segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Sarasvati, Deusa da Sabedoria e da Arte

Vera Pinheiro

Sarasvati é uma jovem conhecida por sua refulgente beleza, deusa hindu da sabedoria universal, das artes e da música, e a shákti, que na religião e mitologia indianos significa, ao mesmo tempo, “poder de um deus” e “esposa”, de Brahma, o deus da criação universal. Chamado de “O Avô dos Mundos”, Brahma é a primeira pessoa da trindade hindu, descrita com quatro faces e testemunha da totalidade dos universos criados. É o deus da sabedoria, o portador do Vedas e o cônjuge de Sarasvati, deusa adorada pelos povos da Índia, Tibete, China e Japão.
Mãe dos principais sábios, de ascetas (pessoas que desdenham os prazeres da vida e renunciam às coisas terrenas) e de vários deuses do universo, Sarasvati é a protetora dos artesãos, pintores, músicos, atores, escritores e artistas em geral. Ela também protege aqueles que buscam conhecimento, os estudantes, os professores, e tudo o que está relacionado à eloquência, às artes, à literatura, sendo ainda invocada para fertilidade, procriação e purificação. Ela é o arquétipo da criatividade humana.
Sarasvati é a “Mãe da Palavra Escrita” que trouxe os caracteres do alfabeto Devanagari para a civilização sânscrita. Ela preside as artes, a música e a poesia, protege os nascimentos e as mulheres, e é a senhora do conhecimento, da fertilidade e da prosperidade. Venerada como uma deusa dos rios, ela tem o dom da eloquência e as palavras dela fluem fácil e suavemente.
No hinduísmo, Sarasvati representa a consciência, a inteligência, o conhecimento cósmico, a criatividade, a educação, a iluminação, as artes, a eloquência e o poder. Hindus adoram essa deusa não só para “conhecimento acadêmico”, mas para “conhecimento divino”, essencial para alcançar o “Moksha” que, em termos gerais, significa a libertação do ciclo do renascimento e da morte, e a iluminação espiritual.
O nome dessa deusa vem de Sarasvati Saras (que significa “fluxo”) e Wati (que significa “aquela que tem o fluxo”. Então, Sarasvati é símbolo do conhecimento. Seu fluxo (ou crescimento) é como um rio, e o conhecimento é extremamente sedutor, como uma mulher bonita. Além do nome de Sarasvati, ela também é conhecida como Sarasvati, Gayatri, Brahmani, Bharati, Vac, Vagdevi, Vagisvari, Vani, Vaani, VidhatrI, Veenapani,  Sarad, Veenapani, Sharade, Sharadha, Sharadamba, Pustaka Veena Dharini, Vaakdevi, Varadhanayagi, Vidyadayini, Kalaimagal, Kalaivaani e por muitos outros nomes.
Sarasvati é conhecida como uma deidade guardiã do Budismo, que defende os ensinamentos de Gautama Buda, oferecendo proteção e assistência aos praticantes. Buda foi um príncipe de uma região ao Sul do atual Nepal, que renunciou ao trono e se dedicou à busca da erradicação das causas do sofrimento humano e de todos os seres, e desta forma encontrou um caminho até o “despertar” ou a “iluminação”, tornando-se um mestre espiritual, fundador do Budismo.
Deusa da aprendizagem e da fala, Sarasvati é representada com quatro braços, que representam os quatro aspectos da personalidade humana no aprendizado: mente, intelecto, alerta e ego. Alternativamente, estes quatro braços representam também os quatro Vedas, os livros sagrados para os hindus primários. Vedas, por sua vez, representam as três formas de literatura: Poesia, o Rigveda contendo hinos, representando a poesia; Prosa, Yajurveda contendo prosa, e Música, Samaveda representando a música.
As quatro mãos descrevem-se assim também: a prosa é representada pelo livro na mão; a poesia, pela coroa de cristal e a música, pela Veena. O pote de água sagrada, com que às vezes é representada, significa os poderes criativos e a pureza da arte ou o seu poder de purificar o pensamento humano. Para outros estudiosos, as quatro mãos representam as quatro cabeças de Brahma.
Nas mãos do lado direito, ela segura um broto de lótus e um rosário. Nas mãos do lado esquerdo ela traz o Livro dos Vedas, com o conteúdo do conhecimento universal, divino, eterno e verdadeiro bem, como a perfeição das ciências e das escrituras. Em outras descrições, Sarasvati aparece também com um pavão, simbolizando beleza, harmonia e perfeição, mas também a arrogância e o orgulho por sua beleza. Por ter um pavão em sua representação, Sarasvati ensina a não se preocupar com a aparência externa e a ter sabedoria em relação à verdade eterna. É apresentada, ainda, sentada em um cisne, em um leão ou em um lótus que, como fundação, representa a consciência pura e a busca da luz do conhecimento.
O cisne é muitas vezes apresentado próximo aos pés dessa deusa.  Dizem que se for oferecida uma mistura de leite e água para essa ave sagrada, ela é capaz de beber apenas o leite, simbolizando, assim, a capacidade de discriminar o bem e o mal, o eterno e o efêmero. Devido à sua associação com essa ave, Sarasvati é também referida como Hamsavahini, o que significa “aquela que tem um hamsa (proteção) como seu veículo”. Ela é geralmente representada perto de um rio, que pode estar relacionado à sua história inicial como uma deusa do rio.
Pode ser vista portando uma Rudraksha de diamantes e segurando os livros Védicos. Rudraksha é o nome dado a uma terapia na cultura hindu, existente há vários séculos e considerada sagrada e milagrosa. Seu nome vem das sementes oriundas da árvore da espécie Elaeocarpus ganitrus, encontrada na Índia, no Nepal, no Tibete, na Indonésia e na Malásia.
Segura uma seta, uma concha, uma Sitar ou Veena, instrumento musical indiano de cordas, que é uma expressão da sabedoria que cria harmonia no mundo e a representação da perfeição de todas as artes e ciências. Sarasvati é também associada com anuraga, o amor e ritmo da música, que representa todas as emoções e sentimentos expressos em palavras ou música.
Historiadores acreditam que a Sitar originou-se da Veena, um instrumento de cordas muito popular na Índia antiga, tocada pela deusa indiana da música e da aprendizagem, Sarasvati. Ao norte da Índia, a Veena é considerada uma Cítara, porém tecnicamente, Cítara e Sitar são de famílias diferentes. A Deusa tocando Sitar significa harmonia de todas as sequências mentais, ações e atitudes.
Ainda que retratada de diferentes maneiras, a imagem dessa deusa é sempre associada à cor branca, a começar por sua pele, alva como leite, expressando a pureza do verdadeiro conhecimento, a beleza da lua cheia, conhecimento, refinamento, memória e inteligência. A deusa adornada em traje branco radiante significa caráter impecável e mente imaculada. Seus símbolos são um cisne, indicativo da curiosidade e da habilidade para discriminar as ações que são boas e sábias das que não o são, e geralmente é apresentada sobre uma flor de lótus, que indica sua transcendência e  experiência na verdade absoluta. Assim, Sarasvati não só tem o conhecimento, mas também a experiência da realidade mais elevada. Ocasionalmente, no entanto, ela também está associada à cor amarela, a cor das flores da planta da mostarda que floresce no momento da sua festa na primavera. 
Sarasvati também é o nome de um rio extinto da Índia, do vale do rio Indo, onde se desenvolveu a civilização Sarasvati-Sindhu, por volta de 3000 a.C.. O rio foi redescoberto por satélite no fim do século XX. Essa deusa era homenageada no chamado dia de Savitu-Vrata, comemorado na Índia em 16 de maio e dedicado à deusa Savitri, uma das oito mães divinas, considerada a Mãe Ancestral dos hindus. A Energia Primordial (Adi Shakti) tem duas correntes, a espiritual e a material. A energia espiritual é chamada Gayatri, um dos aspectos da deusa Sarasvati, enquanto a energia material é chamada Savitri. De acordo com o mito, relatado pela escritora Mirella Faur, Savitri foi fecundada pelo deus Brahma e sua gestação durou um século. De seu ventre nasceram a música, a poesia, os anos, os meses, os dias, as quatro eras da criação e a própria morte.
No sentido mundano, Sarasvati é a Deusa da Educação. Em várias instituições educacionais, o Vasant Panchmi (calendário indiano) é comemorado como aniversário de Sarasvati, adorada por ensinar à humanidade a importância da educação e do avanço do intelecto. Diz a lenda que Sarasvati era rival de Lakshimi, a deusa da riqueza. “Assim, uma pessoa não podia ser abençoada pelas duas deusas, ou seja, não podia ter o talento e também a prosperidade”, conta Mirella Faur. Ao contrário da deusa Lakshimi, Sarasvati é adornada com ouro e joias simples, representando a sua preferência pelo conhecimento e não pelas coisas materiais do mundo. 
Os sábios orientais, antes de começar qualquer leitura, sempre invocam o nome de Sarasvati para que ela conceda a perspicácia e o discernimento necessários para o aprendizado, pois dizem que a chave para os planos superiores é o conhecimento. Diz a lenda que as pessoas que buscam sabedoria devem orar para Sarasvati.
A importância de um intelecto aguçado e puro deve ser transmitida aos outros. Deve-se também dar importância a ganhar riqueza eticamente e a obter conforto material. O poder de Sarasvati nos ajuda a alcançar tanto as alegrias materiais quanto o progresso espiritual, a amadurecer a nossa capacidade intelectual e a tornar a mente mais focada, superarando a turbulência mental. Adorar e meditar com a Deusa Sarasvati é útil para induzir entusiasmo por estudos intelectuais e para desenvolver o estudo da alma ou autorreflexão. Orações para Sarasvati trazem inspiração artística, porque ela é o esclarecimento, a sabedoria da mente cósmica, a deusa da beleza em criação. O brilho dela representa a luz poderosa e pura da sabedoria, capaz de destruir a escuridão da ignorância.
Mirella Faur nos aconselha que, ao homenagear a deusa Sarasvati, devemos invocar seus dons de expressão fluente e criativa para o nosso trabalho, e recomenda limpar a escrivaninha e o computador, passando um incenso de sândalo sobre eles. Coloque ao lado flores, uma vela amarela e uma imagem da deusa ou, então, escreva com tinta dourada seu nome, ensina. “Entoe o mantra OM e visualize essa linda deusa irradiando sua luz dourada sobre você e seu local de trabalho. Peça-lhe inspiração, conhecimento, criatividade e sucesso para os seus projetos”.
Peçamos, sobretudo, a sabedoria de Sarasvati para a nossa melhor inspiração, as respostas mais acertadas aos nossos questionamentos e as decisões mais corretas para o nosso caminho. Vamos pedir à deusa de todas as artes criativas que nos favoreça com os dons necessários a fazer da vida um aprendizado com as nuances de beleza da poesia, da prosa e da música. Que Sarasvati toque a nossa alma com delicadeza e nos faça mais sensíveis e com a vida exalando amor, beleza e sabedoria.



