domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um jeito de ser feliz (*)

Vera Pinheiro
            Hoje arrumei a mesa com a melhor toalha que estava na gaveta. Logo cedo, colhi flores no jardim e, delicadamente, as ajeitei num vaso. Fui ao quintal e apanhei as carambolas mais amarelinhas, as romãs mais vermelhas e as mangas mais bonitas. Peguei a louça que estava guardada para os dias de visita. Fiz o café mais caprichado que podia e me servi como se fosse um dia de festa. Não havia coisa alguma para festejar, nenhuma pessoa convidada nem é meu aniversário. Mas este é o dia mais importante que eu tenho para viver: o hoje!

            Não quero guardar toalhas e louças para um amanhã incerto. Não vou esperar que as frutas caiam do pé para serem comidas. Não deixarei que as flores murchem sem tê-las visto com atenção. Não há visita que seja mais importante do que a minha família. Por que esperar pelo próximo dia, por aquele que virá, se o hoje pode ser a festa do meu espírito? Nunca mais vou deixar que as toalhas fiquem amareladas a espera de quem nunca vai chegar. Não vou guardar as frutas mais saborosas para quem nunca vai comê-las comigo. Vou apreciar as flores e enfeitar a minha vida com elas, não mais esperar que pessoas apareçam, porque as estações mudam e o tempo consome relações que não são renovadas.

            Não vou desperdiçar o melhor que tenho para dar com quem não quer receber, ou com quem recebe e não sabe apreciar. Vou me dar para mim mesma antes de me dar a outros, para não dar do que não tenho ou que me é escasso ou dar o que nunca volta, não tem retorno, recompensa, troca. Vou me contemplar, me valorizar, me gostar muito antes de esperar pela valorização e pelo gostar alheios. Vou estender a melhor toalha em minha homenagem, saborear os melhores frutos que cultivo, perfumar a vida com as flores mais belas que cuido. Vou fazer a melhor refeição em qualquer dia.

            A vida é uma seqüência de momentos que vou viver por inteiro, sem ficar a espera dos que prometem e não cumprem, dos que dizem amar, mas não é verdade. Hoje estou em festa! Celebro a própria vida com um profundo respeito pelo que construí e experimentei. Com enorme amor por mim. Com grande carinho pela minha própria história. Eu mereço uma mesa caprichada. Mesmo se estiver sozinha.

            O meu sonho é viver feliz. Nada demais! Não é algo impossível, que não possa ser alcançado. Viver feliz é simples e grandioso. Não preciso de muita coisa e preciso muito de algumas coisas. Posso viver feliz tendo pouco do que é supérfluo e muito do que é essencial. Ou apenas com o básico, que é realmente indispensável. A minha alma me diz do que preciso e me abastece as reais necessidades, segundo meus parâmetros, não os alheios. Posso viver feliz com muito menos do que outros têm e ser muito feliz com o que algumas pessoas não têm nem querem.

            A felicidade não se compara. A minha felicidade tem a minha cara, o meu jeito. Alguns nunca entenderão como posso ser feliz sem ter o que muitos têm. E outros não entendem como tenho o que muitos não têm e por que adoro isso. Não meço a minha felicidade com a dos outros, pois alguns terão mais e outros menos do que tenho. Tenho o meu suficiente, sem o qual não vivo feliz. Nem mais nem menos. Por isso, minhas angústias são ralas quanto a ter ou não ter. Ser é o que me ocupa. Ser feliz é a minha meta, o meu sonho, a minha realidade de todos os dias, a minha busca e o meu encontro. A minha felicidade se renova sempre, não importa o que eu tenho ou deixo de ter. Eu sou feliz! Isso, mais do que uma afirmação, é uma vivência.

            Agradeço à vida por tudo que tenho, sou e vivo. Deito à sombra de uma árvore e ali encontro a energia que vem da terra. A força telúrica invade meu corpo e anima meu espírito, enquanto olho o céu azul que me cobre e as nuvens que passeiam nele. Tudo em volta me encanta e o que está dentro me fascina, pois são as melhores descobertas.

            Hoje, ao acordar, renovei minha certeza de que cada dia é uma oportunidade de exercitar o direito e o compromisso de ser feliz. Este dia é precioso e único. Quero vivê-lo com amor, gratidão, alegria e em paz. Que seja assim para mim e para todos os das minhas relações. E que cada um descubra no mais profundo de si mesmo o que é essencial à felicidade, olhando seus desejos, sonhos e vontades com sinceridade e sem medo.

