domingo, 18 de novembro de 2012

A voz interior (*)

Vera Pinheiro

            Imagina alguém ao teu lado durante as 24 horas de cada dia e que, o tempo todo, te deprecia, critica impiedosamente os teus defeitos, te põe para baixo, enaltece as tuas fraquezas, duvida da tua capacidade e não bota a mínima fé nos teus talentos. Impossível!, dirias. “Eu nunca permitiria que alguém assim ficasse ao meu lado, daria logo uma dispensa!”, garantes. Será?

Pode ser que sim. Pode ser que não. Sabes por quê? Porque muitas vezes não toleramos mesmo que absolutamente ninguém aja desse jeito conosco, mas – muitas vezes também – nós agimos exatamente assim em relação a nós mesmos. É ou não é? Talvez não seja muito frequente ou não seja assim sempre, mas pelo menos uma vez na vida todos já estiveram na pele de seus próprios algozes, e quando nos colocamos nessa condição somos cruéis como qualquer outro não conseguiria ser. Então, devemos ser nossos maiores amigos, nossos melhores amores e os mais aguerridos defensores das causas que envolvem a nossa felicidade. E ninguém pode fazer isso melhor do que fazemos por nós. Esse é um assunto pessoal e intransferível. Não cabe delegar competência.

            A começar pela felicidade. Quantas vezes espichamos o olhar na direção de alguém, sonhando que aquela pessoa é capaz de nos fazer felizes? Ou, pior: em arroubos de paixão, fazemos promessas que não podemos cumprir. Juramos que vamos fazer o outro feliz como se fôssemos capazes de tamanha proeza. Isso é uma ilusão! Ninguém é capaz de trazer felicidade a quem se faz infeliz por sua conta e risco. Somos felizes com alguém, não pelo outro. Podemos contribuir para que ele seja mais feliz, mas não é de nossa responsabilidade fazê-lo feliz. Isso sequer se enquadra no rol de possibilidades.  Do mesmo modo, ninguém é responsável pela infelicidade de quem quer que seja. Dizer que alguém nos fez infelizes expressa que concedemos poder a outra pessoa para gerenciar as nossas emoções. Ser feliz ou infeliz é de competência própria, depende de nós, não dos outros.

            No meio de uma circunstância venturosa é corriqueiro que apareça quem diga “Estou tão feliz por ti!”. Vamos atribuir essa frase impensada aos ânimos entusiasmados por contentamento, mas é algo impossível de realizar. Pensemos: como transferir a felicidade que sinto para quem está infeliz? Não dá. O que podemos fazer é estimular a pessoa a encontrar motivos para reconhecer a felicidade, e o termo é esse: reconhecer! Senão, a pessoa encontra excelentes motivos para se julgar a mais feliz das criaturas sobre a face da Terra, mas não os reconhece. Sem reconhecer, nada feito! Fica cabisbaixo, contando as razões para sua infelicidade e alimentando-a com sua negatividade. O correto seria, então, afirmar: “Estou feliz contigo”. Ou seja, compartilho da felicidade que sentes e, no lado oposto, sou solidário contigo nas amarguras, desventuras e nos sofrimentos de todas as origens. Solidariedade, no entanto, não deve gerar culpa por não sofrer a dor do outro.

            E quando a gente é a corda que nos enforca, a pedra que rasga nosso joelho, o murro desferido em nossa autoestima? E quando assumimos o papel de nossos inimigos e nos derrubamos dos sonhos, sabotando as iniciativas e podando as chances de realização que temos, mas não aproveitamos? E quando somos, ao mesmo tempo, a voz interior que nos maltrata e o ouvido que acolhe as palavras rudes que proferimos a respeito de quem somos?

            Quando acontece de nos tornamos nossos adversários privilegiados pelas informações de como efetivamente somos, precisamos urgentemente fazer as pazes conosco e ingressar em novo tempo. Sabemos o que nos derrota e o que nos eleva, o que nos agrada e o que nos desgosta, o que nos contenta e o que nos aborrece. Podemos fazer uma escolha criteriosa do que queremos viver e ter conosco. A menos que seja caso de derrotismo crônico, é hora de sermos time e treinador, líder e equipe, todo mundo unido para a vitória da alegria! É hora de calar a boca se a gente não tiver nada melhor a dizer além de nos arrasarmos – o mundo já se encarrega dessa parte!

Que a voz interior tenha vez, mas fale com carinho! Vamos, sim, falar conosco, dizendo que somos as nossas melhores virtudes! Façamos um afago nessa pessoa fantástica que enxergamos no espelho todos os dias e dizer que nos amamos muito e que sabemos nos fazer felizes! Isso não é decretar independência e solidão, é se preparar emocional e energeticamente para encontros felizes com pessoas igualmente felizes que se aproximam atraídas pela felicidade que exalamos por todos os poros.

(*) Crônica publicada na edição de 10/11 de novembro de 2012 no jornal A Razão, de Santa Maria, RS (www.arazao.com.br)

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