Qualidades: o sentido da beleza, a facilidade de expressão, inspiração, eloquência, poesia, música, receptividade, fluidez, harmonia.
Dificuldades psicológicas: dificuldades de se expressar, opor resistência às mudanças, sarcasmo, desarmonia interior.
Sintonia: artes, música, poesia, incenso, o alaúde, as flores, os frutos, as folhas de palmeira, o lótus, as pérolas, as penas de pavão, os cisnes, os rios, a cor azul.
Invocação: “Graciosa Sarasvati, envolvei-me com os sons suaves da sua melodia, levai-me junto nas asas do seu cisne encantado, envolvei-me com a luz misteriosa da lua brilhando nos seus cabelos, ensinai-me a escrever certo o livro da minha vida”.

A magia da gratidão (Lammas ou Lughnasadh)

Vera Pinheiro

Lammas, também chamado Lughnasadh, é o tempo da colheita e da celebração dos frutos do mistério da Natureza, e de dar graças pela generosidade da Deusa em seu aspecto de Rainha da Terra. Festa da primeira colheita, é o momento de agradecer aos Deuses por tudo o que colhemos, expressando a nossa gratidão por tudo o que vivemos, seja bom ou nem tanto, pois tudo na vida faz parte do nosso caminho evolutivo.
            Não se pode ser feliz sem conhecer a gratidão. Aliás, a felicidade é a expressão da gratidão em sua exuberante alegria e no extremo contentamento que a alma experimenta. Gratidão deve fazer parte da nossa rotina por toda a vida, todos os dias, de hora em hora e a cada minuto, pois é um sentimento renovador de esperanças e, ao mesmo tempo, um incentivo a novas conquistas e vitórias no cotidiano.
            A começar pelos pais, devemos ser gratos por todos os que passam pela nossa vida, até mesmo os que nos parecem desinteressantes ou não merecedores de nossa gratidão, nisso se incluindo os desafetos e inimigos, bem como quem nos aborrece com a sua presença e nos causa alívio quando se ausenta. Agradeçamos em vez de julgar, e sentiremos fluir nas veias a bênção divinal por esse gesto.
            Tenhamos gratidão por todos os bens a nosso dispor, e tudo é muito farto, basta olhar em volta e agradecer. O amor da Mãe Terra por nós é tamanho que a vida diariamente acorda em raios de luz, festejando o amanhecer de um novo dia, e nos oferta luares e estrelas na primavera, verão, outono e inverno. Embora sofra com a ação irresponsável de seus filhos, a Natureza se doa constantemente em flores e frutos, sementes e colheitas, animais e plantas, terra, água, fogo e ar. Mesmo que não descubramos qualquer outro motivo igualmente grandioso para nos alegrarmos, agradeçamos pela amorosa doação da Grande Mãe.
            O que nos acontece precisa de nossa gratidão também. Ainda que não compreendamos uma sucessão de acontecimentos que dilaceram as emoções e racham feridas em nosso ser mais profundo, agradeçamos! Nada é em vão, mesmo que não alcancemos de imediato o significado e a razão dos fatos. Em estado de gratidão, entreguemos as amarguras ao tempo, que traz entendimento, aceitação e faz serenar as dores, adormecendo-as lentamente até que elas saiam do foco de nossa atenção. O decurso do tempo nos desvia do sofrimento permanente pela lembrança viva do que doi.
            Pelos amigos e por amores, tenhamos muita gratidão! Os relacionamentos são luzes brilhantes que se acendem no caminho, e nos abençoam com crescimento e evolução. Mas não somente a esses. Agradeçamos aos que nos açoitaram o coração e o feriram, os que traíram a nossa confiança e estima, a quem não retribuiu na mesma medida e com igual sinceridade o amor e a amizade que devotamos. Todas as pessoas que cruzam por nós têm um propósito que, às vezes, sequer elas sabem, pois esse assunto está no conhecimento restrito do amor divino, do qual jamais devemos duvidar. Quem nos ajuda a ser feliz merece a melhor gratidão, mas não sejamos menos gratos com quem nos mostra a verdadeira essência que nos habita e que se revela quando de algum modo somos machucados.
            De manhã à noite, sempre que respirarmos, manifestemos a nossa gratidão por todos, por tudo e pelo Todo a que estamos integrados em unidade. Nossos passos estão cadenciados com o ritmo do caminhar de cada um nas veredas da espiritualidade. Cultivemos a gratidão por ser quem somos e a cada ser por aquilo que ele é. Gratidão sem fronteiras nem limites, sem medidas nem condicionamentos. Em extremado e gentil amor, agradeçamos sem julgar o merecimento. Gratidão! Gratidão! Gratidão! Essa é a grande magia do Sabbat Lammas.
        