   (*) Crônica publicada na edição de 26 e 27 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Oncetá?! (*)

Vera Pinheiro
            Filhos têm cada uma! Quando são pequenos e os cercamos de cuidados, eles reclamam. Ao crescerem, detestam se insistimos que, em suas saídas, levem um casaquinho. Se nos preocupamos, embora tenham se tornado adultos, eles se aborrecem muito com o que julgam ser excesso de zelo. Nem vamos falar de conselhos, que os pais dão de duas formas: a pedido dos filhos ou no grito mesmo, se não quiserem ouvir.

            Pois bem. Quando a gente envelhece, eles devolvem isso! Daí a certeza plena e absoluta de que tudo o que fazemos de bom ou de nem tanto, a quem quer que seja, volta três vezes para nós! É retorno garantido! Por isso, devemos estar atentos às nossas ações dia após dia, minuto a minuto. Não dá para relaxar! A vida é uma espécie de bumerangue de atitudes: tudo vai e volta. Em relação aos filhos, a fruta não cai longe do pé, diz o adágio popular. Filho de peixe não sai jacaré, afirma amiga minha. Portanto, é o caso de acreditarmos que de boa fonte nasce água cristalina, e nosso esforço é no sentido de preservar a natureza de contaminação.

            Penso que os filhos, chegados depois, nos escolheram para o exercício do mútuo aperfeiçoamento humano e espiritual, então todos aprendem com a convivência, e os mais velhos colaboram com a voz da experiência, a que ninguém deve dar-se ao luxo de dispensar atenção, ainda que não queira seguir.

            O passar do tempo, que traz maturidade aos filhos e envelhece os pais, curiosamente faz uma interessante troca de papéis, da qual podem ser extraídas preciosas lições de vida. Os cuidadores de ontem viram o centro das atenções de hoje numa sutil transferência de responsabilidades, que não deixa de ser divertida. E é melhor que divirta e não incomode os envolvidos.

            Quem se ocupava da índole e procedência dos candidatos a namoro? Por deferência ou falta de jeito do pai em dar conta da missão, cabia à mãe desvelar ao máximo as noras e os genros; depois são os filhos que analisam detidamente (e com maior rigor!) a ficha técnica de quem pretende ser par de seus ascendentes, não exatamente padrasto ou madrasta, que essa fase está superada. Afinal, o interesse pode ser namoro, meramente amizade ou puro sexo mesmo. Muitas pessoas de mais idade querem somente companhia, não sonham com novo pedido de casamento e não estão dispostas a dividir a intimidade. Se bem que as exceções existem para confirmar as regras. Outra amiga minha jurava de dedos em cruz que nunca mais queria cueca de homem na gaveta, até que encontrou um novo amor com quem é feliz há anos e espera-se que – assim seja! – para todo o sempre!

            Aí vem a inversão de atitudes e as reclamações: os pais, que tanto apertaram o cerco aos filhos, postulam o direito à liberdade de escolher com quem sair. E, em lado oposto, há os que precisam ser empurrados para inocente convite a um cineminha, tarefa de que se encarregam os filhos. “Vá, mãe, não custa nada!”. Para algumas mulheres é de alto custo o recomeço, que nem sempre acontece, por medo ou preguiça da retomada dos prazeres e incômodos que fazem parte dos relacionamentos amorosos. Antes, se o filho enfiava a cabeça nos estudos e não fazia outra coisa, os pais falavam: “O guri vai adoecer, desse jeito!”. Muitos imaginam idêntico destino aos deliberadamente eremitas.

            Se a mãe – livre, independente e vacinada contra paixões arrebatadoras – sai e não dá o roteiro, os filhos se preocupam e querem saber aonde foi, com quem e a que horas voltará. Oferecem carona para ida e volta, vislumbrando uma espiadela no local e nos frequentadores, como os pais faziam, e há perguntas que não conseguem segurar: “Tomou o remédio? A pressão está boa? Precisando, é só chamar! Não faças nada que te prejudique nem me preocupe, o resto está liberado!”, dizem com um sorriso cúmplice. Eles, filhos, decoraram a frase de alerta que a mãe buzinou incontáveis vezes em seus ouvidos.

            Do serviço para casa, os telefonemas de controle em horários diversificados para surpreender. Filhos querem que os pais andem, o tempo todo, com celulares ligados e com um sem fio pendurado na cintura, caso contrário eles entram em crise de inquietação. Basta que liguem e não sejam atendidos para que, ao primeiro alô, perguntem: “Oncetá?!”. Por aflição, emendam as palavras tal como a mãe fazia quando ligava e ninguém atendia. Bradava “ONde voes?” com os dentes cerrados, pronta para agarrar pelo pescoço a cria! Definitivamente, aqui se faz, aqui se paga!

