Vera Pinheiro
Às vezes, a
gente acorda nublada. Em momentos assim é quando mais se precisa de um abraço
extenso, forte, acolhedor, que nos enrole completamente nos braços de alguém e
nos dê a impressão de que ali é o melhor abrigo, senão o único, e que nesse
recanto está toda a proteção contra riscos, perigos, dores, frustrações,
desencantos.
O melhor
abraço não é o que se dá nem o que se recebe, é o que se troca. Num abraço
compartilhado estão o coração, a expressão do sentir, um pedaço da alma, o
intercâmbio das sensações, o impulso das vontades, a generosidade e o estímulo,
a confiança e a coragem.
Um abraço precisa do corpo inteiro para tocar o
coração. Não pode ser vago nem distraído, tampouco frouxo. Enrosca o coração do
outro, aninha no peito, põe as almas em contato. Demora-se, não tem pressa nem
se esquiva ou foge. Acaricia a alma, desfaz temores e angústias, encoraja a
enfrentar o que parece pesado demais aos ombros e além dos limites da
suportabilidade. Recompõe as forças e manifesta afeto. É entrega de si mesmo
sem medidas. Abraçamos as pessoas com a própria vida e ofertamos inteiramente
nosso afeto.
Um abraço
expressa o que se sente, traduz o que não se diz. Não mente, não consegue
fingir. Sentimos quando um abraço é sincero, integral, e quando ele é
dissimulado, falso, meramente protocolar. Abraços que apenas cumprem
formalidades não emocionam nem comovem, falta espontaneidade para o
entrelaçamento, e logo a gente se desvencilha dele. É muito difícil permanecer
abraçado a pessoas que rejeitamos, e não é pelo corpo, é rechaço de uma vida
que não se encaixa na nossa.
A gente abraça
de coração quando sente vontade. É uma deliberação ou um impulso que não se contém.
Mima, enternece, ampara, cura. É contentamento, explosão de alegria que marca
reencontros felizes. É confidência silenciosa do bem-querer. Não é preciso
dizer nada quando se troca um abraço de amor. Não há o que exprima
solidariedade de um jeito tão bonito quanto um abraço com sentimento.
Podemos
conhecer as pessoas pelo jeito como abraçam. Há quem não se deixa tocar, não
chega perto, não se envolve no contato, há quem evite mesmo abraçar e ser
abraçado. Estendem as mãos, beijam na boca, fazem sexo, mas não trocam abraços,
que revelam a intimidade da pessoa, se é pouco generosa, fugidia, desconfiada,
nada confiável.
Quem não
confia não abraça de verdade. Não abraçamos os inimigos, embora possamos
cumprimentá-los e conviver harmoniosamente com eles. Abraços a gente reserva
para os amigos, as pessoas da família, os verdadeiros afetos, os que estão
próximos de nós e nos conhecem bem. Os desconhecidos se abraçam para dar
boas-vindas um ao outro, mas a continuidade disso dependerá da caminhada da
amizade.
Abraçamos por
razões diversas. Porque alguém precisa, porque estamos com saudade, porque há
tempos não vemos uma pessoa querida. Voltando de viagem, despedindo-se na
partida, na surpresa do encontro, na hora da dor, numa situação de tristeza,
para consolar ou ser consolado, nas comemorações. Para mostrar que estamos
solidários com o problema de alguém, felizes com uma boa notícia, exultantes
com uma grande vitória, contentes porque um projeto deu certo, alegres por um
resultado há muito esperado.
Tendo uma boa
razão, abraçamos as pessoas da nossa estima para dizer de nossa felicidade ou
corremos para o abraço delas nos momentos de desalento, preocupação, tristeza
ou dor. No entanto, o melhor abraço não precisa de razão, não requer
explicação, exposição de motivos, arrazoado prévio. Feliz mesmo é abraçar por
abraçar quem a gente ama, abraçar só por amor, e de mais não se precisa.
Abraçar a
pessoa amada demoradamente só porque ela existe. Abraçar os filhos e os pais
apenas porque estão nas nossas vidas. Abraçar os amigos mais queridos por nada
e qualquer coisa. Abraçar todos os dias para alimentar a alma de afeto, para
transbordar de carinho, para se iluminar de felicidade nesse gesto simples e
grandioso, trivial e extraordinário. Por um mundo mais fraterno, vamos nos
abraçar uns aos outros e abraçar a vida carinhosamente. É o maior presente que
se dá e o melhor que se recebe.
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