segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Oxum, Deusa Mulher

Vera Pinheiro
            A belíssima Oxum é definida pela escritora Mirella Faur, em sua obra “O Anuário da Grande Mãe”, como a Deusa Ioruba das águas doces, das fontes e dos rios, da beleza e do amor, da sexualidade e da sensualidade, da riqueza e da arte.  “Oxum é, também, a guardiã da geração, gestação e maternidade, além de promover a ligação entre as mulheres”, segundo a autora. O reino de Oxum está na natureza: nos rios, nas fontes e nas cachoeiras. Seus dias de culto são os sábados e o 8 de dezembro. Nessa data a Nigéria faz a celebração Ibó Osun, festejando Oxum. Além da África, é cultuada no Brasil, no candomblé e na umbanda e em Cuba e no Haiti, na santeria, onde é chamada Erzulie ou Freda.
            Grafada como Oshun, é a divindade principal da região africana dos Oshogbó, e no dia a Ela consagrado recebe oferendas de “mulukun” (feijão fradinho com cebola e camarão), “adun” (farinha de milho com azeite e mel) e objetos de cobre e latão, principalmente joias. Suas insígnias são as pulseiras e os colares dourados, o leque e o espelho, além dos seixos brancos de rio.
            “O Livro das Deusas” (edição PubliFolha) narra um mito dos iorubas, segundo o qual, quando o mundo dos deuses e dos humanos foi separado, os orixás sentiam saudade de suas andanças pela Terra. Oxum, que gostava de dividir seus encantos com as mulheres, preparou-as, a pedido de Olorum, o Senhor Supremo, para receber os deuses em seus próprios corpos, unindo novamente Céu e Terra. Para isso, a Deusa banhou as sacerdotisas, raspou suas cabeças, pintou seus corpos, vestiu-as com os mais belos panos e cobriu-as de joias e coroas.
            Ainda de acordo com essa publicação, Oxum traz à consciência a beleza original e única de cada ser humano. Obstinada, alcança o que busca e sabe demonstrar seu valor, representado pelo ouro e pelo cobre. Adora colares, pulserias e leques, e está sempre se admirando num espelho. Sua flor favorita é o lírio da cachoeira, suas cores, o amarelo e o dourado.
Oxum é um Orixá feminino conhecido por sua delicadeza e sua imagem é quase sempre associada à maternidade, sendo comum ser invocada com a expressão “Mamãe Oxum”. É essencialmente o Orixá das mulheres, presidindo a menstruação, a gravidez e o parto. Desempenha importante função nos ritos de iniciação da gestação e do nascimento. Orixá da maternidade, ama as crianças, protege a vida e tem funções de cura. Fecundidade e fertilidade são abundância e fartura e, num sentido mais amplo, a fertilidade irá atuar no campo das ideias, despertando a criatividade do ser humano, que possibilitará o seu desenvolvimento. Oxum é o orixá da riqueza, dona do ouro, fruto das entranhas da terra.
            No sincretismo religioso é associada a Nossa Senhora da Conceição, cuja festa é comemorada no dia 8 de dezembro. Em outros estados brasileiros tem ligação com Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Glória ou Nossa Senhora das Graças. No Tarô pode ser comparada ao Arcano XVIII, a lua, pois é encantadora e sedutora. É a profundidade da alma, emergindo das águas do inconsciente para a luz da compreensão íntima. 
            O francês Pierre Verger, pesquisador da religião africana, definiu as filhas de Oxum da seguinte maneira: “O arquétipo de Oxum é das mulheres graciosas e elegantes, com paixão por jóias, perfumes e vestimentas caras. Das mulheres que são símbolo do charme e da beleza. Voluptuosas e sensuais, porém mais reservadas que as de Iansã. Elas evitam chocar a opinião pública, à qual dão muita importância. Sob sua aparência graciosa e sedutora, escondem uma vontade muito forte e um grande desejo de ascensão social”. 
            É preciso tato ao criticar uma filha de Oxum, pois se magoa com facilidade. Na hora da mágoa se isola, deprime-se, reclama da vida, chora bastante, mas de repente enxuga as lágrimas e começa a fazer alguma coisa, esquecendo-se de seus desgostos. Os seus aspectos negativos são a autopiedade e o orgulho que, quando ferido, pode desequilibrar sua vida. A filha de Oxum recebe de seu Orixá regente dons preciosos que a tornam mãe, esposa e amante adoradas. Envolvente, delicada e feminina, quase tímida ao se apaixonar, gosta de ser elogiada e de ouvir declarações de amor de seu par, pois é insegura. Suas preocupações a afetam bastante e medos
a deprimem. Tem, ainda, mania de se comparar com outras pessoas.