          (*) Crônica publicada na edição de 19 e 20 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Marcação cerrada

Vera Pinheiro

Eu pretendia contar aqui, neste blog, mas a conversa espichou e se transformou na crônica da semana, sob o título “Oncetá?”, equivalente a ONde voes?”. É uma divertida crítica aos filhos que, fazendo uma inversão de papéis, se preocupam excessivamente com os pais e querem controlá-los, de certa forma, tal como os pais faziam com eles.

Comprovei o fato aqui em casa. Guilherme e Camila reclamam demais quando não atendo as ligações deles! “Oncetá?!” é uma perguntinha recorrente deles quando, finalmente, ouço e atendo o telefone.

Se ligam para casa e não atendo, eles ligam para o celular. Se não atendo o celular, ligam para casa. E lá vem a perguntinha de novo: “Oncetá?!”. Marcação cerrada mesmo, ao que respondo “Bom dia pra ti também, meu amor!”, e rindo de montão.

Como eu ando numa fase ótima, de altíssimo astral, relaxada e zen, não me incomodo com isso. Acho até engraçado dizer onde estou e o que faço aos meus angustiados filhos, quando eles me procuram e não me acham. Sentiram? Pois é! Já assumi que fui, sou e sempre serei uma mãe preocupada com eles, então relevo. E me angustio pra caramba se ligo e eles não atendem, claro. Normal!

Geralmente estou ocupada, fazendo uma coisa e outra, em movimento. Não gosto de carregar o celular e o telefone de casa para onde vou, aliás, não me lembro de fazer isso, mas foram tantas as reclamações que tomei uma atitude para o bem de todos: ando com uma bolsinha a tiracolo com os dois aparelhos. Sente a elegância da pessoa? De short e de bolsinha. De chinelo ou descalça e de bolsinha. O que uma mãe como eu não faz para a paz familiar, hem?

Depois, se os transeuntes me olharem de um jeito estranho, não reclamem! Eu ando de bolsinha em casa. E daí?!

Leiam a crônica que vou postar neste sábado e no jornal A Razão, de Santa Maria, RS.
A propósito, Gui: Oncetá?! Camila: Oncetá?!
Ói eu de bolsinha. Não vale rir! A causa é nobre!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De volta

Vera Pinheiro

Entre idas e vindas neste blog, estou de volta para mais um recomeço. Estava olhando as fotos de Salvador, maravilhosas, e programo aonde ir em breve, não sei quando exatamente. Mas, mesmo que saiba, não vou dizer. Em segredo é que as coisas se realizam. Isso é tão impressionante quanto verdadeiro. A gente realmente precisa saber o que, para quem e com quem contar. Nem todos torcem a favor dos nossos projetos. Boquinha de siri, portanto!

Ando com preguiça de computador e ainda mais admirada do que sempre fui com a minha extraordinária capacidade de adaptação. Algumas vezes escrevi, em tese, sobre o que faria da minha aposentadoria. O incrível é que estou colocando tudo em prática! Tenho me sentido feliz na nova fase, sem trabalho fora. Ainda não consegui fazer tudo o que queria, porque tinha (e tenho) muito a fazer em casa e interrompi as tarefas para uns dias na capital da Bahia, onde minha filha Camila participou de um congresso internacional na área da saúde. Fizemos uma belíssima viagem!

No retorno, voltei ao que estava fazendo, enquanto aprendo o que ainda não sei. Bordar, fazer crochê e tricotar, por exemplo. Tricô de verdade, não aquele que a gente faz com as amiguinhas sobre a vida alheia. Meu próximo brinquedinho será uma máquina de costura!

Tenho conversado com outras mulheres que, como eu, estão voltando para casa. Fiquei surpresa com o sentimento predominante de prazer em se dedicar ao lar e à família. E não é coisa de cinquentinhas aposentadas! Mulheres jovens estão optando por não trabalhar fora para cuidar de filhos (de marido não se cuida, claro, até porque não adianta). Outras escolhem trabalhar por conta própria para não se submeterem a horários sufocantes que as afastam de casa por mais tempo do que gostariam. As mulheres estão voltando para casa, prestem atenção. E gostam disso!

Observo que tenho gasto menos e que tenho mais qualidade nas refeições. Preparo nossa comida sabendo do estado da cozinha. Fora, a gente entrega a alma a Deus(a), porque capricho não é algo que se fiscaliza quando se come fora cinco dias da semana, pelo menos! As lombrigas se divertem, por certo.

