de joias e coroas.
Ainda
de acordo com essa publicação, Oxum traz à consciência a beleza original e
única de cada ser humano. Obstinada, alcança o que busca e sabe demonstrar seu valor,
representado pelo ouro e pelo cobre. Adora colares, pulserias e leques, e está
sempre se admirando num espelho. Sua flor favorita é o lírio da cachoeira, suas
cores, o amarelo e o dourado.
Oxum
é um Orixá feminino conhecido por sua delicadeza e sua imagem é quase sempre
associada à maternidade, sendo comum ser invocada com a expressão “Mamãe Oxum”.
É essencialmente o Orixá das mulheres, presidindo a menstruação, a gravidez e o
parto. Desempenha importante função nos ritos de iniciação da gestação e do
nascimento. Orixá da maternidade, ama as crianças, protege a vida e tem funções
de cura. Fecundidade e
fertilidade são abundância e fartura e, num sentido mais amplo, a fertilidade
irá atuar no campo das ideias, despertando a criatividade do ser humano, que
possibilitará o seu desenvolvimento. Oxum é o orixá da riqueza, dona do ouro,
fruto das entranhas da terra.
No
sincretismo religioso é associada a Nossa Senhora da Conceição, cuja festa é
comemorada no dia 8 de dezembro. Em outros estados brasileiros tem ligação com
Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Glória ou
Nossa Senhora das Graças. No Tarô pode ser
comparada ao Arcano XVIII, a lua, pois é encantadora e sedutora. É a
profundidade da alma, emergindo das águas do inconsciente para a luz da
compreensão íntima.
O francês
Pierre Verger, pesquisador da religião africana, definiu as filhas de Oxum da
seguinte maneira: “O arquétipo de Oxum é das mulheres graciosas e elegantes,
com paixão por jóias, perfumes e vestimentas caras. Das mulheres que são
símbolo do charme e da beleza. Voluptuosas e sensuais, porém mais reservadas
que as de Iansã. Elas evitam chocar a opinião pública, à qual dão muita
importância. Sob sua aparência graciosa e sedutora, escondem uma vontade muito
forte e um grande desejo de ascensão social”.
É
preciso tato ao criticar uma filha de Oxum, pois se magoa com facilidade. Na
hora da mágoa se isola, deprime-se, reclama da vida, chora bastante, mas de
repente enxuga as lágrimas e começa a fazer alguma coisa, esquecendo-se de seus
desgostos. Os seus aspectos negativos são a autopiedade e o orgulho que, quando
ferido, pode desequilibrar sua vida. A filha de Oxum recebe de seu Orixá
regente dons preciosos que a tornam mãe, esposa e amante adoradas. Envolvente,
delicada e feminina, quase tímida ao se apaixonar, gosta de ser elogiada e de
ouvir declarações de amor de seu par, pois é insegura. Suas preocupações a
afetam bastante e medos
a deprimem. Tem, ainda, mania de se comparar com outras pessoas.
Nada
poderia ser mais Oxum do que a saudável vaidade feminina, que tem no espelho um
aliado e na autoestima, seu fundamento. Ninguém mais Oxum do que a mulher, que
encontra nesta Deusa o seu reflexo e nEla se vê ao chorar rios de aflição e
desalento, e quando se enxerga na totalidade de seu esplendor feminino, batendo
pulseiras, abanando leques, perfumando o ar com seu aroma e colhendo flores
para se enfeitar, saudando a si mesma por ser exatamente quem é. Oxum sintetiza
a resplandescência da mulher em sua beleza e brilho. Oxum é a fulgência do ser
mulher com a consciência de ser Deusa, e é a Deusa mulher em essência, a
perfeita conjunção entre o sagrado e o profano, de mãos dadas e sem oposição.
Senhora
das Águas, Deusa das cachoeiras e cascatas, Oxum nos ensina a fluir em harmonia
com as nossas águas internas, seja pelo sangue que corre nas veias, pelo
virtuoso fluxo menstrual ou nas lágrimas que vertem com facilidade pela emoção.
