Vera Pinheiro
Buona Befana!
La
Befana vien di notte
Con
le scarpe tutte rotte
Col vestito alla romana
Viva! Viva La Befana!
A deusa italiana
e etrusca Befana, chamada de Marantega (Mãe Antiga) era celebrada no final dos
Doze Dias, intervalo entre as celebrações antigas do solstício de Inverno (Sabbat
Celta Yule) e a data que corresponde à atual festa cristã da Epifânia.
No calendário celta, esta noite chama-se “A Décima Segunda Noite” e
assinala o fim dos festejos de Natal (Yule) e o início das atividades
interrompidas durante as festividades. O período de doze dias entre o Natal e a
Epifânia era, antigamente, um tempo de repouso e alegrias. Segundo a tradição,
as decorações de Natal devem ser retiradas e guardadas no dia 5 de janeiro. Os
povos antigos, nesta data, abençoavam a terra e as casas, oferecendo sidra e
bolos às árvores frutíferas para atrair a prosperidade das colheitas. Nesse intervalo, relata Mirella
Faur, as Mães Antigas ensinavam à humanidade os segredos da agricultura e das
artes domésticas: fiar, tecer, bordar, cuidar e educar as crianças, manter
vivas as tradições ancestrais e os antigos ritos sagrados. “Elas recebiam
oferendas de pão, mel, leite e tranças de pão para substituir as oferendas feitas
pelas mulheres com seu próprio cabelo, do qual se guardava uma parte para ser
usada em curas ao longo do ano, sempre que necessário”.
Na Sicília, a memória de Befana permanece
na figura e nos costumes de La Strega ou La Vecchia (bruxa, velha), a Anciã de
outrora, que até hoje deixa presentes para as crianças boazinhas ou uma varinha
e pedaços de carvão para as desobedientes, na véspera de Epifânia (6 de
janeiro), vindo das montanhas cavalgando uma vassoura e descendo pela chaminé. Ela usava sua vassoura para varrer
as energias negativas que se acumulavam ao longo dos dias e tinha um bode no
qual montava para presentear com doçura e carinho as casas dignas de sua
visita. Então, diz a lenda, era costume ouvir pelas ruas o som do sino que o
bode de Befana trazia no pescoço. Era sinal de que casa poderia ser ou não
abençoada e todos aguardavam muito por isso. Era o respeito para com sua
sabedoria, sua arte, sua história.
Um
costume antigo era pendurar ervas nas portas para que essa deusa abençoasse. Se
a erva permanecesse verde e brilhante após a passagem de Befana, a casa teria
fartura, felicidade, prosperidade e fertilidade. Mas se a erva secasse, o frio
seria longo e seria preciso meditar sobre os passos e as direções a serem
seguidas. Não havia punição, mas um aviso de que era preciso mais dedicação às
coisas realmente importantes.
A origem dessa tradição é incerta e
há várias versões sobre o seu surgimento, as mais comuns remontam ao período
arcaico e fundem elementos do folclore e da tradição cristã. Uma delas dá conta
de que Befana foi uma velhinha que auxiliou os três reis magos a encontrarem
Jesus quando ele nasceu.
Além do mito de que
seu nome provém da celebração da Epifania, há também sugestões de que Befana deriva da deusa pagã sabina/romana
denominada Strina, que patrocinava os presentes de ano novo,
"Strenae", da qual, de fato, provém o seu nome. Os presentes de
Strina eram do mesmo tipo dos de Befana - figos, tâmaras e mel. De seu nome derivam palavras como a
latina strix (coruja - animal relacionado à noite, à magia, à
sabedoria e aos mistérios), e a italiana strega (bruxa). Talvez
daí a ideia de representar Befana como bruxa. De acordo com os mitos desses
povos, a deusa Strina era uma deusa anciã, uma velha sábia celebrada ao fim das
festividades do solstício de inverno, que durava cerca de doze dias e marcava o
auge do inverno - e o consequente retorno do sol, da luz do mundo. Strina
trazia presentes para as pessoas: o retorno da vida e da luz na terra. Ela
deixava frutas secas e pães nas casas como presentes que simbolizavam o
fechamento do ciclo anterior e um recomeço, com nova vida e novas esperanças.