Tenho assunto para escrever, mas me sinto atraída por outras atividades do lado de fora, onde há sol e vento fresco. Como pude trabalhar fechada por tantos anos, sem ver o dia passar? Às vezes nem percebia que tinha chovido ou anoitecido, que horror! Ontem me dediquei a acabar com a crise de identidade da minha horta, que não sabia se era horta ou jardim. Tirei todas as flores de lá e plantei no jardim. Reconheci que faltou planejamento, mas vou corrigir e, em breve, serei uma próspera hortifrutigranjeira.

Minhas unhas ficaram acabadas, mas não sei trabalhar de luvas e gosto de mexer na terra. A cabeça fica um espetáculo! Fresquinha que só! Uma vizinha, a quem não via há alguns meses, me disse: “Estás com uma aparência ótima”. Eu também acho. Nada demais. É que estou feliz. Bem feliz!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Dá um tempo! (*)

Vera Pinheiro

            Ah, dá um tempo! Dá um tempo para ti, de modo que aproveites melhor a tua vida, pois ninguém a viverá em teu lugar, assim como não podes desfrutar da vida alheia. Arruma espaço no teu cotidiano para que não trabalhes somente para os outros, esquecendo dos teus prazeres e vontades. Coloca-te em prioridade ao menos de vez em quando e te proporciona momentos felizes com mais frequência. Não adies férias, aproveita bem os feriados e dedica os fins de semana aos teus interesses. Não leves serviços para casa e evita usar as noites para um terceiro expediente, porque a casa não é a extensão do teu emprego. A menos que exista a opção Home Office e que a tenhas escolhido, fecha a porta atrás de ti e retoma as atividades no dia seguinte. Aprende a separar os compartimentos familiares e laborais, e estejas inteiramente em cada um em seus respectivos turnos, lembrando-te de incluir na agenda eventos de diversão também.

            Dá um tempo, vai! Não esperes soluções rápidas para os teus dramas emocionais. Respeita o ritmo de acomodação das dores, e elas precisam de tempo, que tudo ameniza. Não te angusties por falta de respostas imediatas para os problemas que enfrentas. Serena o teu espírito e o teu Eu Superior responderá, e para ouvi-lo precisas silenciar os gritos do coração e conter a ansiedade da mente. A cada dúvida corresponde um esclarecimento que a vida dá e que serve aos propósitos de aprendizado humano e elevação espiritual. Não te revoltes contra as dificuldades, elas ensinam muito a respeito da tua força e coragem, ainda mais do que podem te aperfeiçoar as experiências de contentamento.

           Dá um tempo para cada tarefa ser feita, e bem feita. A pressa não ajuda a resolver coisa alguma, a menos que precedida de um detalhado exame das circunstâncias, antes da execução. O que importa é que faças corretamente o que te foi dado a fazer. O atraso pode ser relevado, mas a ineficiência e o desleixo são imperdoáveis. Porém, faz de tudo para cumprir prazos, ainda que exíguos, se te comprometeste com alguém que está na cadeia produtiva e depende de ti. Dá o teu melhor esforço para honrar a confiança que depositaram na tua competência e dedicação e aprende a dizer um “não” antecipado, se pensas que não poderás fazer o que te pediram. Pede um tempo razoável, que seja bom e suficiente para realizar o solicitado e acrescenta as explicações necessárias, pois isso é melhor do que justificar uma entrega fora da data combinada.

“Quero dar um tempo”. Se a pessoa amada pedir isso, dá todo o tempo de que ela precisa para acertar sua vida amorosa. Dá-lhe logo a eternidade e parte para outra, que a vida passa e não deves desperdiçar o precioso tempo de felicidade com quem não te quer. Geralmente (e não quero fazer generalizações injustas) quem pede “um tempo” no relacionamento não consegue fazer rupturas definitivas e tem enorme habilidade de aprisionar os laços do coração do outro para impedi-lo de vivenciar sua liberdade com um novo par. Não quer, mas não larga o osso, como se diz. Isso atrapalha, e muito, quem, abandonado, pretende se recobrar da perda e continuar a vida. Não te deixes enganar, portanto. E não tenhas ilusões de um retorno que pode jamais acontecer.

