domingo, 13 de maio de 2012

Quando mais me sinto mãe (*)

Vera Pinheiro
            Não é quando exerço plena autoridade materna ou quando estou fortalecida pela coragem e vitalidade que eu mais me sinto mãe. É exatamente quando estou fragilidade pelas vicissitudes e baqueada por dores físicas ou emocionais que verdadeiramente me coloco na posição de mãe.
            Já vai longe o tempo em que tinha vigor para sustentar os filhos nos braços. Hoje eles me põem no colo e afagam o meu coração se preciso recobrar forças para enfrentar os embates que não poupam os que envelhecem.
            Não preciso dar-lhes conselho sobre coisa alguma, eles sabem dispor de suas vidas com discernimento e equilíbrio. Porém, a gentileza deles é tamanha que jamais se esquecem de me dar a sensação de que meus conselhos são os mais sábios e as minhas indicações de caminhos as melhores, embora saibam que acumulei equívocos que me custaram calos na alma.
            Às vezes me escapa o riso e choro muito. Nesses dias, meus filhos alternam a leveza da juventude, que sorri com facilidade, com o acolhimento de quem compreende, mas não reforça a tristeza, espanta-a! É quando eles aliam solidariedade com entendimento, e não deixam que eu me arraste no motivo da tristeza. Ajudam-me a resolvê-la, antes me devolvendo o ânimo.
            Se não sei todas as respostas para as perguntas que faço, eles fazem cessar os questionamentos com a confiança de tudo vai ficar bem pela aceitação das circunstâncias, mesmo que eu não entenda alguns fatos. A mente inquieta impede o melhor raciocínio e as decisões acertadas, então serenam as minhas angústias.
            Quando insisto em remexer o passado, meus filhos me lembram que esse é um lugar de visita, não de permanência, e que é para frente que se anda. Eles mostram que, mais importante que o ontem e o amanhã, é verdadeiro presente estar aqui e agora, aproveitando o melhor que o hoje oferece. Saudosismo não combina com quem cultiva esperanças e se banha em otimismo todos os dias, e não se deve alimentar sequer a saudade boa, pois ela machuca e ao mesmo tempo retém as lembranças do que – ou quem – passou e não voltará.
            Nos momentos em que evito encarar no espelho a denúncia que a vida construiu rugas em meu rosto e pintou de prata reluzente a cor dos meus cabelos, meus filhos apontam uma beleza que reconheço apenas no olhar amoroso deles, mas acredito. Ao constatar que o meu corpo exibe as implacáveis marcas do tempo, eles insistem que estou cada vez melhor, e troco a vaidade pela concordância com o novo desenho da aparência. Eles não dão valor ao que é efêmero, passageiro, provisório. Cultivam o que, por seu valor, merece conquistar vaga na eternidade. Beleza não acaba, muda. E ao envelhecer, mãe fica ainda mais bonita, e isso não é consolo. É que a gente mais a aceita como é.
            Se a desesperança se avizinha, eles correm em meu socorro. Tiram da memória todas as minhas vitórias e fazem delas bandeirolas para enfeitar a minha janela, recordando o meu antigo entusiasmo e a eficaz valentia para resolver problemas, sem me deixar abater. Pegam-me pelas mãos e andam comigo pelo jardim, entre flores e borboletas, e enquanto elas viverem, a alegria é uma real possibilidade. Levam-me, depois, ao pomar e colhem frutos doces, saboreados na hora, para elevar a gratidão à natureza generosa e farta, apesar dos ataques que sofre. Erguem os braços para o céu e saúdam o sol que anima o dia. À noite, fazem-me retornar à contemplação da lua e das estrelas que adornam o meu recanto. De fato, não dá para chorar por qualquer coisa ou por quem não merece! A vida é mesmo bela, apesar do peso dos pesares.
            Quando tenho impressão de que vou desanimar e sucumbir, meus filhos reacendem minha luz interior, onde tudo se resolve. Recobram em mim a fé que lhes demonstrei, a coragem que lhe dei como exemplo, a perseverança que tive como impulso realizador, a persistência que alavanca projetos e a determinação que afasta obstáculos. Carinhosos, eles me lembram a pessoa que sou, se esqueço de mim e do que posso ainda ser. Nos momentos em que eles se revelam no que lhes ensinei, é que realmente vejo a mãe que sou. Assim, sou toda gratidão ao ventre de onde vim e ao meu ventre, que os gerou. Graças dou à minha mãe, aos filhos que tenho e à mãe que pude ser.
(*) Crônica publicada no jornal A Razão na edição de 12 e 13 de maio de 2012.
Fotos abaixo: Meus filhos Guilherme e Camila; Mamita com quatro de seus seis filhos, e eu com meus filhos, incluindo o literário.



 

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