Laima, Deusa do amor e do destino

Vera Pinheiro

            Os países bálticos, a 19 de julho, celebram a Deusa Laima, doadora da boa sorte, da beleza, dos poderes mágicos e do amor. Ela era representada em forma de cisne e, por isso, guardar uma pena de cisne atraía as suas bênçãos, conta Mirella Faur, escritora e sacerdotisa da Grande Mãe, criadora da Teia de Thea. Na Lituânia, nessa data, os jovens se reuniam de noite para danças circulares e trocas de votos. Eles usavam guirlandas de flores colhidas nos campos como promessas de amor e celebravam dançando ao redor do altar de Laima.
Os países bálticos são formados por Estônia, Letônia e Lituânia e se localizam na porção nordeste do continente europeu, na costa leste do mar Báltico. Essas três nações integraram a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e declararam suas independências em 1991, passando a Estados autônomos.
Com o fim da URSS em 1991, as ex-repúblicas soviéticas, juntamente com a Rússia, criaram a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que consiste num bloco econômico cujo principal objetivo é estabelecer um sistema econômico e de defesa entre as nações. De todas as ex-repúblicas soviéticas, somente os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) nunca integraram a CEI, pois essas nações, desde a independência, sempre tentaram diminuir as relações políticas com a Rússia, principal integrante do bloco.
O panteão de deuses da Lituânia é bastante rico e diversificado. Os lituanos, assim como outras nações antigas, desenvolveram no período do patriarcado a imagem do único Deus supremo, o criador e Senhor do universo e de toda a vida, considerado o Mestre do Destino, o Senhor do mundo, que governou o Céu e a Terra. “Dievas”, o nome de Deus em lituano, muitas vezes personifica o brilho do céu, luz ou dia.
Os lituanos respeitavam os deuses e deusas da fazenda e da casa. O culto dessas divindades originava-se a partir da imagem da Mãe Primordial; mais tarde, a imagem do pai influenciou também. Estas deidades protegiam a casa, as pessoas que vivem nela, a agricultura, os animais domésticos e aves.
Alguns elementos arcaicos do culto da Mãe Primordial sobreviveram no século 19. Durante o casamento, a noiva se despedia de sua casa paterna e de seus deuses, devendo rezar e fazer sacrifícios para um ídolo feminino feito de um feixe de palha, implorando para perdoá-la por sair de casa e se mudar para um novo lar, onde teria de adorar outros deuses.
As deusas de nascimento e morte eram, respectivamente, Laima e Giltine. Ambas pertenciam à geração mais velha de deusas. Laima era responsável pela fertilidade, predeterminando o destino do recém-nascido, cuidando de mulheres no parto, segundo os fenômenos cósmicos. Originalmente com imagem ornitomorfa (forma de ave), aos poucos ela adquiriu forma humana. Na área de Aestii, as aves de pedra encontradas no chão devem ter representado a Deusa Laima. Estas aves-estatuetas expressavam a ideia do elemento feminino. O culto das árvores tílias é vinculado à Laima-pássaro. Como Laima adquiriu uma imagem antropomórfica, ela se tornou protetora não só da vida terrena, mas também da vida celeste.
A natureza é um ponto muito importante na religião dos lituanos, que têm muitos deuses e deusas que simbolizam os poderes da Natureza, que são o vínculo das pessoas com fatos supranaturais. Os ancestrais costumavam realizar seus ritos religiosos em florestas sagradas, perto de riachos sagrados. Mais tarde, especialmente na Idade do Metal, apareceram templos, cujas relíquias foram descobertas em diferentes lugares da Lituânia.
Segundo o livro “Senoves Lietuviu mitologija ir religija”, de Prane Dunduliene, traduzido em inglês para “Ancient Lithuanian Mythology and Religion”, desde os tempos mais remotos, os lituanos respeitavam criaturas divinas como ídolos: primeiro, totens; depois, zoomórficas-antropomórficas e, finalmente, divindades puramente antropomórficas, conforme revelado por fontes arqueológicas e escritas, bem como por dados linguísticos e etnográficos.
A Lituânia foi o último país a ser cristianizado, em 1387, e foi uma tarefa muito difícil, que durou séculos. No entanto, seus cultos pré-cristãos sobreviveram pelas tradições orais e a sua religião pagã é uma das mais poderosas dentre as que foram reconstruídas em nossos tempos.
A Deusa Laima é a personificação do amor, do destino e da sorte, e, associada ao parto, é padroeira das mulheres grávidas. O nome Laima deriva-se da palavra laime, que significa “felicidade” ou “sorte”. Os nomes alternativos incluem Laime, Laimė (Lituânia), Laimas Mate, Mate Laimes (“Mother of Luck”).
Laima é uma das poucas deusas dos povos bálticos que incorpora uma ampla variedade de funções individuais e sociais, dos quais dois são particularmente notáveis: determinação do destino e agente de fertilidade. Essa deusa está intimamente envolvida com a vida humana. Sua função básica está relacionada com o nascimento da criança e decidir o seu destino. Laima profetiza como será a vida de um recém-nascido, detendo o poder supremo de determinar a vida do indivíduo.
Suas decisões neste contexto são radicais e imutáveis, não racionalmente motivadas: determina se a vida vai ser curta ou longa, abastada ou pobre, despreocupada ou não, bem como cabe a Ela decidir o momento da morte de uma pessoa. Ela assegura a fertilidade dos campos e dos animais (do cavalo, em particular) e as moças solteiras rezam para ela, pedindo bons maridos e um casamento feliz. Ela ajuda, ainda, em outros aspectos importantes da vida e para o bem estar das pessoas em geral.
Por vezes, havia apenas uma Laima, enquanto em outros casos, três Laimas dariam previsões contraditórias com frequência. O pronunciamento final sobre o destino da pessoa seria irrevogável e nem mesmo Laima poderia alterá-lo.
A menção às três Laimas significa que essa deusa tem três aspectos ou que este pode ter sido o nome de três divindades. No moderno Dievturi, movimento religioso neopagão que afirma ser um renascimento da religião popular dos letões antes da cristianização no século 13, essas três deusas são referidas como a mesma deidade em três aspectos diferentes.
O triunvirato de irmãs decidia o destino dos seres humanos desde a gestação até a morte. Laima cuidava dos fetos, Dekla das crianças e Karta dos adultos. Quando um nascimento estava por ocorrer, as três faziam previsões sobre o destino da criança, mas Laima tinha a palavra final, e era também quem decidia sobre a data de morte. Laima toma a decisão final sobre o destino individual e é consideravelmente a mais popular delas.
Assim como a bondosa Zemyna, a deusa da terra, uma das mais populares divindades lituanas, o trio de deusas era visto como o combustível para a ferocidade lituana nas batalhas. Por isso, seu politeísmo resistiu tanto, de forma similar ao que ocorria com os vikings e sua mitologia. A religião dos lituanos era fatalista: já que o seu destino, assim como os dos inimigos, estava traçado, eles se entregavam à batalha sem temor.
Enquanto três deusas do destino têm menos apoio entre os acadêmicos, o conceito está bem estabelecido nas religiões europeias. Na Letônia, Laima e suas irmãs Dekla e Karta formavam uma trindade de deidades do destino semelhante às Nornes, da mitologia nórdica, às Moiras, da mitologia grega, e às Parcas romanas.
Em conexão com a Deusa Laima, agradeçamos o nosso destino, a nossa vida e todas as experiências, mesmo as que preferimos não ter vivenciado ou que tivessem sido evitadas por interferência divina. Nada é inútil ou em vão, pois tudo o que vivemos tem um significado e um propósito, e serve ao nosso processo evolutivo espiritual, do que não conhecemos a extensão. A confiança de que o nosso destino foi divina e amorosamente traçado substitui as suspeitas de que isso ou aquilo não devia ser como é, afasta os temores do que virá a ser e nos dá a certeza de que a nossa vida está em sintonia com a sagrada vontade da Grande Mãe.

