Vera Pinheiro
Nós, mulheres, botamos ovos. Eles
são os nossos sonhos, desejos e projetos, a nossa esperança, os nossos quereres
e as vontades que alimentamos no mais profundo de nosso ser. Nós gestamos ovos
de expectativa acerca de acontecimentos futuros e projetamos neles a nossa
necessidade de ser feliz. Isso é uma aposta com a vida e suas surpresas. Vence
quem tem tenacidade, capacidade de reinventar as ambições e de administrar bem todas
as possibilidades que nos oferece a existência.
Quantas vezes choramos os ovos que
não vingaram, os que apodreceram, os que foram esquecidos em algum canto do
ninho, os subtraídos por alguém que não acompanhou o nosso gestar e não deu a
devida importância por não estar em unissonância com as nossas aspirações. Os
ovos femininos são a nossa contribuição para um mundo melhor, que renasce das
cinzas das incertezas para se tornar concreto, palpável e realizável.
Os nossos ovos acondicionam filhos
que oferecemos para a vida, sem nos prepararmos para a independência nossa e
deles. O estreito vínculo entre nós e eles permanece, não importa que idade
eles tenham nem a consciência que alcançamos de que os filhos não nos
pertencem, apesar de terem vindo de nossos úteros e planos. Sempre e para
sempre queremos nos manter em vigília sobre os nossos ovos, cuidá-los e
protegê-los das vicissitudes e dos perigos. Eles nos dispensam, mas nós nos
mantemos atreladas ao ovo como se a razão de nossa existência dependesse de
quão bem eles se norteiam na vida. Falta-nos a aceitação de que eles, os ovos
filhos, têm direito a sua independência e ao seu aprendizado, sem a nossa tutela.
Como nos é difícil o desvínculo dos ovos humanos que queríamos ter eterna e
ternamente sob as nossas asas e debaixo de nossos cuidados. Essa é uma lição de desprendimento.
No mais das vezes, cantamos ao
universo os ovos de êxitos que realizamos no mundo, mas nos recolhemos em
silêncio quando eles se transformam em lições que preferíamos não aprender, sem
nos darmos conta de que os ovos nos ensinam muito sobre quem somos e a respeito
de nossa vida atual, assim como das vidas pregressas também. Essa é uma lição de compreensão.
Os ovos que sonhamos felizes nem
sempre se tornam realidade. Conviver em harmonia com as frustrações nos dá
maturidade, mas exige de nós uma humildade que não construímos, por termos nos
forjado apenas para as vitórias e os sucessos. Afinal, é o que exigem de nós e
é o que nos exigimos sem dar trégua para impossibilidades ou limitações. Essa é
uma lição de paciência.
Os ovos que se tornam o que aspiramos
para eles nos dão a lição da gratidão, além da consciência de que tudo o que
acontece resulta de uma conjugação de fatores que vão além de nosso
entendimento. Então, nos tornamos gratos em máxima plenitude por saber que nem
tudo depende de nós. Nem mesmo quando tudo parece depender de nós. Então, aceitamos
a existência de forças além das nossas e o que é traçado pelas linhas sagradas
do universo em consonância com o nosso merecimento. Essa é uma lição de reconhecimento.
As esperanças são ovos que acalentamos
em nosso peito, jogando as esperas para um logo ali que não sabemos onde se
situa. Queremos algo que se faça em algum tempo, antes que a vida se esgote e
que as oportunidades passem. Esperança é um querer tênue, que não se debate com
as chances nem provoca o destino a fazer o que queremos. É uma pretensão que se
deita na cama do tempo, sem saber se um dia se tornará possível. Mas a alma se
alimenta de esperança, enquanto a mente não perde o viço do querer profundo. E
de esperanças a vida se nutre, pois que nada esperar é o retrato do desânimo.
Somos os nossos ovos, e cada um de nossos
ovos nos representa e define. O que queremos de nós está nos ovos que oferecemos
ao mundo, e o que o mundo nos dá tem a ver com os ovos que vieram de nossas
ações, atitudes, comportamentos. E nada é em vão ou inútil, a gente sabe. O que
produzimos (ovos, sementes ou obras) é a nossa essência revelada. E tudo o que
vai de nós, um diavolta. O que plantamos será a nossa colheita e os ovos que
botamos serão as vidas que vão desabrochar um dia, a nossa energia em formato
de realização dos nossos desejos mais profundos. Inclusive os que calamos, os
que não temos coragem de anunciar ou de admitir. Afinal, tudo é em absoluta
consonância e harmonia com quem somos, com o que queremos e com o que pensamos.
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