De repente, sem
notificação prévia para amenizar o inevitável susto, encontramos o passado numa
hora qualquer desta vida. De uns a gente tem vaga lembrança e alguma dúvida
sobre quem seja. Isso demonstra que a pessoa teve pouca ou nenhuma importância
para as nossas emoções. Às vezes nem do nome nós lembramos e o constrangimento
se apresenta inteiro diante da pergunta: “Lembras de mim?”. É de bom tom não
confessar que temos recordações mais precisas do cãozinho de estimação que
morreu há cinco anos. Então, um sorriso gentil salva a cena e a pessoa supõe
que, sim, lembramos dela. A conversa, por mínima que seja, resta tensa, dado o
sincero temor de que sejamos arguidos em nossa memória afetiva que, em relação
àquela pessoa, tem carimbado um “Nada consta”.
O
melhor desse reencontro é quando dizemos “Tiau, foi bom te ver”, pelo alívio
que causa. Somente mais tarde, entre remexidas de cabeça no travesseiro e
passeios pela memória, talvez – mas sem nenhuma garantia –, quem era vaga
lembrança passa a ser parte de um feliz reencontro.
De
outras vezes, já de véspera as sensações anunciam emoções fortes. Buscamos o
horóscopo para ver se é alguma conjunção astral a responsável pela angústia
indefinida que nos assombra antes de nos confrontarmos com quem ainda é capaz
de fazer o nosso coração bater descompassado e que nos deixa com as pernas
bambas a ponto de buscarmos uma escora por medo de desfalecer. Se não for um
problema de saúde que mereça atenção médica é um daqueles reencontros esperados
por toda uma vida, mas nunca planejados o suficiente para não despencarmos do
nosso sólido equilíbrio.
Tudo
o que vivenciamos com aquela pessoa vem à tela mental como se estivéssemos
vendo o filme da própria vida. Comédia românica ou drama, tanto faz. Não
importa quantos anos se tenham passado. Se a recordação está viva é porque o
outro não foi colocado na vala do esquecimento, e é bem possível que tenhamos
querido muito esquecer, mas não conseguimos.
Quando
reencontramos alguém que mexe com as entranhas dos nossos sentimentos é grande
o esforço para nos mantermos contidos, sem pular no pescoço alheio para encher
de beijos quem lota a nossa vida de saudade e que, outra vez, está bem diante
de nossos olhos, ao alcance de uma carícia. O tom da conversa e a profundidade
do olhar vão mostrar se tudo sucumbiu ao silêncio e à distância ou se há chance
de o passado emendar sua história com o presente, produzindo outro inesquecível
capítulo entre os dois.
E
há encontros de velhos amigos que logo armam uma festa quando se avistam. A
ausência não consegue corroer uma amizade selada no coração. Assim, o antigo
diálogo reinicia como se jamais tivesse sido interrompido e queremos atualizar
as novidades que ainda não são nossas velhas conhecidas. Ansiamos por compensar
todo o tempo que não passamos juntos, embora saibamos que haverá nova
despedida.
Há,
ainda, reencontros que faríamos qualquer coisa para evitar. Dobraríamos a
primeira esquina; nos abaixaríamos, fingindo pegar algo no chão, puxaríamos a
gola até as orelhas e o chapéu até cobrir o rosto. Numa atitude extrema,
disfarçaríamos a nossa presença como manequim vivo dentro de uma vitrina ou tentaríamos
nos esconder em uma arara de roupas na loja mais próxima. Podemos avaliar a
possibilidade de forjar um desmaio até sermos retirados de olhos fechados daquele
local. Para não corrermos maiores riscos, há a hipótese de pegar um jornal
emprestado e nele enfiar a cara até que o perigo do reencontro seja totalmente
superado. Vai da coragem de cada um. E de sua criatividade.
Porém,
pensando bem, todo esse desgaste é pura tolice. Não tem sentido, pois já passou
o fato que nos vinculava a alguém e nada vai impedir que a vida siga seu curso.
É inútil qualquer manifestação de ressentimento. Um cumprimento rápido que
demonstre civilidade e um adeus colado nele, nada mais. É preciso esvaziar as mágoas até que possamos beirar a
indiferença. Deste modo seguiremos adiante, leves e livres do fardo que
carregamos quando nos damos o trabalho de detestar alguém, ainda que tenhamos
razão para fazê-lo. O passado guarnece as lembranças, mas não é a nossa
moradia. Deixemos que ele fique em paz onde está e vivamos o presente que o
momento presente é. A menos que uma recaída sentimental compartilhada valha
muito, claro.
(*) Crônica publicada na edição de 03/04 de novembro de 2012 no jornal A Razão, de Santa Maria, RS.
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