Como Laima é deusa do amor também, convém lembrar que os pedidos neste sentido não devem incluir pessoas nem identificar nomes. É preciso confiar que a Deusa do Destino sabe o que – e quem – é melhor para nós. Às vezes, a solidão é a melhor alternativa. Vamos pedir amor, simplesmente tudo isso! O amor que nutre, cura, abençoa, alegra, enche a alma de contentamento! O amor que faz vibrar o coração das pessoas entre si e delas por toda a humanidade e por todos os seres. O amor de que o mundo está carente hoje, mais do que sempre.

A sutil força do amor

Vera Pinheiro
            Ah, o amor... Queremos saber mais dele, aprender tudo sobre ele, conhecer todas as suas nuances, descobrir cada uma de suas tantas possibilidades! Um ritual para celebrar uma Deusa do Amor parece-nos perfeito para alargar a nossa compreensão sobre esse sentimento tão lindo e nutridor e para atender as nossas expectativas de sucesso amoroso. Mas o amor não se sujeita a teorias, vive pela prática constante e exercício persistente.
            Sob as bênçãos da Deusa Laima, quem já tiver um amor comemore a sua união criando com o seu parceiro um ritual pessoal para reverenciar o Deus e a Deusa interior, reforçando e selando, assim, os laços de amor, compreensão, apoio e colaboração recíproca. O ensinamento é da escritora Mirella Faur que, em seu “Anuário da Grande Mãe” (editora Alfabeto), acrescenta sugestão mágica para quem esteja passando por uma fase de frieza em sua relação: “Olhe para o céu e peça à estrela Sirius que ajude seu amor a renascer e a renovar-se”. Isso porque a data de Laima é consagrada também à estrela Sirius ou Sothis, da Constelação de Canis Major, chamada também de Canopis ou “Olho do Cão”. É mesmo um dia de energia amorosa, o 19 de julho. Em Roma, celebrava-se a união de Vênus, a deusa da beleza feminina e do amor, com Apolo, o belo deus regente da luz solar, das artes, da música, profecia, poesia, harmonia e cura. Não poderia ser ocasião mais propícia a vivenciar a sutil força do amor.
            Amor se aprende? Sim, se aprende pelo exercício de abrir o coração e de fechá-lo para o medo de amar. Amar é um verbo que se aprende deixando o amor tomar conta de todo o nosso ser, negando-o a influências contrárias a esse sentimento, como o são todas as energias baixas. A negatividade faz mal ao amor. A inveja também. A ansiedade estraga o amor. O comodismo também. Dominação não combina com amor. Subserviência também não.
            Amor limita-se a duas pessoas? Não, isso é uma escolha individual. Uma única pessoa pode amar todos os seres do universo como verdadeira irmandade e será o mesmo amor, de outro jeito. Devotar o seu amor a alguém vincula, cria laços. Amor entre casais, amor familiar, amor universal, tudo é a mesma energia expressando-se de maneiras diferenciadas. E o amor é tanto, e tão imenso em sua essência, que cabe a humanidade toda dentro dele, ao mesmo tempo em que, pela troca, se renova e se refaz a todo instante.
            Um ritual para uma deusa do amor dá certo? Tudo depende do ambiente – propício ou não – criado por nós em nossas vidas. As plantas nos ensinam que precisam de um terreno favorável ao seu germinar, por que o amor seria diferente, se tudo faz parte da mesma natureza? Se o nosso coração estiver inflamado pelo ódio, pelo rancor, por ressentimentos    , como há de o amor nascer nele e se manifestar? Antes, precisamos erradicar as dores antigas e abrir espaço para o amor, que traz um novo tempo.
            Amor tem de ser correspondido? Nem a gente precisa preocupar-se com isso. Amor é uma força tão grande que funciona como um bumerangue: vai e volta. Com a mesma intensidade e na mesma medida, devendo lembrar que esta é a lei do universo. O que acontece é que o amor que se entrega nem sempre vem de quem a gente espera, mas no caso não estamos falando de pessoas e, sim, do amor em si. Quem ama tem a resposta do amor que deu, mesmo que não seja daquela pessoa que recebeu. O que importa é compartir a energia do amor, que tem suas razões e seus mistérios.
            De que adianta amar sozinho? O equívoco está em dar um nome, um rosto, um corpo ao amor, que é muito maior do que qualquer pessoa. O amor é a energia vital que está acesa dentro de nós enquanto cumprimos a nossa trajetória sobre a face da terra. O amor é o que faz brilhar os olhos, mesmo que eles fiquem marejados de vez em quando. O amor é o que nos fortalece em meio aos desafios da existência. O amor é o que nutre o nosso espírito, que se originou da fonte criadora da existência, a Grande Mãe. Lembremo-nos da nossa condição de aprendizes nesta oportunidade de vida que recebemos: somos indivíduos comunitários, que precisam coexistir pacificamente com todos os seres do universo, pois tudo e todos são sagrados. O amor que tanto os humanos aspiram não está nos outros, portanto não adianta tentar encontrar fora o que está dentro de cada um. Amem-se primeiro e com tamanha dedicação que o cotidiano lhes seja leve, não importa o que aconteça. Amem todos os seres e conhecerão a harmonia. Amem simplesmente porque amar é bom e faz bem. Não se preocupem com a recompensa. Amar já é a melhor recompensa, pelas bênçãos que traz em forma de felicidade extremada à nossa vida.