Ora, dá um tempo! Não te aborreças com o que não vale a pena! Não te contamines com mau humor, pessimismo e baixo astral. Há quem seja inexplicavelmente talentoso para acabar com o prazer alheio. Se encontrares um desses especialistas em desmanchar alegrias, releva-o, mas escapa dele e de sua energia densa e predadora. Procura convívios que satisfaçam a tua alma, tanto no mercado de trabalho como no campo das relações de amizade, e especialmente no âmbito do amor em suas amplas manifestações. Não te impacientes com o que não podes mudar, segura o teu ímpeto de interferir no que não é da tua alçada e não sofras pelo que não te diz respeito direta nem indiretamente e que é exclusividade de outra pessoa, e a ela cabe tomar atitudes e providências. Não permitas que invadam a tua privacidade e alcancem todos os teus segredos, pois nunca saberás o que poderão fazer com isso. Não te irrites demasiadamente nem aceites passivamente o de que não gostas. O equilíbrio é a plenitude da sabedoria, que mostra quando agir, o que fazer, onde intervir e como proceder. É escolher a ocasião adequada, selecionar os meios e se municiar de determinação e fé na vitória dos intentos. É dizer com convicção: “Dá um tempo!”, virar as costas e seguir sorrindo estrada afora.
  (*) Crônica publicada na edição de 12 e 13 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O que estou fazendo

Vera Pinheiro
Queres saber o que estou fazendo? Nada.
Queres saber o que vou fazer? Nadar.

Ah, dá um tempo! Depois te conto. E a crônica da semana é exatamente isso: "Dá um tempo".

Beijos. Não posso me demorar aqui. Estou muito ocupada comigo e a vida me espera lá fora. Uma galerinha gente boa também. Ó, xente, que vidão. Eu quero. Eu posso. Eu mereço. Tiau!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Onde estou

Vera Pinheiro

Pensa num lugar paradisíaco, pleno de sol e beleza, ideal para férias a qualquer tempo. Salvador, a capital da Bahia, é um lugar assim, e aqui estou, curtindo dias de folga e prazer. Cheguei no domingo e me instalei num belíssimo hotel, onde já tinha estado a  trabalho, tempos atrás. De domingo para cá só tenho compromisso com uma pessoa: eu! E o máximo de ocupação é saber onde posicionar a minha cadeira ao sol e a que horas vou pedir a primeira cerveja. Um espetáculo! Eu mereço isso! Das 9h às 17h fico à beira da piscina, de frente pro mar, olhando o céu azul e o mar verdinho. Não gosto de ir ao mar e de encher a minha calcinha de areia. Faço um intervalo nas horas de sol brabo, de 10h às 14h.

Antes de me expor ao sol, tomo os devidos cuidados, claro. Passo bloqueador solar para evitar problemas de pele e estou com uma cor, diria, apetitosa! Um bife mal passado, um frango a doré. Como já conheço a cidade, não me empenho em fazer passeios. Quero e preciso descansar. Isso é tudo! O problema é que esse computadorzinho que eu trouxe é mais temperamental que a dona! Não vou postar todas as lindas fotos que fiz. Farei isso em casa, na volta.

À beira da piscina do hotel descobri amigas de infância maravilhosas. Adoro isso! A gente mal se conhece e se torna praticamente amiga que se senta à beira da cama. Tem coisa mais íntima dou que levar alguém ao teu quarto e a pessoa se sentar à beira da tua cama? Não, não tem. Essa tirada é da Bibba, psicóloga gaúcha em férias com o marido Fernando, médico. Por onde a gente anda encontra a gauchada pelo faro, codeloco.

É muito engraçado estar num hotel. As pessoas me confundem com estrangeira por causa do meu biotipo. Isso não é de hoje! Pareço vinda de países nórdicos, então as pessoas me cumprimentam em inglês. Respondo em inglês e se a conversa espicha, digo que sou brasileira. Isso acontece com muita freqüência e ontem, jantando com noruegueses, eles achavam que, no mínimo, eu era sueca. Quase! Sou gaúcha, tche, e praticamente uma baiana, a ver o meu sossego atual...  O, meu  rei, que vida boa...

Como estou sem fazer nada, tenho me dedicado a observar as pessoas, o meu passatempo predileto. Tenho histórias inacreditáveis para contar no blog. O que eu vi na piscina e que uma esposa não viu, o barraco de um casal no quarto ao lado do hotel de luxo e por aí vai. Não percam!

No domingo – ou seria na segunda? Estou muito sem noção de calendário – jantei num restaurante do Pelourinho. Uma moqueca fantástica, mas o lugar era assustador para o meu gosto. Achei o Pelourinho muito sujo, com lixo acumulado nas ruelas. Muito feio. A comida, como sempre, ótima e o ambiente, do lado de dentro, idem.

