Vera Pinheiro
Nós passamos a vida inteira tentando provar aos outros o que somos, como somos, por que somos e agimos de determinada maneira. Buscamos, com isso, nos impor, situando-nos perante os demais e, também, ser validados pelos grupos de nossa convivência, aos quais solicitamos legitimação que consideramos essencial e não dispensamos. Mesmo que pareçamos insensíveis ao juízo alheio, queremos conquistá-lo ou dobrá-lo. A ideia é marcar território, dizer a que viemos e, assim, sugerir que melhor nos conheçam para que nos admirem, mas, se não puderem ou não quiserem fazê-lo, que nos aturem, pois não pretendemos arredar pé do que escolhemos ser e viver, ainda que isso nos custem confrontos e muitas lágrimas.
Na mais tenra idade, queremos provar que não somos crianças e que podemos diminuir as proibições e alargar as permissões, fazer coisas por nós mesmos, sem a supervisão de um adulto. Porém, não estamos preparados para assumir todas as responsabilidades que advêm da liberdade. Queremos desfrutar sozinhos os acertos e as vitórias, mas entregamos os erros para que os mais velhos os corrijam. Isso não é fuga, mas impossibilidade de resolver questões que estão além da nossa competência.
Vivemos com sofreguidão a adolescência, ansiando que o tempo corra e que sejamos adultos logo, para não precisarmos provar a ninguém que somos jovens, mas podemos assumir a nossa vida sem conselhos que não pedimos e alertas que julgamos desnecessários. Passamos a provar que, mesmo com pouca idade, merecemos um voto de confiança e encargos cada vez mais exigentes, embora nos deparemos com descrédito, e fazemos tudo para não lhe dar razão. É preciso vencer o desafio de ser jovem demais, mostrando dons, aptidões e conhecimentos já que, nessa etapa, não temos experiência a exibir.
Alcançamos a idade adulta com saudade do tempo em que não tínhamos tantos compromissos e sobrava tempo para resolver o mundo por nossa conta e risco, a qualquer custo. Queremos provar que ainda nos resta frescor e viço, enquanto ganhamos idade, e que o passar do tempo não nos é desfavorável. Pelo contrário, consideramos o tempo um aliado, até porque não adianta tê-lo como inimigo, já que a pose de implacável é dele, e a nós cabe a postura de não vítima. Provamos, então, a sabedoria adquirida aos poucos, sorvendo lições de tudo o que nos acontece. Comprovamos de que fibra se compõe a nossa altivez diante das dificuldades, quanta força e coragem há no farnel que carregamos durante a caminhada rumo aos objetivos, sonhos e desejos. Já provamos que somos capazes, agora queremos provar que somos indestrutíveis naquilo que levamos uma vida para construir, e a que sacrifícios!
A velhice nos exige provar que vivemos bem até nos encontrarmos com ela, que conseguimos manter a saúde boa e que temos condições de provar que esta é, mesmo, a fase da “melhor idade”. Tornando-nos idosos, comprovamos se fizemos tudo certo em relação à família e à profissão, que sabemos parar na hora certa, e que podemos, enfim, nos recobrar de todos os esforços empreendidos e desgastes sofridos ao longo da extenuante jornada. Tomamos consciência de que nem tudo depende de nós, que muitas situações acontecem à revelia do nosso querer, que diversas circunstâncias prescindem de nosso comando, que efetivamente não podemos exercer controle sobre tudo em torno, tampouco sobre todos, como tentamos provar que podíamos fazer sem padecimentos, apenas por doação e zelo. Tentamos provar que aceitamos ser dispensáveis e que agora podemos colocar em prática vários projetos pessoais exclusivos, intransferíveis e inadiáveis, e que seremos, doravante, prioridade máxima em nossos quereres.
Entre provas e provações, a vida passa. Provamos que a compreendemos quando superamos as vicissitudes e fazemos dos problemas um aprendizado. Provamos que temos fé se não desesperamos diante de riscos iminentes e confiamos na providência divina. Provamos que as dores importam menos que a felicidade, ainda que tardia. Provamos que não há solidão enquanto houver uma mão amiga a amparar nossas angústias. Provamos que tudo o que vivemos valeu a pena se não há motivos para arrependimento ou mágoas, e que o perdão substitui a amargura. Provamos que o amor existe se ele ocupa espaço que seria do ódio e da indiferença. E provamos que não precisamos provar nada se temos convicção de quem somos.
(*) Crônica publicada na edição de 11 e 12 de dezembro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.
E não precisamos provas nada a ninguém nunca!
ResponderExcluirótima crônica, Vera!
Abraços!
Nolli, queridíssimo e inspirado poeta.
ResponderExcluirMuito obrigada pela visita, pelo recado e pelo carinho.
Abraços!