A festa da Befana pode derivar de antigos elementos folclóricos
pré-cristãos, adotados e adaptados pela tradição cristã. A origem desta figura
provavelmente se pode vincular com tradições agrárias pagãs relacionadas com o
começo do ano. Befana é
celebrada em toda a Itália, onde é um ícone nacional, mas a comuna de Urbania é
considerada sua “casa” oficial. Todo ano há um grande festival para celebrar o
feriado, e as pessoas se reúnem para celebrar a data. A passagem de Befana é uma
das tradições pagãs que mais divertem as crianças italianas, que
escrevem cartas para Befana e costumam deixar meias e saquinhos pendurados para
receber chocolates, caramelos e brinquedos, mas estabelecendo com Ela uma
relação de amor e medo.
Semelhante
à passagem de Nicolau para os criatãos europeus e à passagem dos Reis Magos
trazendo presentes no dia 6 de Janeiro, o folclore popular diz que Befana
visita todas as crianças da Itália na noite de 5 para 6 de janeiro, para encher
de caramelos as meias das que se comportaram-se bem, ou com pedaços de carvão -
ou
“carbones”, uma representação de carvão em forma de doce – para as que não se comportaram direito. Sendo uma boa dona de
casa, diz-se que varrerá o piso antes de sair. A tradição recomenda que as
crianças da casa deixem uma garrafinha de vinho e uma porção de um prato típico
ou local para Befana.
Ela
é representada como uma velhinha de xale negro, coberta de fuligem porque entra
nas casas pela chaminé. Veste saia
rodada, muitas vezes remendada, avental com um grande bolso e exibe quase
sempre um lenço amarrado na cabeça, mas também pode usar o chapéu tradicional
de bruxa, calça chinelos velhos e surrados, e jamais lhe falta uma vassoura
para montar. Ela voa montada numa vassoura,
sempre sorri, e carrega um cesto cheio de doces e presentes (ou carvão,
dependendo do merecimento). Aliás, mesmo quem ganha coisas boas quase
sempre costuma ganhar um carvãozinho também. O carvão representa a
transformação pela qual todos nós podemos e devemos passar, para melhorar
sempre. Entre as lembrancinhas com significado “educativo”, também estão as
pedrinhas, ligadas à busca pela estabilidade e firmeza, assim como representam
a superação dos obstáculos do caminho.
Em algumas regiões da Itália, as
pessoas se vestem como Befana, com um lenço pendurado no pescoço, saia, capa,
óculos e junto com os seguidores passam pelas casas que tem uma bonequinha com
a imagem da Befana nas janelas que é uma espécie de sinal de que a deusa Befana
e seus seguidores são bem vindos àquela casa. Depois do final da
celebração de La Befana, as bonecas são queimadas como forma de simbolizar que
as coisas ruins que aconteceram no ano anterior devem ser esquecidas e que no
ano seguinte coisas boas vão acontecer.
Algumas
obras associam Befana à Hécate, enquanto desenhos do século XIX mostram La
Befana como a Deusa Mãe, sentada e cercada por frutos, grãos e outros
itens da colheita. Para reforçar essa teoria, a queima da efígie de La Befana
nas celebrações, é feita em uma fogueira de espigas de milho, gravetos e galhos
de pinheiro, empilhados. A tradição fala que se a fumaça for em direção ao
Oeste, a colheita será pobre. Se for para o Leste, será um ano de abundância.
Observa-se
uma relação entre a figura de La Befana e os espíritos ancestrais e,
assim, ela passa a representar uma ancestralidade mítica que retorna a cada
ano. Sua principal função é reafirmar a ligação entre a família e os
ancestrais, através da troca de presentes. As crianças ganham presentes que
simbolizam civilizações arcaicas, já que elas são consideradas como aquelas que
guardam e prolongam a memória da ancestralidade. Em algumas regiões, como na
Toscana, Befana é figura mascarada que guia um cortejo de crianças e
recebe ofertas das famílias que, em troca, recebem dela o presente da
prosperidade.