            Nada poderia ser mais Oxum do que a saudável vaidade feminina, que tem no espelho um aliado e na autoestima, seu fundamento. Ninguém mais Oxum do que a mulher, que encontra nesta Deusa o seu reflexo e nEla se vê ao chorar rios de aflição e desalento, e quando se enxerga na totalidade de seu esplendor feminino, batendo pulseiras, abanando leques, perfumando o ar com seu aroma e colhendo flores para se enfeitar, saudando a si mesma por ser exatamente quem é. Oxum sintetiza a resplandescência da mulher em sua beleza e brilho. Oxum é a fulgência do ser mulher com a consciência de ser Deusa, e é a Deusa mulher em essência, a perfeita conjunção entre o sagrado e o profano, de mãos dadas e sem oposição.
            Senhora das Águas, Deusa das cachoeiras e cascatas, Oxum nos ensina a fluir em harmonia com as nossas águas internas, seja pelo sangue que corre nas veias, pelo virtuoso fluxo menstrual ou nas lágrimas que vertem com facilidade pela emoção. E é a Mamãe Oxum quem lava o coração de suas dores, enxuga o nosso pranto e o recolhe para as águas dos rios, aliviando os sentimentos e trazendo de novo a alegria. Ela traz proteção e bênçãos para nos valer nas horas de necessidade, em que apelamos por seu auxílio. Sempre que choramos, Oxum chora conosco para aliviar os infortúnios que se apresentam, e depois os carrega.
            O ouro das joias e pulseiras de Oxum nos remete à riqueza e à prosperidade, e Ela jorra fartura em nossas vidas quando nos amadrinha nos desejos materiais. Oxum gosta de compartilhar seus tesouros a quem a agrada depositando-lhe fé e confiança.
            Oxum é amor e vem abençoar as nossas relações. Ela traz seus lírios da beira do rio para perfumar a vida dos que se amam, dançando o rito do amor compartido com felicidade. É a Rainha do Amor na luz dourada, como diz um dos pontos (cantos) a Ela dedicados! Rainha das Águas Claras, venha nos valer!
            Quando nos cobrimos com as vestes de Oxum, reluzindo e vibrando a cor amarela e o dourado, encontramos o ápice da nossa sensualidade e aprendemos a revelar e a ocultar o corpo com sabedoria. Essa Deusa, quando invocada, mostra o que deve ser mostrado e resguarda para o devido tempo o que ainda não está preparado para ser compreendido. Leva nas águas dos rios os segredos a Ela confidenciados e as tristezas que mais foram choradas, as dores encobertas e as mágoas que não foram consoladas.
             O rio de Oxum, com suas cascatas, passa nas pedreiras regidas por Xangô, e passa nas matas protegidas por Oxóssi, “deus caçador, senhor da floresta, e de todos os seres que nela habitam, orixá da fartura e da riqueza”, conforme Inês de Souza, de longa trajetória na linha de Umbanda. Oxum nos oferta a força e a beleza da natureza quando Ela passeia no clarão da lua que se reflete nas águas, na luz que emana do bailado das cachoeiras, no exercício de nossa sexualidade, no ar que se movimenta pelo balançar de seu leque, que espanta amarguras. Quando nos banhamos com Ela na beira de um rio, entregamos a essa Deusa tão bela quanto poderosa todas as mazelas e padecimentos, que Ela cura com extremo amor.
            Na gira dos Orixás, Oxum traz uma mensagem de paz para as nossas vidas, para que desfrutemos dos seus atributos com alegria e gratidão, reconhecendo as dádivas de ser mulher e a capacidade de estar bem com a pessoa que se é e que podemos vislumbrar no espelho todos os dias. E o que é um espelho senão o rio que encontra o mar nas águas de Oxum? A imagem reflete parte do todo que cada mulher é.
            Essa magnífica Deusa Menina nos inspira um olhar mais amoroso para o nosso espelho. Contemplemo-nos com amor e reverência, que as cascatas de Oxum nos banharão em resplendor. Admiremos a beleza e radiância que o espelho nos mostra todos os dias, e se tivermos alguma dificuldade em encontrar esse fulgor, basta convidar Oxum para caminhar conosco ao encontro de quem somos.
Na palavra de Mirella Faur, “quem procura a verdadeira beleza encontra a força do maior dom de Oxum, o significado amplo do amor: por si, pela Deusa e pelo Todo!”. Para que uma mulher se veja como bela, sensual e atraente, ela precisa se olhar no próprio espelho para admitir e reconhecer sua beleza. Nem todos os elogios alheios podem fazer mais do que uma palavra da própria mulher no sentido de sua aprovação pessoal. É a mulher quem concede a si o certificado de beleza, os outros apenas o validam. Isso é Oxum, Deusa Mulher em cada uma de nós. Que Ela ilumine o nosso terreiro interior e venha nos abençoar e proteger! Ora yê yê, Mamãe Oxum! Salve a senhora dos rios!

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