Imagina alguém ao teu lado
durante as 24 horas de cada dia e que, o tempo todo, te deprecia, critica
impiedosamente os teus defeitos, te põe para baixo, enaltece as tuas fraquezas,
duvida da tua capacidade e não bota a mínima fé nos teus talentos. Impossível!,
dirias. “Eu nunca permitiria que alguém assim ficasse ao meu lado, daria logo
uma dispensa!”, garantes. Será?
Pode ser que sim. Pode ser que não.
Sabes por quê? Porque muitas vezes não toleramos mesmo que absolutamente
ninguém aja desse jeito conosco, mas – muitas vezes também – nós agimos
exatamente assim em relação a nós mesmos. É ou não é? Talvez não seja muito frequente
ou não seja assim sempre, mas pelo menos uma vez na vida todos já estiveram na
pele de seus próprios algozes, e quando nos colocamos nessa condição somos
cruéis como qualquer outro não conseguiria ser. Então, devemos ser nossos
maiores amigos, nossos melhores amores e os mais aguerridos defensores das
causas que envolvem a nossa felicidade. E ninguém pode fazer isso melhor do que
fazemos por nós. Esse é um assunto pessoal e intransferível. Não cabe delegar
competência.
A começar pela felicidade. Quantas
vezes espichamos o olhar na direção de alguém, sonhando que aquela pessoa é capaz
de nos fazer felizes? Ou, pior: em arroubos de paixão, fazemos promessas que
não podemos cumprir. Juramos que vamos fazer o outro feliz como se fôssemos
capazes de tamanha proeza. Isso é uma ilusão! Ninguém é capaz de trazer
felicidade a quem se faz infeliz por sua conta e risco. Somos felizes com
alguém, não pelo outro. Podemos contribuir para que ele seja mais feliz, mas
não é de nossa responsabilidade fazê-lo feliz. Isso sequer se enquadra no rol
de possibilidades. Do mesmo modo,
ninguém é responsável pela infelicidade de quem quer que seja. Dizer que alguém
nos fez infelizes expressa que concedemos poder a outra pessoa para gerenciar
as nossas emoções. Ser feliz ou infeliz é de competência própria, depende de
nós, não dos outros.
No meio de uma circunstância venturosa
é corriqueiro que apareça quem diga “Estou tão feliz por ti!”. Vamos atribuir essa
frase impensada aos ânimos entusiasmados por contentamento, mas é algo
impossível de realizar. Pensemos: como transferir a felicidade que sinto para quem
está infeliz? Não dá. O que podemos fazer é estimular a pessoa a encontrar
motivos para reconhecer a felicidade, e o termo é esse: reconhecer! Senão, a
pessoa encontra excelentes motivos para se julgar a mais feliz das criaturas
sobre a face da Terra, mas não os reconhece. Sem reconhecer, nada feito! Fica
cabisbaixo, contando as razões para sua infelicidade e alimentando-a com sua
negatividade. O correto seria, então, afirmar: “Estou feliz contigo”. Ou seja,
compartilho da felicidade que sentes e, no lado oposto, sou solidário contigo
nas amarguras, desventuras e nos sofrimentos de todas as origens.
Solidariedade, no entanto, não deve gerar culpa por não sofrer a dor do outro.
E quando a gente é a corda que nos
enforca, a pedra que rasga nosso joelho, o murro desferido em nossa autoestima?
E quando assumimos o papel de nossos inimigos e nos derrubamos dos sonhos,
sabotando as iniciativas e podando as chances de realização que temos, mas não
aproveitamos? E quando somos, ao mesmo tempo, a voz interior que nos maltrata e
o ouvido que acolhe as palavras rudes que proferimos a respeito de quem somos?
Quando acontece de nos tornamos
nossos adversários privilegiados pelas informações de como efetivamente somos,
precisamos urgentemente fazer as pazes conosco e ingressar em novo tempo. Sabemos
o que nos derrota e o que nos eleva, o que nos agrada e o que nos desgosta, o
que nos contenta e o que nos aborrece. Podemos fazer uma escolha criteriosa do
que queremos viver e ter conosco. A menos que seja caso de derrotismo crônico,
é hora de sermos time e treinador, líder e equipe, todo mundo unido para a
vitória da alegria! É hora de calar a boca se a gente não tiver nada melhor a
dizer além de nos arrasarmos – o mundo já se encarrega dessa parte!
Que a voz interior tenha vez, mas fale
com carinho! Vamos, sim, falar conosco, dizendo que somos as nossas melhores
virtudes! Façamos um afago nessa pessoa fantástica que enxergamos no espelho
todos os dias e dizer que nos amamos muito e que sabemos nos fazer felizes!
Isso não é decretar independência e solidão, é se preparar emocional e
energeticamente para encontros felizes com pessoas igualmente felizes que se
aproximam atraídas pela felicidade que exalamos por todos os poros.
(*) Crônica publicada na edição de 10/11 de novembro de 2012 no jornal A Razão, de Santa Maria, RS (www.arazao.com.br)
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