Litha, plenitude e êxtase

Vera Pinheiro

A Roda do Ano, representada por oito Sabbats, sincroniza a energia humana com as Estações do Ano, ou seja, com os ciclos do planeta Terra, e descreve o Caminho do Deus Sol durante o ano: nascimento, crescimento, união com a Deusa e, finalmente, seu declínio e morte. Da mesma forma que o Sol nasce e se põe todos os dias e assim como a primavera faz a Terra renascer após o inverno, esse ciclo nos mostra que a morte é apenas um ponto no ciclo infinito de nossa evolução e que é necessária para o renascimento do útero da Grande Mãe.
As celebrações anuais da Roda do Ano honram os Deuses, os espíritos da natureza e os antepassados. Durante os festivais, agradecemos e pedimos proteção, saúde, prosperidade, fertilidade, inspiração e paz aos Deuses e Deusas que comandam tais mudanças.
O Ano Celta dividia-se em duas metades: uma clara e quente e outra escura e fria, associadas ao verão e ao inverno e classificadas como Festivais do Fogo (Samhain, Imbolc, Beltane e Lughnasadh/Lammas) e Festivais Solares (Solstício de Inverno e Verão, Equinócio de Primavera e Outono).
O Ano Novo Celta se inicia no Samhain, que significa “Sem Sol”, referindo-se ao tempo de inverno. Litha, Solstício de Verão (Midsummer), é celebrado no dia 21 de junho no hemisfério norte, e é quando a Deusa e o Deus estão vivendo o êxtase de sua união, enquanto a natureza comemora com a beleza das flores e a abundância dos frutos. O casal sagrado está pleno de promessas e os rituais visam nutrir e fortalecer a nova vida no ventre humano, animal e no ventre da própria natureza.   
O amor entre o Deus e a Deusa atinge seu clímax neste Sabbat, e a exuberância da natureza significa o orgasmo cósmico. A atmosfera reinante em Litha é de plenitude, realização, manifestação e mudança. Todos os desejos podem ser realizados, pois o Deus e a Deusa estão cheios de possibilidades e a força vital está em seu auge. A Deusa, radiante e plena, floresce por toda a parte e, em breve, do seu ventre nascerão as colheitas. O alegre e vibrante Deus Verde da Vegetação está na plenitude de seu amor pela Deusa e, ao amadurecer, iniciará a sua jornada para o mundo subterrâneo.
O Solstício de Verão era celebrado pelos antigos povos - principalmente os celtas, escandinavos e saxões - como o auge da trajetória anual do Sol. Neste dia, considerado o mais longo e claro do ano, o nascer e o pôr-do-sol alcançam seus pontos máximos ao norte da linha do horizonte, marcando o auge do verão.
Em Litha o poder e a força da natureza chegam ao seu ponto mais alto. A Terra está repleta e abundante com a fertilidade da Deusa e do Deus e fogueiras são acesas para homenagear a energia do Sol, que atinge seu ápice: esta é a noite mais curta e o dia mais longo do ano.
O auge da luz solar marca o poder máximo do sol, mas prenuncia, também, o começo do seu declínio, quando o Deus Solar mergulha nas profundezas da escuridão. Esse paradoxo nos lembra que a mudança é a essência da vida, carregando dentro de si a semente do seu oposto, e é por isso que Litha, o Solstício de Verão, assinala o início da metade escura do ano, explica Mirella Faur, pesquisadora, escritora e sacerdotisa da Grande Mãe.
Quando o Hemisfério Sul passa pelo Solstício de Verão – evento que marca o início desta estação – quem vive no Hemisfério Norte da Terra está passando pelo Solstício de Inverno, considerado o dia com a noite mais longa do ano. O solstício de Verão pode acontecer no dia 21 ou 22 de dezembro, dias em que a radiação solar incide de forma vertical sobre o Trópico de Capricórnio.
O Brasil está localizado no Hemisfério Sul, enquanto a Europa e os Estados Unidos, dentre outros, fazem parte do Hemisfério Norte. Em países do Hemisfério Sul, como é o caso do Brasil, o Solstício de Inverno acontece normalmente no dia 21 de Junho, quando o Sol atinge a maior declinação de acordo com a linha do Equador.
O Solstício acontece graças aos fenômenos de rotação e translação do planeta Terra, pois graças a eles a luz solar é distribuída de forma desigual entre os dois hemisférios. O Solstício de Inverno significa que a luz do sol não incide com tanta intensidade no hemisfério em questão. São fenômenos opostos dependendo do hemisfério em que um determinado país se encontra. Por esse motivo, quando é inverno no Brasil (Hemisfério Sul), é verão na Europa e nos Estados Unidos (Hemisfério Norte).
No Hemisfério Sul, é comum que se desloquem estas festas por seis meses para coincidir com as estações locais. A Teia de Thea optou por seguir a tradição celta, de que se originam os Sabbats que ocorrem oito vezes ao ano, levando-se em conta a posição da Terra com relação ao Sol, divididos em Equinócios e Solstícios.
Entendemos que a Roda do Ano é o calendário que simboliza a concepção de tempo dos pagãos e principalmente a dos Celtas, um tanto quanto diferente da atual, semelhante ao zodíaco. Eles não viam o tempo de forma linear, mas circular, cíclico, e seus calendários levavam em conta não só o ciclo solar como é o nosso, mas também o ciclo lunar e é nessa egrégora que vibra a Teia de Thea. Essa é a explicação para realizarmos o Solstício de Verão em junho.
Na noite de Midsummer (o Solstício de Verão), fadas, duendes e todos os elementais correm pela terra, celebrando o fervor da vida. Nos tempos antigos, a data era comemorada geralmente com jogos e festivais, homenageando os Seres da Natureza e as Divindades do Solstício, depois substituídas pelas populares e folclóricas festas juninas com danças ao redor de fogueiras. Nessa noite de Grande Poder Mágico, é costume acender uma grande fogueira, continuando a Tradição de Beltane, e pular sobre ela para livrar-se dos infortúnios e da negatividade.
As antigas culturas europeias começavam as celebrações ao nascer do Sol, no primeiro dia do signo de Câncer, saudando Deuses Solares (Baldur, Lugh e Dagda) e Deusas Solares (Grainne, Sunna, Sol, Sundy Mumi, Paivatar, Saule), e continuavam com festejos, cantos e danças até a noite, quando eram acesas inúmeras fogueiras nas colinas e nos campos.
Mirella Faur conta que era costume também rolar colina abaixo uma roda de fogo, feita de galhos ou barris com piche, simbolizando o disco solar e purificando, em seu percurso, as vibrações negativas dos campos e lavouras. Tochas acesas eram carregadas em procissões para “limpar” as casas e aldeias, trazendo, assim, saúde e prosperidade. O gado também era passado por entre duas fogueiras acesas, afastando doenças e aumentando a fertilidade, enquanto casais de namorados pulavam juntos a fogueira para atrair e garantir a permanência e fidelidade de seu amor. As fogueiras permaneciam acesas durante toda a noite e as pessoas dançavam ao seu redor, cantando e bebendo hidromel e vinho aromatizado com ervas solares.
Essas festividades, ditas pagãs (paganus sendo a palavra romana que designava o homem do campo), persistiram até a Idade Média, camufladas sob a forma de feiras - agrícolas, de artesanato, esportivas ou artísticas - para evitar a perseguição da Igreja. Até que, em 1985, o Grande Festival de Stonehenge foi proibido. Considerado uma continuação de uma antiga feira medieval - que por sua vez era a reminiscência das Celebrações Druidas - a participação pública neste evento foi proibida (devido à erosão do solo e ao vandalismo dos visitantes), sendo reservado apenas às Ordens e Círculos Druídicos atuais.
Depois de ficar fechado por alguns anos, Stonehenge reabriu para o solstício de verão em 1999. O evento agora atrai mais de 20 mil visitantes que desejam ficar acordados para ver a alvorada lado a lado com os druidas vestidos de túnicas brancas. As pessoas se reúnem durante a noite no círculo de menires para ver o sol subir em alinhamento com duas pedras no círculo externo e dançam ao som de tambores e músicas variadas. Ocasionalmente é permitido o acesso fora desta data com a devida supervisão para evitar estragos aos menires.
No momento do solstício recomenda-se fazer afirmações ou rituais para a saúde, justiça, sabedoria, verdade e paz. Segundo os Druidas, os primeiros raios do Sol nascente do dia do Solstício de Verão são a manifestação visível da descida do Espírito na matéria. O dia do Solstício também é considerado favorável para o recolhimento de ervas, preparação de água cromodinamizada, confecção e imantação de talismãs e amuletos, além de oferecimento de cereais, agradecendo a luz solar ao Avô Sol e as dádivas da Mãe Terra.
A planta dedicada a este Sabbat é o hipericão (Erva de São João), que era colocado embaixo dos travesseiros para intensificar os sonhos ou, sob a forma de guirlandas, ser colocado no telhado das casas para atrair boa sorte. Com a cristianização, o Deus Baldur foi sincretizado à figura de São João e as celebrações pagãs foram transformadas em festas juninas, podendo-se, então, usar o sincretismo e utilizar a Erva de São João, já que o hipericão não é cultivável no Brasil.
Mirella Faur observa que na mitologia grega, nesta data, a deusa Perséfone atingiu sua plenitude de mulher (celebrada no Sabbat Beltane, de 30 de abril) e entrou no labirinto que a levou ao mundo subterrâneo, reino de seu esposo Plutão e da deusa Hécate. Segundo a lenda, sua descida inicia-se à medida que a força do Sol declina e a luminosidade dos dias diminui (no Hemisfério Norte).
Com o intuito de enriquecer sua vida moderna e tecnológica com o encanto dos antigos rituais, aproveite esta data e faça seu próprio ritual. Acorde cedo e, em jejum, saúde o Sol no momento exato em que ele se eleva acima da linha do horizonte, entoando - de acordo com a sua intuição - uma oração para um Deus ou uma Deusa Solar, pedindo saúde, sorte, sucesso nas suas realizações, luz para a mente dos governantes, paz ao seu redor e no mundo.
Olhe rapidamente para o disco solar, feche os olhos e inspire a energia dourada, trazendo-a para seu chacra solar. Em seguida, acenda uma vela dourada ou amarela e coloque-a em uma vasilha de vidro, despejando, depois, água mineral ao seu redor, cuidando para não apagar a vela. Toque um gongo ou sino, tome três goles de água mineral, expressando um desejo para cada gole. Medite, olhando a vela, sobre o que você precisa clarificar em sua vida, como se renovar ou fortalecer sua saúde. Apague a vela com os dedos (não assopre) e guarde-a para acendê-la quando se sentir enfraquecida ou desvitalizada. Despeje a água sobre a terra ou em um vaso de plantas como oferecimento à Mãe Terra.
Em seguida, defume sua casa e prepare água solarizada (água com uma drusa de cristais de rocha magnetizada com os raios solares). Coloque alguns galhos de erva de São João embaixo de seu travesseiro e peça aos Anjos e Deuses Solares que lhe enviem informações, intuições ou mensagens que lhe ajudem a fortalecer sua saúde, vitalidade e desempenho pessoal. E, ao participar de uma festa junina, lembre-se das antigas celebrações e pule sobre a fogueira para se purificar ou, junto a seu parceiro(a) ou companheiro(a) para reforçar os laços de amor.