Agora, com licença, preciso ir ali para fazer nada. Beijos mil. E se alguém de trabalhar não sou eu. Já fiz a minha parte.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O aprendizado da solidão (*)

Vera Pinheiro
            Ao contrário do que afirmam os românticos incorrigíveis, é possível ser feliz sozinho. Há quem duvide, tais como as pessoas que não sabem viver sem um par; as que acreditam piamente ser metade de alguém que é a sua outra parte; as que peregrinam de coração a coração em busca de sua alma gêmea, confiando que ela existe, e as que tornam os outros o centro de sua existência, abdicando de si para se dedicarem ao penoso esforço de fazer feliz a pessoa amada.

            Existem mulheres que não conseguem se imaginar sem um homem ao lado, por isso, mal terminam um relacionamento já partem para nova investida amorosa, movidas pelo extremo otimismo de que a próxima tentativa vai dar certo. Se não der, elas sacodem as emoções, sorriem e logo estão beijando na boca de novo. Adeptas do jargão “a fila anda”, elas têm excelente capacidade de virar páginas e de soterrar histórias. Não raro, se metem em encrencas, pois no afã de conquistar companhia, passam por cima de qualidades humanas absolutamente essenciais. Apesar das decepções e por não gostarem de ficar sozinhas, fazem tudo para sustentar a relação e apenas situações-limite levam-nas à ruptura do vínculo, o que imediatamente as repõem na busca de outro alguém. Elas juram que a dor de um amor com outro amor se cura.

            Outras mulheres pensam que a vida só faz sentido se encontram a sua cara-metade para compartirem sonhos, realizações, alegrias, contas a pagar e problemas cotidianos. Nessa divisão dual, falta a esse tipo de mulher a completude do ser em si mesmo e a inteireza que não está no outro, por mais que ele a faça sentir-se plena. Essas precisam de homens que construam e reforcem a sua autoestima, o que não é missão deles, mas delas como indivíduos que se valorizam. Tornam-se dependentes do afeto alheio e se desnutrem emocionalmente se abandonadas. Têm dificuldade de refazer-se sem ajuda masculina, pois a sensação de merecimento vem de fora, não é intrínseca. Passam seus dias à procura do idealizado, sofrem por não encontrarem o que procuram, não lidam bem com a realidade e colocam a felicidade como bem exequível somente ao lado de um homem. Essas se veem incompletas e inacabadas quando sozinhas.     

            Por não terem aprendido a vislumbrar a totalidade do seu ser, algumas mulheres não percebem que são constituídas de todas as suas partes e nada lhes falta, portanto não precisam esmolar carinho e atenção, tampouco amor. Porém, estão acostumadas à prática da mendicância afetiva e se humilham demasiadamente para não perder os homens, como se a permanência deles dependesse do quanto elas conseguem ser servis e submissas ao massacre de sua individualidade, e resignadas ao desrespeito.

            As que sonham encontrar sua alma gêmea desperdiçam valiosos dessemelhantes que cruzam o seu caminho. São as iludidas do amor perfeito, as que acreditam em contos de fada com final feliz e na existência de príncipes encantados em cavalos brancos, jogando versos, promessas e flores na janela. Eles não existem, mas não é de se lamentar. Homens perfeitos são mais falsos que uma nota de 30 reais. No entanto, as sonhadoras irremediáveis contrariam os fatos e transformam todos os sapos que lhe pulam ao colo no homem de sua vida, aquele por quem derramarão mares de saudade quando ele se for ou ao se revelar absolutamente comum e cheio de defeitos como todos os mortais.

            Enquanto atravessam a vida procurando alma que seja como a sua, espelho em que vê a própria imagem – o cúmulo da vaidade e da soberba – as mulheres querem um espécime masculino que reúna todas as virtudes e, além disso, tenha ótima formação, conta bancária recheada, que não recorra a cheque especial e pague em cartão de débito todas as necessidades e extravagâncias femininas, totalmente compreensíveis, claro. Cansadas dessa labuta, ficam com caras errados, mas bem intencionados, dizem elas.

            Finalmente, há muitas mulheres que descobriram – e adoraram – o aprendizado da solidão cheia de prazeres. São as que administram a vida sem apresentar relatórios a ninguém, gastam o seu dinheiro e a sua energia consigo, elaboram planos de voo sem auxílio de co-piloto e se abastecem de seu sucesso individual, seguras de quem são, do que querem e sabendo aonde pretendem chegar. Sentem-se felizes e não condicionam o seu bem estar à presença ou à ausência masculina, que é acessório, não o principal. Sobretudo, estão focadas em seus quereres e não se rasgam em paparicos aos homens. Curiosamente, são as que mais os atraem. E a fila só aumenta. De mulheres assim e de quem as queira.
   (*) Crônica publicada na edição de 5 e 6 de fevereiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O cão e a ovelhinha

