domingo, 19 de agosto de 2012

De amor e perdão (*)

Vera Pinheiro
            O tempo cura todas as dores? “O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas desloca o incurável do centro das atenções”. Desconheço a autoria dessa frase, mas concordo com ela. É bem isso. Quando estamos em sofrimento profundo, a nossa atenção se fixa no motivo da dor e ela se agiganta em vez de se acalmar. Olhando o tempo todo para a dor, e o que a provocou, nós a animamos, mantendo-a viva. Não deixamos a dor morrer de inanição se a alimentamos com dedicada atenção. Incentivamos a dor quando a cutucamos sem trégua, não permitindo que sua ferida cicatrize. Então, a dor se prolonga, o sofrimento se demora e a cura se distancia.
            O tempo não faz milagres; o amor, sim. O amor é capaz de fazer com que as dores serenem e de colocar no lugar delas o perdão que apazigua as emoções que nos fazem sofrer. O perdão é o inefável bálsamo curador do sofrimento que aceitamos que alguém nos cause. E aceitamos o sofrimento da mesma forma que podemos nos recusar à sua tirania. O perdão redime, liberta, nos alforria da dor. Ele nos traz uma inexprimível sensação de paz, pois nos desamarra do sofrimento.
            O amor e o perdão andam juntos, de mãos dadas, em nossa caminhada e na de todas as pessoas. Todos nós devemos amor e perdão a alguém. Cada um com suas razões, a cada instante precisamos perdoar um acontecimento, uma situação, uma palavra, uma omissão, um silêncio, uma desatenção, uma palavra rude, um esquecimento, um afeto que não foi compartilhado, um comportamento, uma mania, um desamor, uma irritação, uma chateação, uma intenção não cumprida, uma promessa desfeita, uma lista enorme de defeitos insuportáveis e erros injustificáveis. Com amor, o perdão não pede muito esforço, mas a melhor boa vontade para se realizar. E ouvidos moucos às opiniões daqueles que colocam o ego acima das necessidades e vontades do espírito, pois o amor tem disposição para perdoar, mas o ego ferido impede o perdão ou o complica muito. Movido pelo amor e livre da influência e do peso que o ego impõe às atitudes, o espírito perdoa sem objeções nem dificuldades. Assim, a sentença que se proclama é: eu te perdoo com todo o meu ser! E vem a libertação!
            Perdoar e amar são faces da mesma moeda. São indissociáveis. Que ninguém acorde nem se deite sem expressar amor e perdão, mesmo que tenha a sensação de amar muito todos, e de pensar que nada tem a perdoar em quem quer que seja. Ama perdoando e perdoa amando! E se de pronta memória não te lembrares de nenhum fato ou pessoa que mereça ou precise ser perdoado, ainda assim te coloca em disponibilidade para o perdão. Perdoa o teu passado, as mágoas antigas, os desacertos cometidos, as frustrações inesperadas, as tristezas experimentadas, os desgostos acumulados. Perdoa os infortúnios que tu conheceste, os que te feriram, os que abusaram da tua confiança, os que te tiraram o sossego, os que falaram mal de ti, quem te enraiveceu, traiu e decepcionou.
            Perdoa quem cruzou o teu caminho e se tornou um desafeto, perdoa quem tu amaste, mas não te amou, perdoa quem te enganou ou iludiu. Perdoa aquilo de que não tens vívida lembrança. Perdoa o que está no mais profundo do teu subconsciente, o de que não tens clara recordação. Perdoa o mal que te fizeram sem que dele saibas, as pragas que te rogaram, as maldições que te enviaram, a inveja que tiveram de ti, os maus olhados, quebrantos e olho gordo. Perdoa tudo e todos! Perdoa o imperdoável para que te libertes do jugo que o ódio decreta em tua vida. Não é necessário que ninguém saiba do teu perdão. Ele vai beneficiar primordialmente a ti mesmo e alcançará o outro, favorecendo-os com serenidade.
            E porque há amor e perdão, os corações pulsam juntos na mesma sintonia e se acolhem mutuamente. Há uma vibração em idêntica energia. A dor de um reverbera no outro e a alegria de um contenta o outro, e ambos, com amor, caminham juntos em direção à solução das dores e à felicidade. O tempo não cura: o amor, sim. O tempo não desculpa; o amor, sim. O tempo não releva; o amor, sim. É o amor, e não o tempo, que eleva nossas vidas em aprendizado de perdão e magnitude espiritual, tornando qualquer convívio uma estação de êxtase!
            Crônica publicada no Jornal A RAzão, de Santa Maria, RS, edição de 18 e 19 de agosto de 2012 (www.arazao.com.br)

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