Maeve, a Rainha Sedutora

Vera Pinheiro

            Deusa tríplice irlandesa, Maeve era Rainha das fadas e cultuada em Tara, o centro mágico da Irlanda. Esta deusa celta presidia a guerra, a sexualidade e a soberania da terra, e fornecia proteção, liderança e sabedoria, conforme com os pedidos humanos.
Celebrada no Festival das Fadas, realizado a 4 de maio, e também no dia 21 de maio, Maeve era uma deusa guerreira, que cavalgava cavalos selvagens e vivia rodeada de animais, sendo representada cercada por pássaros dourados que, pousados em seus ombros, sussurram conhecimentos mágicos, de acordo com Mirella Faur, escritora, pesquisadora e Sacerdotisa da Grande Mãe. Com o passar do tempo e sob a influência cristã, a cultura irlandesa mudou e Maeve foi reduzida à condição de simples rainha mortal, o que não era pouco, mas certamente aquém de seu esplendor como deusa.
Maeve, segundo a lenda, era uma das seis filhas de Eochardh Feidhleach, rei de Connacht, uma mulher muito bela, sedutora e forte, dotada de uma mente brilhante, estrategista hábil, talhada para enfrentar qualquer tipo de batalha. A rainha Maeve, do reino irlandês de Connacht, podia correr mais do que os cavalos, conversar com os pássaros e levar os homens ao ardor do desejo com um simples olhar.
Seu nome celta era Medb ou Medhbh, “aquela que intoxica”, no sentido de ser uma mulher “embriagante”, sedutora, fascinante e dotada de intensa sexualidade. Ela escolhia à vontade os seus amantes e nenhum homem a olhava sem se apaixonar por ela. Era muito segura de sua feminilidade e sexualidade. Diziam que possuía um apetite sexual voraz, mas é um erro vê-la como inconveniente e lasciva, que utilizava a satisfação sexual com a finalidade de ganho egoístico.
Maeve simboliza o poder feminino e é a personificação da própria Terra e sua prosperidade. Uma mulher corajosa, ardente, selvagem, e um pouco vingativa também. É uma representação da Deusa Mãe em idade fértil, embora possa alcançar um pouco da face Anciã, já que também preside a morte.
Ela rege o amor e a guerra, a morte e o nascimento e os ciclos, tanto da vida como os menstruais. Aos seus amantes, ofertava uma taça de vinho vermelho como seu sangue. O vinho de Maeve representava o sangue menstrual que era considerado como “o vinho da sabedoria das mulheres”.
Na Irlanda o Festival Pagão de Mabon era comemorado em sua honra. Durante essa festividade, quem almejasse ser rei aguardava que Maeve os convidasse a beber de seu vinho. Isto assegurava que o homem, para ser rei, necessitava ser versado no feminismo e nos mistérios das mulheres. Shakespeare a trouxe à vida como Mab, a Rainha das Fadas. Em uma versão mais moderna, os ecologistas a converteram em Gaia, o espírito da Terra.
As mulheres que se encontram sobre a influência deste arquétipo são corajosas, temperamentais e indomáveis, donas das suas vidas, das suas escolhas e se negam a viver à sombra de um homem, embora saibam que precisam do equilíbrio masculino/feminino. Elas são lutadoras, trabalhadoras, muito seguras de si e da sua sexualidade. Procuram um homem que as trate de igual para igual, nem mais nem menos, e amam como ninguém! São mães leoas e defensoras da justiça e daqueles que lhes parecem mais fracos.
Quando esta deusa surge nas nossas vidas, ela nos convida a entrar em contato com o nosso lado mais guerreiro. Ela não nos incentiva a passividade. Pelo contrário, nos ensina a sermos ativas, corajosas e lutadoras para alcançarmos os nossos objetivos.
Maeve nos aconselha a respeito das responsabilidades que temos sobre nós mesmas e nos traz a consciência de que somos as únicas responsáveis sobre nossas vidas. Esta deusa sugere que deixemos de atribuir aos outros a responsabilidade dos acontecimentos de nossas vidas, incluindo os fatos positivos, que por modéstia ou educação equivocada, deixamos de reconhecer como mérito próprio e, igualmente, os fatos que resultaram em frustração e desapontamento.
Temos imensa dificuldade de identificar em nós a nossa contribuição para a ação do destino em nossas vidas e identificar como nossas as ações e reações que contribuem para o desfecho de determinada situação. Porém, é imprescindível assumirmos as consequências dos nossos atos e escolhas, pois jamais seremos autônomas e independentes se colocarmos as nossas vidas nas mãos de outra pessoa.

