sábado, 19 de fevereiro de 2011

Oncetá?! (*)

Vera Pinheiro
            Filhos têm cada uma! Quando são pequenos e os cercamos de cuidados, eles reclamam. Ao crescerem, detestam se insistimos que, em suas saídas, levem um casaquinho. Se nos preocupamos, embora tenham se tornado adultos, eles se aborrecem muito com o que julgam ser excesso de zelo. Nem vamos falar de conselhos, que os pais dão de duas formas: a pedido dos filhos ou no grito mesmo, se não quiserem ouvir.

            Pois bem. Quando a gente envelhece, eles devolvem isso! Daí a certeza plena e absoluta de que tudo o que fazemos de bom ou de nem tanto, a quem quer que seja, volta três vezes para nós! É retorno garantido! Por isso, devemos estar atentos às nossas ações dia após dia, minuto a minuto. Não dá para relaxar! A vida é uma espécie de bumerangue de atitudes: tudo vai e volta. Em relação aos filhos, a fruta não cai longe do pé, diz o adágio popular. Filho de peixe não sai jacaré, afirma amiga minha. Portanto, é o caso de acreditarmos que de boa fonte nasce água cristalina, e nosso esforço é no sentido de preservar a natureza de contaminação.

            Penso que os filhos, chegados depois, nos escolheram para o exercício do mútuo aperfeiçoamento humano e espiritual, então todos aprendem com a convivência, e os mais velhos colaboram com a voz da experiência, a que ninguém deve dar-se ao luxo de dispensar atenção, ainda que não queira seguir.

            O passar do tempo, que traz maturidade aos filhos e envelhece os pais, curiosamente faz uma interessante troca de papéis, da qual podem ser extraídas preciosas lições de vida. Os cuidadores de ontem viram o centro das atenções de hoje numa sutil transferência de responsabilidades, que não deixa de ser divertida. E é melhor que divirta e não incomode os envolvidos.

            Quem se ocupava da índole e procedência dos candidatos a namoro? Por deferência ou falta de jeito do pai em dar conta da missão, cabia à mãe desvelar ao máximo as noras e os genros; depois são os filhos que analisam detidamente (e com maior rigor!) a ficha técnica de quem pretende ser par de seus ascendentes, não exatamente padrasto ou madrasta, que essa fase está superada. Afinal, o interesse pode ser namoro, meramente amizade ou puro sexo mesmo. Muitas pessoas de mais idade querem somente companhia, não sonham com novo pedido de casamento e não estão dispostas a dividir a intimidade. Se bem que as exceções existem para confirmar as regras. Outra amiga minha jurava de dedos em cruz que nunca mais queria cueca de homem na gaveta, até que encontrou um novo amor com quem é feliz há anos e espera-se que – assim seja! – para todo o sempre!

            Aí vem a inversão de atitudes e as reclamações: os pais, que tanto apertaram o cerco aos filhos, postulam o direito à liberdade de escolher com quem sair. E, em lado oposto, há os que precisam ser empurrados para inocente convite a um cineminha, tarefa de que se encarregam os filhos. “Vá, mãe, não custa nada!”. Para algumas mulheres é de alto custo o recomeço, que nem sempre acontece, por medo ou preguiça da retomada dos prazeres e incômodos que fazem parte dos relacionamentos amorosos. Antes, se o filho enfiava a cabeça nos estudos e não fazia outra coisa, os pais falavam: “O guri vai adoecer, desse jeito!”. Muitos imaginam idêntico destino aos deliberadamente eremitas.

            Se a mãe – livre, independente e vacinada contra paixões arrebatadoras – sai e não dá o roteiro, os filhos se preocupam e querem saber aonde foi, com quem e a que horas voltará. Oferecem carona para ida e volta, vislumbrando uma espiadela no local e nos frequentadores, como os pais faziam, e há perguntas que não conseguem segurar: “Tomou o remédio? A pressão está boa? Precisando, é só chamar! Não faças nada que te prejudique nem me preocupe, o resto está liberado!”, dizem com um sorriso cúmplice. Eles, filhos, decoraram a frase de alerta que a mãe buzinou incontáveis vezes em seus ouvidos.

            Do serviço para casa, os telefonemas de controle em horários diversificados para surpreender. Filhos querem que os pais andem, o tempo todo, com celulares ligados e com um sem fio pendurado na cintura, caso contrário eles entram em crise de inquietação. Basta que liguem e não sejam atendidos para que, ao primeiro alô, perguntem: “Oncetá?!”. Por aflição, emendam as palavras tal como a mãe fazia quando ligava e ninguém atendia. Bradava “ONde voes?” com os dentes cerrados, pronta para agarrar pelo pescoço a cria! Definitivamente, aqui se faz, aqui se paga!

          (*) Crônica publicada na edição de 19 e 20 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

2 comentários:

  1. Florzinha,

    São todos iguais. Só mudam de endereço.

    Por falar nisso. Oncetá?

    Beijos.
    Lindinha.

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  2. Lindinha, já vou contar aqui o que andei aprontando e a razão do sumiço. Tudo coisa boa, fica tranquila.
    Beijos com saudade.
    Florzinha

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