Quanto
às meias penduradas nas lareiras, elas não são apenas portadoras dos presentes
ou de ofertas de alimentos: ela própria - a meia - é um presente e tem função
evocativa, já que trabalhada artesanalmente com figuras míticas que são
patronos dos narradores de histórias e tecelões, próximos de Befana, tais como
Frau Holda e Bertha, que visitam as casas durante o período natalino.
Por
fim, Befana ocupa uma função pedagógica, como uma espécie de “educadora de
fora”, que lembra e pune, e tem importante papel no desenvolvimento das
crianças. A “Grande Avó” que é, acompanha as várias fases da vida da criança e
os ritos de iniciação do Ano Novo. A tradição de que La Befana chega
voando em uma vassoura testemunha sua associação às plantas e animais que na
antiguidade tinham um valor sagrado como representativas ou simulações da linha
totêmica da ancestralidade, tanto quanto eram divindades. Na mitologia, o galho
das árvores é a casa do espírito dos ancestrais, que recebeu a mágica função de
voar, que tanto poderia simbolizar a evocação quanto o distanciamento do
espírito. Estas ações eram concebidas como uma viagem, um vôo para um reino
distante.
Originalmente,
Befana é uma Deusa do Inverno, da Magia, da Noite, da Lua Minguante, da
Sabedoria, do Destino. Como Mãe Antiga é guardiã dos mistérios e das tradições
ancestrais. É a sábia, a tecelã, agente de cura e transformadora. A Anciã
conhece os caminhos entre os mundos, sendo um repositório de sabedoria
feminina, do conhecimento da mulher que não mais menstrua, mas mantém dentro de
si o seu poder. A Anciã é fonte de sabedoria e de compreensão. Ela é
conhecedora dos caminhos da magia e tece a teia cósmica, sabedora da trama
que envolve tudo, sendo esse tudo parte do todo. Ela pode ser ao
mesmo tempo bondosa e simpática como uma doce velhinha, ou a bruxa das sombras,
assustadora e cruel. Assim é Befana, que nos instiga a ir cada vez mais para o profundo
de nós, nos auxiliando a perceber e compreender o momento de mudança, o momento
de renascer.
Mirella
Faur lembra que a igreja cristã proibiu o culto e as oferendas das deusas
anciãs – consideradas bruxas nocivas e perigosas para a alma cristã – assim
como as danças nos campos para ativar a fertilidade da terra, divulgando apenas
os aspectos “demoníacos” destes costumes. Mas, na noite de 5 de janeiro, reverencie e receba Befana com
velas acesas pela casa, incenso de mirra ou olíbano. Abençoe e consagre seu espaço,
doméstico ou profissional, aspergindo água da fonte ou de chuva, acendendo um
incenso de mirra, bejoin ou olíbano, orando para seus protetores espirituais e
recitando algum mantra ou prece de proteção. Faça oferendas com pães, mel,
leite ou sidra para a Terra e peça as bênçãos de prosperidade e proteção de La
Vecchia para você e para a sua casa, agradecendo as futuras realizações e
aprendizados no novo ano. Para garantir sua situação financeira, chupe três
sementes de romã e três grãos de trigo ou arroz. Coloque-os depois em sua
carteira ou bolsa, junto com três folhas de louro e um objeto de ouro, pedindo
às deusas do destino que assegurem sua segurança material.
Ainda
de acordo com Mirella Faur, podemos perceber em todas as lendas pagãs, bem como
nos contos de fada, a presença poderosa do arquétipo da Deusa Anciã, Senhora
dos ciclos, transições e transmutações, cujos significados e atributos não eram
ignorados ou distorcidos, mas conhecidos e reverenciados com sabedoria e aceitação das leis inexoráveis da vida e da morte, seguidas de
renovação e renascimento. “Cabe a nós, mulheres seguidoras da Tradição da
Deusa, honrar e compreender as leis do eterno girar da Roda Cósmica e Telúrica
manifestadas nos inúmeros aspectos, situações e eventos da nossa trajetória
humana, vivendo plenamente e sabiamente a realidade presente e confiando na
proteção e orientação divinas”, diz a mestra. E eu assino embaixo.
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