terça-feira, 13 de março de 2012

Mulher ciumenta (*)

Vera Pinheiro 
            Numa dessas tardes quentes, em um movimentado Shopping Center de Brasília, tomava sorvete com uma amiga que, por sua beleza e estilo, chama a atenção por onde passa. É um daqueles tipos vistosos, que parecem saídos de uma página de revista. Ela é tão charmosa que, segundo me confidenciou, tem problemas sérios de relacionamento com as amigas. Não a querem por perto se estão com namorados e não a chamam para sair se estão sozinhas para não enfrentarem aquilo que consideram concorrência no disputado mercado da preferência masculina (como se não fossem as mulheres que escolhem os homens, e não o contrário...). Aliás, se fosse uma concorrência não seria desleal, porque é uma mulher linda e, por enquanto, com as peças originais. Só fez algumas agulhinhas de botox e uns preenchimentos básicos.
            Está bem, eu conto, ela também achatou a barriga, levantou os seios, tirou os culotes e corrigiu aquilo que a lei da gravidade não perdoa. E como ela diz: “Comprei, paguei, é meu”, referindo-se aos apliques que usa nos cabelos. A parte original, então, é por conta de um excelente humor que não se abala, de um otimismo a qualquer prova e de uma fantástica vontade de ser feliz, e merece. É assim desde que a conheço, e não é de ontem, faz tempo. Por ser ela uma pessoa muito divertida, vez por outra saímos juntas, e não tenho qualquer complexo de inferioridade. O que sobra na aparência dela está na minha imbatível autoestima. Assim, nem me viro quando um homem passa olhando na nossa direção, pois sei que não é para mim que ele torceu o pescoço, e não desperto ciúmes, o que é um grande alívio e uma boa compensação.
            Pois bem, nesta semana olhamos as vitrinas e optamos por algumas gostosas calorias. Ah, sim, além de tudo, essa amiga minha nem se dá ao trabalho de fazer regime. Alcança a perfeita relação de peso e altura com a maior facilidade. Isso também gera uma ciumeira danada da coitada.
            Nem me lembro qual era o assunto que ela interrompeu de súbito! Com uma mão me estendeu o sorvete dela e com a outra abriu a bolsa onde carrega de tudo um pouco! Bolsa escancarada sobre o banco, ela se benzeu três vezes, pegou um ramo fresco de arruda que tinha guardado em uma caixinha, abriu um vidro com uma água de cheiro preparada, aspergiu sobre o raminho e depois sobre a cabeça, murmurando umas palavras que não pude ouvir. Afastou os cabelos e botou a arruda na orelha, cobrindo-a depois.
            Eu, de olhos arregalados, nem piscava! “O que será que está dando nela?!”, pensava, enquanto o sorvete descia rasgando a minha garganta. Não é bom comer gelado com a pressa que eu tinha de engolir para poder falar. Quando, enfim, consegui balbuciar “O que foi?!”, olhei para mim, com um sorvete em cada mão, fazendo pose de gulosa, que não sou. Olhei para os lados para ver se estava acontecendo algo e nada vi que pudesse tirar o sossego da minha amiga. “Teria sido um dos “ex”, o mais incomodativo, que passou por aqui? Alguma inimiga de infância cruzou na frente?”. Nada. Tudo calmo, menos ela.
            - “Fala logo! O que houve?”.
            - “Recebi um olhar tão ruim daquela mulher que me limpei e protegi!”.
            - “Hã?! Que mulher? Do que estás falando?”. Cada vez eu entendia menos! Sabes quando a gente demora a se situar e precisa de informações complementares para identificar a cena? Pois era isso. Quem? Quando? Como? Onde? Por quê?
            - “Não viste aquele casal que passou pela gente?”. Enquanto falava, mantinha dedos da mão esquerda cruzados e dedos da mão direita em figa.
            - “Amiga, presta atenção! Tudo o que, neste momento, me interessa é um singelo sorvete de casquinha, misto de chocolate com baunilha. O mais é secundário.”.
            - “Veio um casal em nossa direção. Nem cheguei a olhar detidamente o homem. Só posso dizer que ele era bem alto e ela, baixinha. Talvez isso tenha me chamado a atenção e fiquei olhando o casal e ele me olhou também, mas sem interesse (a gente sabe a diferença!). Olhou sem se fixar, mas ela percebeu e então cravou um beliscão nele – eu vi! – e me lançou um olhar de seca pimenteira arrasador!”
            - “Então fizeste muito bem, querida, porque a gente deve temer poucas coisas nesta vida, mas, com a mais absoluta certeza, mulher ciumenta é uma delas”. Evitar faz bem e todo cuidado é pouco!         
            Crônica publicada no Jornal A Razão, de Santa Maria, RS,
            edição de 10 e 11 de março de 2012.
           

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