Vera Pinheiro
Sempre achei que as mulheres são reparadeiras, mas estou começando a mudar de opinião para atribuir aos homens também o hábito de reparar na vida alheia. O detalhe é que o termo “reparadeira” é substantivo feminino que significa “mulher que repara em tudo, que tudo olha”, e não há correspondente masculino na Língua Portuguesa. Pode uma coisa dessas? O substantivo masculino “reparador” significa outra coisa: “Que ou aquele que repara, que melhora, ou fortifica”. Assim, reparar não tem a ver com a questão, mas com refazer, restaurar, consertar e outras palavras assemelhadas. Mas posso garantir: os homens reparam, sim! E muito! Talvez até mesmo mais do que nós, mulheres, o fazemos. Ou tanto quanto.
Nesta semana, eu almoçava no restaurante do serviço com três colegas. Como sou lerdinha para fazer as refeições (ainda bem, porque isso é mais saudável do que a pressa), demorei a terminar o meu almoço e as três, precisando retornar às suas atividades, saíram da mesa antes de mim. Sentaram-se, então, dois homens, um de cada lado da mesa e eu na cabeceira, onde costumo me acomodar para ter melhor visão do espaço onde me encontro. Tal e qual os homens, gosto de ficar com a parede às costas, e quando vou a um restaurante com um deles quase disputo essa posição de resguardo, mas me controlo e dispenso o privilégio da localização no ambiente. Afinal, homens ficam inseguros com gente às costas. Isso é um comportamento masculino ancestral para se prevenir de ataques pela retaguarda. Quem deseja comprovar, basta fazer com que eles se sentem de frente para a parede e de costas para o público e observar como ficam inquietos e desconfortáveis na cadeira.
A conversa começou e a primeira pergunta de um dos homens foi curiosa: sobre o meu carro. Hã? Quase engasguei com o osso do peixe, mas me recompus a tempo de responder, engolindo a questão “Por que, raios, ele quer saber isso?”. Como entro em assunto de carro com um homem que, provavelmente, sabe muito mais do que eu? Estará me testando? Aaaah, que desafio bom!
Num átimo, lembrei de todos os manuais de automóveis que já li para reunir um cabedal de conhecimento próprio. As reportagens sobre carros passaram na minha cabeça num instante e, igualmente, as opiniões masculinas, principalmente as do meu filho, que verdadeiramente levo em conta, sobre a matéria.
Falei com propriedade, desculpem a falta de modéstia. Qualidade dos pneus, desempenho do motor, espaço interno, design externo, mecânica, estabilidade, agilidade, economia, conforto e itens tecnológicos. Depois, falei das frescurinhas que a gente, mulher, adora: porta-trecos, espelhos, cores, assentos aveludados, acessórios e utilidades etc e tal. Foi nesse ponto que os dois homens retomaram o assunto para dizer que a indústria automobilística se preocupa com detalhes que encantam as mulheres porque elas se tornaram grandes compradoras. E eu não sei? Sei, mas deixei que eles falassem. Afinal, enquanto eu discorria sobre carros os dois se calaram. Ambos estavam boquiabertos, com os garfos paradinhos no ar e os braços apoiados na mesa.
No entanto, a prosa não acabou nisso. Quando, enfim, respirei e lhes dei a palavra, um deles diz ter reparado que o meu carro está sempre muito limpo, apesar do tempo chuvoso em Brasília nesta época. “Como é que ele viu?!”, pensei. Nunca cruzei com a pessoa fora do ambiente de trabalho e sequer o vi no estacionamento onde tenho uma vaga fixa. Será que ele reparou nisso também?! Quem mais repara em quem?
Daí, então, a conversa convergiu para o que os homens, em geral (com as honrosas exceções que confirmam a regra), adoram: lavar carro. Acrescente-se o olhar desvanecido deles quando o trabalho termina e pode ser contemplado com verdadeira idolatria... e a última passadinha de flanela para alcançar um brilho extra na lataria onde é possível espelhar o sorriso de satisfação. Eu faço isso! Trocamos informações a respeito e não me neguei a repassar as dicas que um lavador de carros me ensinou. Eles questionaram, ainda, como mantenho as unhas arrumadas, no que também repararam. Aí não pude explicar, porque certas coisas só uma mulher sabe quanto esforço custa! Homens não entenderiam.
(*) Crônica publicada na edição de 4 e 5 de dezembro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.
Alguns homens não acreditam que as mulheres também entendem e podem exprimir opiniões sobre carros. Ficam incomodados quando elas ultrapassam as suas expectativas. Tá por fora quem ache que homem não repara e comenta algumas coisas que presenciam. Que aulão você deu, hem????
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