Vera Pinheiro
Criar filhos e bichos requer muuuuuita sensibilidade. Essa não é uma comparação ruim, mas verdadeira. Bebês não falam, porém se expressam, e dá-se o mesmo com os animais. Olho para os meus cães e gatos e sei o que eles querem e do que necessitam. Sou fascinada pela minha família animal! Acho até que a minha vizinha do lado não fala comigo por me ouvir conversar com cães e gatos o dia inteiro. Deve pensar que sou doidinha de pedra. De manhã cedo, saúdo os bichos dizendo “bom dia, meus amores”, e os chamo pelo nome num tom de voz adocicado. Eles despertam o meu lado mais delicado.

Agora, fala sério, como alguém pode não ser doce na companhia de gatinhos como o Shinny e o Happy, que se deitam entre a tela do computador e o teclado, enquanto escrevo? Dentro de casa, ando como os gatos, devagar e sem fazer barulho para não assustá-los. Isso me dá mais leveza.

Baby, o pincher que foi abandonado em nossa casa e que consideramos um presente dos céus, tem lá suas peculiaridades. Ele morre de medo de avião, fogos de artifícios e trovões. Quando chove ele fica muuuuito inquieto. Anda de um lado para outro, dá plantão na porta de casa e não consegue ficar sozinho na casinha dele.

Noite dessas chovia muito e observei o comportamento dele. Não ficava com a matilha nem em sua casa na porta da cozinha. Estava perturbado o bichinho, com medo dos relâmpagos. Não podia dar-lhe o privilégio de trazê-lo para dentro de casa. E os outros, como ficariam? Tratamento igual para todos, isso é lei!

Aconcheguei-o no meu peito, enquanto procurava uma solução definitiva para a insegurança do cãozinho. Nisso dei com os olhos numa ovelhinha que ganhei de um recente quase namorado. Não entendo isso: tenho 55 anos e os homens continuam me dando bichinhos de pelúcia e de lã como se eu fosse uma adolescente! Que bobagem! Estariam me chamando de retardada?! Troquem isso por uma jóia de 24 quilates que eu vou achar ótimo! Alguns homens são muito abobados mesmo! Por que a capacidade masculina de observação do comportamento feminino é tão limitada?! Até parece que tenho 40 anos a menos, quando recebi o primeiro cachorrinho de pelúcia do meu primeiro namorado, aos 15.

Encontrei a solução para as angústias do meu cãozinho Baby! Peguei a ovelhinha do quase namorado, já um ex, e botei na casinha. Pra quê! Foi um casamento perfeito entre o cão e a ovelhinha! Baby dormiu a noite inteira aconchegado no bichinho de lã e dali para frente não choramingou mais quando chove e troveja! Acho que eles estão em plena lua de mel! Acho, não. Tenho certeza!

O único problema é que o gênio ruim (e quem não tem?!) do Baby se manifesta quando os outros cães se aproximam da casa dele. Ele cresce o pelo! Parece um pitbull! Tudo para proteger a sua ovelhinha. Não é lindo o amor?

 Baby chamegando a ovelhinha
Shinny e Happy, meus fieis escudeiros

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Brincando de casinha

Vera Pinheiro

Eu me aborreço profundamente com pessoas que se metem na minha vida ou que se atrevem a avaliar o que sinto e que é tão profundamente meu, um sentimento que somente compartilho em toda extensão com quem priva da minha intimidade. É algo que também recheia os meus escritos, porque escrevo com emoção, sempre. Fico muito chateada, por exemplo, com quem quer me botar no tronco, a levar chibatadas de horários, cobranças, humores vacilantes e nada de vida pessoal. E com aquelas que acham que, por não trabalhar (hã?!), estou deprimindo. Bah!

Essas pessoas imaginam que não posso viver longe do trabalho, esquecendo-se que estou aposentada há três anos e ainda não tinha parado de trabalhar. Estou me dando a chance de ver se gosto de brincar de casinha, cuidar do que é meu, ter toda liberdade e tempo só para mim. Estou adorando tudo isso, que nunca experimentei. E é claro que estou brincando quando digo que só faço trabalhar em casa. Na realidade, estou aprendendo a administrar o meu tempo, tendo a mim como prioridade máxima. Se quero fazer, faço e com prazer. Se não quero, não preciso fazer e pronto, ninguém me cobra. Deito e dou uma bela descansadinha na rede ou na cama pelo tempo que quiser. Tem luxo maior que isso?