A BATALHA DAS RESES DE COOLEY
(“Tain Bo Cualngé”)
No épico irlandês Tain Bo Cuillaigne, Maeve discute com o seu rei sobre quem é o mais rico, uma vez que, segundo o costume celta, o mais rico numa parceria é o soberano. Ele venceu por ter um touro mágico branco. Ela, então, decidiu roubar para si um touro vermelho mágico. Entretanto, quando os dois touros se enfrentaram, estraçalharam-se um ao outro em pedaços.
Vamos entender este mito, passando pela antiga sociedade celta, que era dividida em clãs e onde os laços familiares eram muito valorizados. As mulheres celtas se equiparavam aos homens: possuíam propriedades e ocupavam posições de prestígio dentro da sociedade. Também não existia a monogamia nas uniões. Eram igualadas aos homens não apenas pela sua estatura e altivez, mas também por sua coragem e participação ativa nas batalhas, conforme comprovam centenas de relatos de mulheres poderosas e rainhas deificadas como Maeve.
Os celtas respeitavam profundamente a Natureza, honrando a Terra e suas criaturas como elos sagrados na teia da criação e na magia da vida. Esta reverência e o culto de inúmeras divindades ligadas às forças da natureza mantiveram-se intactos mesmo depois da romanização das terras celtas e do sincretismo com os deuses romanos. Porém, a erradicação e perseguição agressiva e opressiva da religião pagã aconteceram com a chegada do cristianismo, que conseguiu impor seus dogmas e proibições, apesar da resistência dos druidas e do povo, principalmente o irlandês.
Para erradicar a religião pagã e suas tradições, os monges cristãos começaram a registrar lendas, mitos, crenças e costumes com as devidas correções e inevitáveis distorções, introduzindo elementos e conceitos cristãos. Mesmo assim, boa parte do legado ancestral foi preservada e o substrato original pode ser percebido se olharmos além das incongruências conceituais e sobreposições cristãs.
A cultura cristã e a mentalidade atual dificultam compreender e aceitar um dos conceitos celtas, a associação dos arquétipos sagrados femininos com a guerra. Para transpormos barreiras conceituais devemos conhecer o princípio celta da soberania da terra, sempre representado por uma Deusa Mãe com características protetoras e defensoras. A vida e a sobrevivência dependiam da terra e por isso ela devia ser preservada e protegida, pois desrespeitar a terra e a soberania de um povo significava ofender e ameaçar a própria natureza criadora da vida.
A soberania, o verdadeiro poder de quem governava e conduzia os destinos de um povo, pertencia a um arquétipo feminino, a própria Deusa da Terra, com a qual o rei ou governante devia se casar simbolicamente para garantir a prosperidade e paz. O casamento do rei com a Deusa da terra representava as condições indispensáveis para que a soberania se manifestasse: respeito, igualdade, confiança, parceria e solidariedade.
A representante da Deusa soberana era uma sacerdotisa ou rainha imbuída de poderes especiais, que até mesmo podia ser divinizada, como se conclui da lenda de Maeve. Nos mitos, aparece de forma metafórica o alerta sobre as consequências da opressão, violência e exploração da natureza e da mulher com os inerentes desequilíbrios, falta de prosperidade e convívio pacífico.
Em várias lendas, Maeve representa o espírito feminino arcaico, existente em cada mulher e que é expresso em grau maior ou menor como comportamento instintivo, impulsivo, corajoso, combativo, sedutor e fértil. Famosa por sua beleza e possessão sexual, Maeve teve muitos amantes, a maioria oficiais de seu exército, o que de algum modo assegurou a lealdade de suas tropas.
O primeiro marido de Maeve foi justamente o seu rival mais constante, o rei Conchobor Mac Nessa. Maeve foi-lhe dada em casamento como compensação pela morte de seu pai, mas, para provar sua independência, ela o abandona. Conchobor, insatisfeito, encontra Maeve banhando-se no rio Boyne e a estupra. Em decorrência do fato, os reis da Irlanda se unem para vingar o ultraje. Nesta batalha, perde a vida Tinne, o então marido de Maeve.
A rainha de Connacht está sem rei, e por isso os nobres se reúnem e indicam Eochaid Dala para ser seu novo marido. Ela consente, desde que o marido não seja nem ciumento, nem covarde, nem avarento.
Certo dia, Maeve adota um garoto, que passa a integrar a sua corte. Com o tempo o garoto cresce, torna-se um hábil guerreiro e seu amante. Eochaid não aceita bem a situação, assim como os nobres de Connacht, que tentam expulsar o rapaz da corte. Maeve consegue impedir e o jovem desafia o rei para um combate. Por ser um grande guerreiro, acaba matando o rei e assume o trono ao lado de Maeve. Esse é Ailill, seu marido mais importante.
Maeve estava casada com seu terceiro marido, o rei Ailill, quando discute com ele para saber quem tem maior fortuna. Ela faz alarde de possuir mais que Ailill, e em virtude da legislação celta, quem possuir mais bens pode mandar nos assuntos de casa. Quando lhe contam que lhe falta um touro para vencer Ailill, ela se dispõe a fazer qualquer coisa para obter um animal extraordinário, cujo posse faria inclinar a balança a seu favor.
Ailill tinha um touro a mais, chamado de “Finnbelmach” (touro branco). Maeve pede então para Daré, filho de Fiachna, que lhe ceda seu touro, o famoso Dona de Cuahlgé, que vivia em Ulster, nas terras de seu rival Conchobar. Em troca ela lhe daria terras, um carro de guerra e, sobretudo, o receberia em sua cama.
Filha do rei supremo da Irlanda, a rainha Maeve possui soberania, ou seja, ela é a soberania, o poder. Do mesmo modo, segundo a mitologia grega, que os mortais adquiriam poderes divinos ao se converterem amantes de uma Deusa, também um homem que se tornasse amante de Maeve poderia obter os poderes que ela representa. Mas a alegria da rainha pelo valor de sua recente aquisição não durou muito. O touro sobrevivente subiu em uma colina para mugir para todos os reinos irlandeses e morreu devido ao esforço despendido no ato. Desde então, a colina passou a chamar-se Druim Tairb, a Colina dos Touros.
Como podemos observar, o objetivo principal de Maeve era o touro, que desde a mais remota Antiguidade é um símbolo feminino, encontrado nas culturas ancestrais de Creta do Egito e da Anatólia.
O touro antes de tudo evoca a ideia de poder e de ímpeto irresistíveis. Para os celtas ele pode ser também símbolo da morte violenta dos guerreiros. Na Dália são conhecidas representações de um touro com três chifres, antigo símbolo guerreiro (o terceiro chifre. seria o equivalente ao que, na Irlanda, é chamado “lonlaith” ou “lua do herói”, uma espécie de aura sangrenta, jorrando do alto da cabeça do herói em estado de excitação guerreira). O touro é, ainda, representação da força temporal, sexual, a fecundidade da natureza.
Não por acaso, o segundo signo do zodíaco, Touro, é governado por Vênus e simboliza a força de trabalho e encarna os instintos, especialmente os da conservação, da sexualidade e de um gosto pronunciado pelos prazeres em geral, particularmente os da carne.

