sábado, 24 de novembro de 2012

Nós, mulheres (*)

Vera Pinheiro
            Nós, mulheres, somos seres espetaculares esculpidos pela inspiração divina. Não nascemos para passar trabalho, mas para sermos elevadas permanentemente à condição de musas. Nossas mãos não foram criadas para carregar baldes para faxina nem para sustentar o peso das compras de supermercado, mas para se dedicarem a acalentos e carícias em rostos muito amados. No máximo, poderiam carregar sacolinhas de lojas pagas por outrem, que não nós mesmas, a custo de muito esforço. Nossos braços não existem para medir forças com os homens, mas para dar neles abraços demorados. E para espichar mãos a serem beijadas ou para mexer nos cabelos muito bem arrumados sempre, a qualquer hora.

            Nossas pernas caprichadamente torneadas não são feitas para correr de um lado para outro atrás de preços baixos, mas para ir ao encontro de namorados ou de confidentes fidelíssimas com quem compartilhar tempo livre, que pouco temos. Se for para correr que nunca seja atrás de alguém que nos tenha abandonado, nos despreze ou ignore. A gente só precisaria correr atrás de duas palavrinhas irresistíveis: promoção e liquidação. É pra já! E para marcar boa quilometragem na ergométrica em horas e horas dentro da academia ou num SPA dentro de casa.

            A cabeça linda das mulheres não devia ocupar-se com as dores de todo mundo nem se dedicar tanto às preocupações com a família. Bem que podíamos ser acariciadas por cafunés intermináveis, o corpo usufruindo de massagens à disposição. Ah, massagear o ego, que bom! Ouvir que somos belas, maravilhosas, insubstituíveis, admiráveis e arrebatadoras quase sem fazermos nada, só pelo fato de sermos mulheres. Não haver ninguém que nos aponte os defeitos nem cite os equívocos, ninguém a nos relembrar imperfeições, tropeços, ambiguidades e controvérsias. Ninguém para nos dizer que somos falíveis como não gostaríamos de ser. Merecer respeito sem precisar reivindicá-lo e uma contemplação extasiada por quem somos.

            Seria tão bom se nós, mulheres, não fôssemos usurpadas em salários, o que nos faz trabalhar mais do que seria justo, acumulando ainda as tarefas de que não conseguimos abrir mão, como atender os filhos quando eles e nós voltamos para casa. Podíamos, com sobra de merecimento, desfrutar de mais descanso, lazer e muito mais prazer em sermos mulheres se nos sobrasse mais tempo e dinheiro para gastar conosco. Não aprendemos o saudável egoísmo de nos dedicarmos um tanto mais para nós mesmas. Se não temos filhos, há os pais. E irmãs, irmãos ou algum parente que precise do amparo que não conseguimos (e podemos?) negar.

            A nobre origem feminina não se destinava à pilha de louças por lavar, um batalhão de gente esperando comer por nossas mãos obreiras, varal cheio de roupas – ora para pôr, ora para recolher! Enquanto tratássemos de nossa linda e delicada pele, assemelhada à textura de um pêssego maduro e apetitoso, pensaríamos num jeito de consertar o mundo. E acharíamos uma solução, com certeza, se não estivéssemos tomadas de obrigações que nos tiram da cama num susto, de madrugada, e não os permitem dormir direito, tampouco mais cedo ou até tarde. Seria ótimo se houvesse pelo menos um turno de não fazer nada, coisa alguma! Sem sermos incomodadas por pilhas de contas a pagar, dependendo dos ganhos para um sustento que não é compartilhado.

            Nós, mulheres, merecemos que portas se abram à nossa presença! Que cadeiras sejam puxadas para que nos sentemos em conforto, que nos deixem passar primeiro, inclusive em meio ao trânsito maluco. Que nos perguntem o que queremos fazer, ir aonde, beber o quê? O mundo inteiro homenageando a formosura, o encanto e a incomparável alegria de sermos a fonte nutridora do amor, da bondade e da compaixão. E quem melhor do que nós, fazendo isso? Os homens não seriam capazes de nos causar nenhuma dor! Eles estariam aos nossos pés, beijando-nos incessantemente dali até a nossa cabeça iluminada (e com produtos e tratamentos de beleza em dia com os melhores lançamentos, claro!). Eles seriam uma espécie de súditos privilegiados pela convivência que lhes permitiríamos ter conosco.

            Nós, mulheres, enfrentamos a parte rude da vida com um sorriso no rosto e lágrimas trancadas na garganta. Resistimos bravamente às dificuldades sem perder a elegância nem a fé! Tomamos sustos sem cair da pose. Rimos e choramos ao mesmo tempo quando nos alegramos intensamente. Sofremos com dignidade e brigamos com a coragem aprendida com o que surpreendeu a nossa índole avessa a embates. Nós, mulheres, somos o máximo! Podem nos aplaudir agora mesmo!
 
          (*) Crônica publicada na edião de 24/25 de novembro de 2012 do jornal A Razão, de Santa Maria, RS (www.arazao.com.br)
 

           

           

 

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