Tem, sim. O silêncio, a paz, o sossego. Fazer compras em supermercado à tarde, sem correria nem cansaço e filas. Almoçar com uma amiga maravilhosa – né, Adriana? – e jogar conversa fora por horas, sem se preocupar em voltar ao trabalho. Poder ir a uma consulta sem dar explicações ao chefe e sem enfrentar a desconfiança do colega que olha imediatamente para o relógio, quando chegamos. Olhar vitrinas e não comprar, só pelo prazer do passeio. Tomar banho quando sente calor, a qualquer hora do dia. Esvaziar a mente de preocupações. Relaxar. Orar. Preparar a própria refeição sabendo da higiene da cozinha. Cuidar da casa como o melhor lugar do mundo, e é! Chegar ao requinte de simplicidade de escolher um shortinho e uma regata como roupa do dia. Usar chinelos, andar descalça, maquiar-se apenas quando quer e usar salto por opção. Ver um filme à tarde. Ir à podóloga e ao cabeleireiro, tudo à tarde. Ir para um SPA, preparar-se com calma para mais uma iniciação na Religião da Deusa, ficar três dias no meio do mato sem precisar pedir licença a chefe e sem ter de arrumar tudo à noite,  porque de dia se trabalha.

Ah, nunca tive um vidão desses! Eu quero, posso e mereço esse momento! E se quiser, volto ao mercado. Se EU quiser. Esse também é um luxo, depois de quase 40 anos de trabalho, que não é coisa pouca! Ufa. Vou descansar, que só de pensar já cansei.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Em busca de nova rotina

Vera Pinheiro

Foi-se o primeiro, acabou-se o segundo e o terceiro dia de fevereiro está quase no fim. Agora já é demais! Preciso criar uma nova rotina que me possibilite escrever todos os dias. Mas, impressionante, não tenho tempo! Nunca pensei que um dia teria o avental sujo de ovo e que me ocuparia entre o tanque, o fogão, o ferro de passar roupa e o rodo de limpeza. Tenho trabalhado de manhã à noite como aprendiz de dona de casa. Trainee de doméstica!  Levanto às 6h e às 22h ninguém pode falar comigo, pois estou no quinto sono, exausta! Se meu filho liga depois das 10 da noite não consigo falar duas frases com nexo. Tudo o que consigo balbuciar é “hã-hã, tá”. Tiau e bênção. Já estou dormindo depois de uma jornada estafante. Minha filha põe uma coberta por cima porque do jeito que eu deitar será como acordarei no dia seguinte! Tenho dormido como uma santa, sem dívidas nem pecados.

Em vários momentos penso em ir para o computador, mas as tarefas domésticas me desviam da intenção de escrever. Assim tenho adiado o meu retorno aos blogs. Mantenho, porém, a disciplina de escrever a crônica da semana para o jornal A Razão e a poesia mensal para o blog Poema Dia, e quando boto a alma no texto é justamente a hora em que o computador, sentindo-se alijado da minha rotina e tomado de enorme complexo de rejeição, resolve não funcionar.

Estou no computador da Camila. É como cozinhar na cozinha alheia, a gente fica bem perdidinha, sem os próprios ingredientes, ou seja, as nossas pastinhas e arquivos. Amanhã o técnico fará uma visita para ver o que houve com o meu equipamento. Tenho outro, pequenininho, mas não sei o que aconteceu. As letras do teclado dele estão cada vez mais miudinhas. Será que preciso aumentar o grau dos óculos?

Bem, por enquanto, enxergo bem. Melhorei da ceratite depois de um mês de tratamento e não quero outra. Colírio para os meus olhos só se for alto e bonitinho. Tipo rainha dos baixinhos, eu me apaixonei por muitos homens para quem podia olhar sem erguer a cabeça. E a propósito, a crônica desta semana fala de mulheres, paixões, necessidades e solidão.

Não me sinto sozinha. Em casa fico em absoluto silêncio durante todo o dia e gosto muito disso. Aproveito para fazer meditação em movimento. De vez em quando o silêncio é interrompido pelo latido dos cachorros ou pelo telefone, que não dá sossego! Como é que descobrem o número da gente para a oferta de tantos produtos? Nem estou a fim de pensar, tanto menos de avaliar se quero coisas. “Vou estar informando” que a dona da casa não está. Atendo o portão porque a matilha não para de gritar se tem alguém nele e quando saio à rua converso com as vizinhas. Isso é muito bom. Descobri que tenho uma paixão em comum com elas: o Vanish. Estou apaixonada por Vanish, o alvejante sem cloro. Depois dele até passei a usar roupas brancas. Brancas, não. Alvas como a minha alma pura e boa! Estás rindo de quê?!