sexta-feira, 29 de março de 2013

Questão de aparência (*)


Vera Pinheiro
            Entrando em um estabelecimento, fiquei à espera de alguém que me atendesse. Sentei, que esperar em pé não compensa. Um casal estava sendo atendido e, sentado ao meu lado, um homem relativamente jovem, porém grisalho. Quando o casal se retirou, levantei num impulso, mas a atendente quis cumprir a praxe.
            - Pela ordem, esse senhor está na fila há mais tempo.
            Não deu um intervalinho de segundos para o homem retrucar em alto e bom som:
            - Ela tem direito à fila preferencial.
            “Ela”, no caso, me incluía. Entrei em rol a que não pertenço ainda.
            Olhei para os lados, procurando mulher que se encaixasse na afirmação do homem. Ninguém. Tive de conter o acesso de riso. Eu ainda não cheguei ao direito, mas já estou sendo beneficiada por antecipação. Ou pela aparência, vai saber o que passou na cabeça daquele ser humano desavisado.
            Sempre me divertem as situações inusitadas – e injustas! – de me tomarem por mais velha do que sou. Faz tempo que ninguém me pede Carteira de Identidade para atestar maioridade. Porém, é caso de questionar: e se eu tivesse problemas sérios com o avanço da idade, como seria? Um cara poderia ser espancado com uma bolsa e não entenderia o motivo.
            Fiz uma promessa. Na próxima vez que isso acontecer vou dar um jeito de situar o sujeito. Homens são mais abusados do que as mulheres, e não mudam! Falta-lhes a nossa elegância e sensibilidade! Mesmo que tenham a mais absoluta e incontestável certeza de que temos direito à fila preferencial, não custa a amabilidade de oferecer a preferência pelo simples (ou complexo) fato de sermos mulheres. Fácil assim.
            Nós, do universo feminino, fazemos isso de modo bem mais sutil. Aliás, as mulheres são muito mais sutis sempre! Nunca dizemos que outra pessoa tem direito à atendimento preferencial, mas lhes oferecemos a passagem, a vaga, o assento, a primazia. Decididamente, homens têm muito a aprender conosco. Apesar de todo conhecimento e avanços, muito deles continuam trogloditas. E nos arrastam pelos cabelos frequentemente, o que estimula a nossa raiva, não sem razão.
            E se a gente chamasse na cincha um sujeito desses?! Fico imaginando a cena:
            A atendente diz que a vez é do homem e ele diz, apontando para a gente:
            - Ela tem atendimento preferencial.
            Observação: ele não sugeriu, perguntou ou supôs. Afirmou. Merece uma pedrada na testa tamanha insensibilidade no modo de conduzir a cena.
            Pensei em algumas respostas à altura.
            - O senhor já fez a sua consulta oftalmológica este ano? Deve estar precisando de óculos! Eu não tenho direito a atendimento preferencial, mas é provável que o senhor, sim. Passe adiante, pois!
            Imagino a cara lívida do sujeito.
            Algumas amigas minhas, com quem comentei o caso, pegariam mais pesado na resposta. Prefiro algo mais light.
            - O senhor é um babaca.
            Nenhum homem admite ser chamado de babaca e eles, mesmo que tantas razões possuam, nunca entendem por qual motivo estão sendo chamados assim. A conferir. Parece bom chamar de babaca um cara deselegante. Sem dispensar o ar blasé e uma virada de costas cinematográfica!
            Mas a cena merece uma boa resposta, claro que sim. Para ficar (ainda mais) linda, a gente gasta uma fortuna com cabeleireiro, manicures, podólogos, massagistas, acupunturistas, dermatologistas etc e, num repente, um sujeitinho, que a gente nunca viu mais gordo, nos enquadra, dizendo que temos direito a atendimento preferencial. Esse é o tipo de coisa que precisamos assimilar primeiro para depois nos colocarmos em nível de exigência: tenho direito, quero, posso e mereço! E é bem mais confortável exigir do que alguém achar que somos merecedoras, tentando nos fazer um favor.
             Eu ri da situação, mas poderia não ter sido assim. Quem sabe eu teria gritado pelo meu terapeuta, rolado no chão, me dizendo injustiçada ou enfiado um tabefe no homem que se deixa levar por suas suposições, mais do que pelos fatos. Ainda bem que sou uma pessoa muito calma! Quem me conhece, sabe. E não me desmintam que perdem a amiga!

 (*) Crônica publicada na edição de 30/31 de março de 2013 no jornal A RAzão, de Santa Maria, RS. (www.arazao.com.br)

 

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