O despertar da nossa Deusa Gerda

Vera Pinheiro

A Deusa está dentro de nós. Às vezes, totalmente esquecida; de outras, apenas adormecida em nossa lembrança ancestral, mas basta um querer profundo para que Ela se manifeste e um chamado do coração para que nos atenda. E o chamado é nosso, pois que a Deusa está – como sempre esteve – presente e disponível. Essa conexão não é difícil, porque, para a Grande Mãe, não há impossibilidades além das que, por nosso livre arbítrio, escolhemos para atravancar a nossa vida, do ponto de vista físico, mental, emocional, espiritual ou energético.
A um chamado nosso, vindo das entranhas do nosso ser mais intensamente revelado, a Deusa nos acode e nos acolhe, nos dá colo na solidão e força nas batalhas, sabedoria nos desafios e equilíbrio nas dificuldades, além de uma alegria que faz brilhar a vida dentro e fora de nós. A Deusa é uma luz que se acende em nós e que se sustenta em qualquer escuridão que tenhamos de enfrentar, seja uma dor, um desapontamento, uma frustração ou um sofrimento.
A Deusa, que tem Mil Nomes, se chama Gerda também. Reverenciamos Gerda, a Senhora da Terra Congelada que habita dentro de nós, reconhecendo as nossas limitações humanas, já que os nossos dons espirituais são infinitos, ainda que não utilizados em sua plenitude.
Um dos limites que costumamos nos impor é o que impede a própria felicidade. Muitas pessoas, por suas completas e respeitáveis razões, mantêm congeladas as suas emoções para que, julgam elas, se mantenham a salvo do amor e da paixão, negando que esses sentimentos sejam fontes da energia que movimenta a vida e lhe dá sabor. Lutam uma vida toda para não se entregar aos prazeres e dissabores do amor e da paixão, que não se dissociam, porque mutuamente se alimentam e se fortalecem, mantendo, cada um, as suas indissociáveis características.
Pensam, essas pessoas, que o amor enfraquece e que a paixão fragiliza, então fogem desses sentimentos como se pudessem viver sem eles. E não, claro que não. Não podemos viver sem amor e sem paixão, que vão muito além do senso comum que limita o amor e a paixão à troca emocional entre duas pessoas.
O amor é tão gigantesco e grandioso que não pode ser limitado ao que existe nos parcos limites de nossos traçados humanos, ou seja, embora exista pessoa especial que mereça tamanho e dedicado amor – e tomara que exista! -, o amor precisa se expandir para além dos relacionamentos amorosos, a fim de atingir toda a grande irmandade universal. Não há amor que seja plena e inteiramente feliz em se circunscrever somente ao limitado círculo de nossas relações humanas. Há que se amar a Natureza em volta, porque ela expressa a generosidade do amor. Há que se amar todos os seres da criação, porque o mesmo amor a todos nos criou. Há que se amar os nossos iguais, por mais diferentes que se nos pareçam, pois que eles vieram da mesma expressão criativa que tudo gerou.
E enquanto choramos ausências, por pessoas que não vieram ou por pessoas que nos deixaram, a vida nos pede mais e mais amor por tudo e por todos que respiram a existência, apesar de nossas tristezas ou do pouco mérito alheio. Não nos cabe julgar. Cabe-nos amar indistintamente todos os seres, e então conheceremos a verdadeira unidade. E com todos somos um. O que a um fere, em nós doi. O que a um contenta, a nós traz felicidade. Somos indivisíveis com o Todo.
As nossas decepções têm a capacidade de nos impedir de crer de novo, de acreditar na felicidade outra vez, sem reservas nem resguardos. Então, não nos entregamos com toda a nossa identidade a um novo amor, por pensarmos que ele carregará os infortúnios de relações passadas, que, na realidade, entre lágrimas e mágoas, nos serviram de aprendizado e de instrumento para a nossa evolução. Mas é preciso crer e se entregar, se a felicidade é o que queremos para as nossas vidas. Um carro não anda com o freio de mão puxado, e a gente não avança no amor quando se deixa tomar de desconfianças, ainda que nos seja exigida alguma – e sempre bem vinda – cautela, o outro nome da deusa Gerda. O problema é quando a necessária cautela se torna a dispensável repressão dos sentimentos e a gente se torna – ou quer se tornar – blindada aos nossos mais genuínos sentimentos.
Apesar de nossas justificáveis dúvidas, a paixão nos é vitalmente necessária. Ela nos anima quando a vida se apresenta desbotada e nos empolga quando tudo parece sem qualquer graça. É preciso apaixonar-se pela própria existência e, claro, por quem se é. A paixão não é apenas ilusão dos sentidos. É o que dá sentido às nossas ilusões. Evitar a paixão é botar gelo em uma das mais autênticas emoções humanas. É preciso se apaixonar pela vida, por novos projetos, por toda a humanidade.
Congelar os próprios sentimentos até pode dar certo, mas é devastador do ponto de vista do aprendizado das relações humanas. Não crescemos se não nos entregamos aos sentimentos, não aprendemos se fugimos da essência de qualquer emoção. Tudo o que vivemos nos acresce e nos faz crescer, se não ficamos no limite entre o que achamos que nos preserva e o que deveria ser. Todos os dias a gente precisa avançar no aprendizado do amor e da paixão, sinônimos da nossa essência humana.
Quando Gerda se deixou tocar pelo toque luminoso de Frey, o alegre deus da primavera e da vegetação, essa deusa fez uma concessão a novas possibilidades, apesar de todas as suas anteriores e firmes convicções, e ninguém pode criticá-la por isso. A sua flexibilidade permitiu que conhecesse o amor de Frey, que lhe dedicava grande devoção. Ela aceitou a proposta de casamento dele, não sem antes estabelecer as suas regras, e esse limite a manteve em saudável individualidade. Fez suas exigências, tomando-lhe bens preciosos como a espada e o cavalo, por julgar-se merecedora desses dotes, e com isso nos ensina a valorizar quem nós somos, com plena capacidade de exigir o que seja melhor para nós, ainda que vislumbremos os pedidos alheios.
Deixemo-nos tocar pela amorosidade dos outros sem medo nem qualquer reserva. Se não pudermos acreditar, que possamos nos permitir a possibilidade de aprender com o que vier. Se não pudermos confiar, que tenhamos a convicção de que tudo faz parte de um projeto divino, que nos inclui (e que bom!). Que o amor possa fazer adormecer as nossas excessivas precauções e nos fazer receptivas a pessoas e a novas chances de felicidade. Que os nossos temores sejam menores do que a nossa vontade de ser feliz. Que o gelo de nossas inseguranças sejam derretidos pelo amor e pela paixão, e assim como Frey conquistou Gerda, elevando-a à condição de deusa, que sejamos deusas em nossa máxima expressão para que um Frey nos encontre e, embevecido, nos ofereça o melhor dos mundos, pois, afinal, merecemos! Que a deusa Gerda desperte em nós e nos faça mais receptivas ao amor, apesar de todas as nossas desconfianças e receios. E que os homens se justifiquem como deuses em nossas vidas, fazendo por merecer essa prestigiosa condição!