E é a Mamãe Oxum quem lava o coração de suas dores, enxuga o nosso pranto e o
recolhe para as águas dos rios, aliviando os sentimentos e trazendo de novo a
alegria. Ela traz proteção e bênçãos para nos valer nas horas de necessidade,
em que apelamos por seu auxílio. Sempre que choramos, Oxum chora conosco para
aliviar os infortúnios que se apresentam, e depois os carrega.
O
ouro das joias e pulseiras de Oxum nos remete à riqueza e à prosperidade, e Ela
jorra fartura em nossas vidas quando nos amadrinha nos desejos materiais. Oxum gosta
de compartilhar seus tesouros a quem a agrada depositando-lhe fé e confiança.
Oxum
é amor e vem abençoar as nossas relações. Ela traz seus lírios da beira do rio
para perfumar a vida dos que se amam, dançando o rito do amor compartido com
felicidade. É a Rainha do Amor na luz dourada, como diz um dos pontos (cantos)
a Ela dedicados! Rainha das Águas Claras, venha nos valer!
Quando
nos cobrimos com as vestes de Oxum, reluzindo e vibrando a cor amarela e o
dourado, encontramos o ápice da nossa sensualidade e aprendemos a revelar e a
ocultar o corpo com sabedoria. Essa Deusa, quando invocada, mostra o que deve
ser mostrado e resguarda para o devido tempo o que ainda não está preparado
para ser compreendido. Leva nas águas dos rios os segredos a Ela confidenciados
e as tristezas que mais foram choradas, as dores encobertas e as mágoas que não
foram consoladas.
O rio de Oxum, com suas cascatas, passa nas pedreiras regidas
por Xangô, e passa nas matas protegidas por Oxóssi, “deus caçador,
senhor da floresta, e de todos os seres que nela habitam, orixá da fartura e da
riqueza”, conforme Inês de Souza, de longa trajetória na linha de Umbanda. Oxum
nos oferta a força e a beleza da natureza quando Ela passeia no clarão da lua
que se reflete nas águas, na luz que emana do bailado das cachoeiras, no
exercício de nossa sexualidade, no ar que se movimenta pelo balançar de seu
leque, que espanta amarguras. Quando nos banhamos com Ela na beira de um rio,
entregamos a essa Deusa tão bela quanto poderosa todas as mazelas e padecimentos,
que Ela cura com extremo amor.
Na gira
dos Orixás, Oxum traz uma mensagem de paz para as nossas vidas, para que
desfrutemos dos seus atributos com alegria e gratidão, reconhecendo as dádivas
de ser mulher e a capacidade de estar bem com a pessoa que se é e que podemos
vislumbrar no espelho todos os dias. E o que é um espelho senão o rio que
encontra o mar nas águas de Oxum? A imagem reflete parte do todo que cada
mulher é.
Essa
magnífica Deusa Menina nos inspira um olhar mais amoroso para o nosso espelho.
Contemplemo-nos com amor e reverência, que as cascatas de Oxum nos banharão em
resplendor. Admiremos a beleza e radiância que o espelho nos mostra todos os
dias, e se tivermos alguma dificuldade em encontrar esse fulgor, basta convidar
Oxum para caminhar conosco ao encontro de quem somos.
Na palavra de Mirella
Faur, “quem procura a verdadeira
beleza encontra a força do maior dom de Oxum, o significado amplo do amor: por
si, pela Deusa e pelo Todo!”. Para que uma mulher se veja como bela,
sensual e atraente, ela precisa se olhar no próprio espelho para admitir e
reconhecer sua beleza. Nem todos os elogios alheios podem fazer mais do que uma
palavra da própria mulher no sentido de sua aprovação pessoal. É a mulher quem
concede a si o certificado de beleza, os outros apenas o validam. Isso é Oxum,
Deusa Mulher em cada uma de nós. Que Ela ilumine o nosso terreiro interior e
venha nos abençoar e proteger! Ora
yê yê, Mamãe Oxum! Salve a
senhora dos rios!
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