Tentação não é apenas a gente se
inclinar a fazer alguma coisa. Difere de tentativa, ato que nos faz por em
prática uma ideia ou executar um projeto, e que tanto pode dar certo como
restar frustrada. Tentações são armadilhas que estão à espreita de um deslize
nosso, de um mero esquecimento de como devemos nos conduzir pela vida, de um
voto de aceite expresso por uma brecha de virtude em algum aspecto de nosso comportamento.
Somos tentados a odiar o mundo e
todas as pessoas quando nos sentimos vilipendiados por confiarmos em alguém. A
traição de quem acreditávamos merecedor de nossa melhor confiança fere
profundamente os nossos sentimentos. Isso nos leva a transferir aos outros a dor
que experimentamos, passando a desconfiar de tudo e de todos, assim revelando
uma autoestima claudicante. Para não nos enclausurarmos na desconfiança,
precisamos isolar o fato e a pessoa. Ninguém tem de pagar pelo que aconteceu.
Fatos têm a virtude de terem o invólucro de determinado tempo e espaço, por
isso ganham logo a estrada do passado, embora repercutam ainda depois. Fatos
vêm com data de validade e contra eles não há o que possamos fazer, senão, ao
máximo, tentar evitá-los ou corrigir seus efeitos e danos. Por mais dolorosos
ou felizes que sejam, eles passam. Pessoas que nos feriram também passam, a
menos que as resgatemos com nossas repetidas e magoadas lembranças ou pelo
perdão que, no entanto, não chama à convivência. Esta depende exclusivamente de
nossas escolhas e decisões.
Com tantas falsas promessas de
felicidade – ou com tantas promessas de falsa felicidade – deixamo-nos
acalentar pela ideia de que podemos ser felizes mesmo quando passamos por cima
dos outros, se os enganarmos, se não nos importamos pelas feridas que plantamos
no coração de quem está conosco por qualquer dessas contingências que aproximam as pessoas sem sabermos as razões.
Essa é uma tentação que mede a retidão de nossos valores. Não há felicidade
real quando ela se constrói sobre o infortúnio alheio ou tendo como fundamento o
engano. Mais cedo ou mais tarde a vida mostra que ser feliz necessariamente tem
de ser bom para nós, para todos e para o Todo, pois estamos universalmente
integrados.
A tentação da vaidade faz crescer desmesuradamente
as qualidades e os méritos que temos pelo que somos e fazemos. Nada é
suficientemente grande para cultivarmos o orgulho e todas as realizações proveitosas
devem incentivar o aperfeiçoamento da humildade. Se nos envaidecemos, a
arrogância se achega e derrota todos os feitos, que perdem importância quando o
ego se levanta e pede aplausos.
Mesmo que ninguém veja, a
consciência percebe. E ainda que desdenhemos a consciência, o universo tem suas
leis e faz com que elas se cumpram a despeito de nosso querer. Uma moedinha que
hoje alguém, equivocado, nos deu a mais será a nossa fortuna que irá à
derrocada amanhã. Um troco que representa aparente – e mísera – vantagem é o
prejuízo que teremos mais adiante, pois há uma lei de equivalência entre o mal
que se pratica e a cobrança que a seguir é imposta. Ninguém escapa da lei do
retorno, portanto é prudente evitar a prática de atos que desrespeitem a ética,
o bem e o mínimo de acertos que a gente tem de fazer no concurso da existência.
E a gente veio aqui para algum propósito, embora muitos pensem que seja a
passeio ou para a farra de fazer o que queiram independente do prejuízo que
possam causar em torno de si.
Existe também a tentação de se
entristecer absurdamente quando alguém machuca nosso coração, e a consequente
tentação de não dar a si mesmo a chance de se recobrar da dor. Tudo passa.
Todos passam. A gente vai passar também
e o mundo haverá de seguir seu curso apesar das lágrimas que derramamos. Já que
é assim, vamos colocar um sorriso nos lábios e deixar o amor sair por todos os
poros, tendo a noção de que tudo nos acresce aprendizado, por duro que seja
entender e aceitar. Não sejamos tristes nem alegres, essa não é a busca focal.
Sejamos serenos, ao menos.
Tentações, sendo sabidamente ruins, a
gente se esforça para não acolher. Sendo boas, por que não? Que proteste quem
nunca cometeu um escorregão que envolva os sentidos, por exemplo. Nada é exatamente
ruim nem totalmente bom. Tudo depende do que fazemos com o que está à volta e
em nós, despertando os furacões ou as brisas de nossas emoções.
(*) Crônica publicada na edição de 27/28 de outubro de 2012 no jornal A Razão, de Santa Maria, RS.
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