quarta-feira, 22 de maio de 2019

Abraço


Vera Pinheiro

Às vezes, a gente acorda nublada. Em momentos assim é quando mais se precisa de um abraço extenso, forte, acolhedor, que nos enrole completamente nos braços de alguém e nos dê a impressão de que ali é o melhor abrigo, senão o único, e que nesse recanto está toda a proteção contra riscos, perigos, dores, frustrações, desencantos.
O melhor abraço não é o que se dá nem o que se recebe, é o que se troca. Num abraço compartilhado estão o coração, a expressão do sentir, um pedaço da alma, o intercâmbio das sensações, o impulso das vontades, a generosidade e o estímulo, a confiança e a coragem.
Um abraço precisa do corpo inteiro para tocar o coração. Não pode ser vago nem distraído, tampouco frouxo. Enrosca o coração do outro, aninha no peito, põe as almas em contato. Demora-se, não tem pressa nem se esquiva ou foge. Acaricia a alma, desfaz temores e angústias, encoraja a enfrentar o que parece pesado demais aos ombros e além dos limites da suportabilidade. Recompõe as forças e manifesta afeto. É entrega de si mesmo sem medidas. Abraçamos as pessoas com a própria vida e ofertamos inteiramente nosso afeto.
Um abraço expressa o que se sente, traduz o que não se diz. Não mente, não consegue fingir. Sentimos quando um abraço é sincero, integral, e quando ele é dissimulado, falso, meramente protocolar. Abraços que apenas cumprem formalidades não emocionam nem comovem, falta espontaneidade para o entrelaçamento, e logo a gente se desvencilha dele. É muito difícil permanecer abraçado a pessoas que rejeitamos, e não é pelo corpo, é rechaço de uma vida que não se encaixa na nossa.
A gente abraça de coração quando sente vontade. É uma deliberação ou um impulso que não se contém. Mima, enternece, ampara, cura. É contentamento, explosão de alegria que marca reencontros felizes. É confidência silenciosa do bem-querer. Não é preciso dizer nada quando se troca um abraço de amor. Não há o que exprima solidariedade de um jeito tão bonito quanto um abraço com sentimento.
Podemos conhecer as pessoas pelo jeito como abraçam. Há quem não se deixa tocar, não chega perto, não se envolve no contato, há quem evite mesmo abraçar e ser abraçado. Estendem as mãos, beijam na boca, fazem sexo, mas não trocam abraços, que revelam a intimidade da pessoa, se é pouco generosa, fugidia, desconfiada, nada confiável.
Quem não confia não abraça de verdade. Não abraçamos os inimigos, embora possamos cumprimentá-los e conviver harmoniosamente com eles. Abraços a gente reserva para os amigos, as pessoas da família, os verdadeiros afetos, os que estão próximos de nós e nos conhecem bem. Os desconhecidos se abraçam para dar boas-vindas um ao outro, mas a continuidade disso dependerá da caminhada da amizade.
Abraçamos por razões diversas. Porque alguém precisa, porque estamos com saudade, porque há tempos não vemos uma pessoa querida. Voltando de viagem, despedindo-se na partida, na surpresa do encontro, na hora da dor, numa situação de tristeza, para consolar ou ser consolado, nas comemorações. Para mostrar que estamos solidários com o problema de alguém, felizes com uma boa notícia, exultantes com uma grande vitória, contentes porque um projeto deu certo, alegres por um resultado há muito esperado.
Tendo uma boa razão, abraçamos as pessoas da nossa estima para dizer de nossa felicidade ou corremos para o abraço delas nos momentos de desalento, preocupação, tristeza ou dor. No entanto, o melhor abraço não precisa de razão, não requer explicação, exposição de motivos, arrazoado prévio. Feliz mesmo é abraçar por abraçar quem a gente ama, abraçar só por amor, e de mais não se precisa.
Abraçar a pessoa amada demoradamente só porque ela existe. Abraçar os filhos e os pais apenas porque estão nas nossas vidas. Abraçar os amigos mais queridos por nada e qualquer coisa. Abraçar todos os dias para alimentar a alma de afeto, para transbordar de carinho, para se iluminar de felicidade nesse gesto simples e grandioso, trivial e extraordinário. Por um mundo mais fraterno, vamos nos abraçar uns aos outros e abraçar a vida carinhosamente. É o maior presente que se dá e o melhor que se recebe.

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