sábado, 16 de março de 2013

Quase não é tudo (*)

Vera Pinheiro
            Quando a gente vê... já passou dos 30! Num repente, o meu filho Gui já passou dos 30 também e a minha filha Camila é uma mulher de quase 30. Ela está chegando à fase que inspirou o francês Honoré de Balzac a enaltecer as mulheres emocionalmente amadurecidas para viver o amor em plenitude. Digam o que disserem sobre as virtudes e alegrias da chamada melhor idade, mas como é bom ter 30 e poucos anos... ou quase 30.
            Animadíssima com o aniversário, Camila celebrou a data exatamente sob o slogan “Uma mulher de quase 30”, enquanto sua aparência gera desconfiança de que ela aumenta a idade. Não é raro que lhe peçam documento que ateste maioridade e que surpreenda positivamente a capacidade profissional avantajada para “uma menina”. De vez em quando percebo seus esforços para mostrar-se um tanto mais velha e logo a demovo da ideia, até porque, se aumenta a idade dela, a minha também cresce, e estou confortável nos meus, digamos, 50 e alguns, e não me apresso.
            Três gerações de mulheres na família mostram que a vida muda muito, e os 30 anos não escapam disso. Aos 30, minha mãe era dona de casa, tinha cinco filhos e eu não era nascida ainda. Nos meus 30, tinha dois filhos, carreira, casa e marido para atender e fazia o segundo curso superior. Aos quase 30, minha filha é solteira convicta, faz pós-graduação e mantém o foco no desenvolvimento da carreira profissional. Eu não a censuro, pois de tudo, o que ninguém nos tira é o estudo, já sentenciava a mamita, priscas eras.
            Quase 30 ainda não são 30, mas dá ares de mulher ao rostinho de menina. Porém, como tudo na vida, ainda não é o que poderá ser, quando puder vivenciar todas as possibilidades de determinada fase, e vale para todas. Por isso eu comemoro a idade que tenho até a virada! E quase, afinal de contas, não é tudo.
            Quase é uma palavrinha que coça a ansiedade da gente. Quando esperamos um encontro que festeja todos os sentidos, o coração pulsa no ritmo dos segundos: “Está quase chegando a hora!”. O noivo no altar respira curtinho e mal se aguenta sobre as próprias pernas na espera que quase o faz correr à porta. O casamento está quase acontecendo e a noiva não chegou!
            Na escola e também na faculdade, um suspiro desolado acompanha o aborrecimento de quase ter sido aprovado. Faltou pouco, terá que ir à mais uma prova. E antes, a determinação de passar no vestibular faz tentar a seleção de novo. Quase foi selecionado, então precisa estudar mais um pouquinho! Um ponto pode ser decisivo para chegar lá, deixar o quase que não inclui o nome da lista de aprovados.
            O esforço para emagrecer não permite aos olhos desgrudarem da balança. O peso ideal está quase ali, requer um esforço extra para manter os propósitos da reeducação alimentar. Quase sucumbiu aos apelos do paladar, mas bravamente resistiu!
            Ainda não foi desta vez! Quase acertou na loteria. Confere os números,  quase deu, na próxima quem sabe acerta, e até não se importa em dividir o prêmio milionário com outro apostador. Quase! Tirou uma lasquinha para acabar de vez com os problemas financeiros! E tem quem quase passou no concurso para um emprego fabuloso, mas o nome ficou no cadastro reserva, talvez mais tarde chamem os excedentes, que quase puderam assumir o cargo. E quase foi chamado para uma vaga que outro conseguiu. Na trave! Quase gol.
Nas atividades cotidianas, o quase está quase sempre presente. Não raro, a gente levanta meio atrasado e quase se atrasa para o trabalho, e se chegar tarde o chefe quase nos bota para fora! Na cozinha, se não houver boa atenção e máximo cuidado, a comida quase queima na panela, o leite quase vira e a água para o chimarrão quase ferve.
Nos relacionamentos, então, o quase é figurinha carimbada! Bem que a gente queria se apaixonar por alguém que, realmente, quase nos pegou de jeito o coração, mas ainda não esquecemos de outra pessoa, com quem quase nos casamos, mas não deu certo. E há quem esteja em nosso encalço e quase nos conquista, mas estamos dando um tempo que já demora demais e quase beira a eternidade. O quase ronda as histórias da vida de dois que ficam e quase namoram, mas ainda não.
- Foi bom pra você?
- Quase.
Vira para o lado, disfarça ou ri da situação. Nada a fazer nem a declarar no caso. O que não dá para admitir é viver pela metade, quase ser feliz, quase amar de novo, quase realizar os sonhos. Viver e ser feliz dependem da inteireza das vontades, saindo do quase foi para o já é!
 
(*) Crônica publicada no jornal A Razão (www.arazao.com.br) na edição de 16/17 de março de 2013.

Um comentário:

  1. Você já leu o poema "Quase" do Luís Fernanda Veríssimo? Ele fala justamente sobre as pessoas que vivem no "quase"....

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