Vera Pinheiro
Entrando
em um estabelecimento, fiquei à espera de alguém que me atendesse. Sentei, que
esperar em pé não compensa. Um casal estava sendo atendido e, sentado ao meu
lado, um homem relativamente jovem, porém grisalho. Quando o casal se retirou,
levantei num impulso, mas a atendente quis cumprir a praxe.
-
Pela ordem, esse senhor está na fila há mais tempo.
Não
deu um intervalinho de segundos para o homem retrucar em alto e bom som:
-
Ela tem direito à fila preferencial.
“Ela”,
no caso, me incluía. Entrei em rol a que não pertenço ainda.
Olhei
para os lados, procurando mulher que se encaixasse na afirmação do homem.
Ninguém. Tive de conter o acesso de riso. Eu ainda não cheguei ao direito, mas já
estou sendo beneficiada por antecipação. Ou pela aparência, vai saber o que
passou na cabeça daquele ser humano desavisado.
Sempre
me divertem as situações inusitadas – e injustas! – de me tomarem por mais
velha do que sou. Faz tempo que ninguém me pede Carteira de Identidade para
atestar maioridade. Porém, é caso de questionar: e se eu tivesse problemas
sérios com o avanço da idade, como seria? Um cara poderia ser espancado com uma
bolsa e não entenderia o motivo.
Fiz
uma promessa. Na próxima vez que isso acontecer vou dar um jeito de situar o
sujeito. Homens são mais abusados do que as mulheres, e não mudam! Falta-lhes a
nossa elegância e sensibilidade! Mesmo que tenham a mais absoluta e
incontestável certeza de que temos direito à fila preferencial, não custa a
amabilidade de oferecer a preferência pelo simples (ou complexo) fato de sermos
mulheres. Fácil assim.
Nós,
do universo feminino, fazemos isso de modo bem mais sutil. Aliás, as mulheres
são muito mais sutis sempre! Nunca dizemos que outra pessoa tem direito à
atendimento preferencial, mas lhes oferecemos a passagem, a vaga, o assento, a
primazia. Decididamente, homens têm muito a aprender conosco. Apesar de todo
conhecimento e avanços, muito deles continuam trogloditas. E nos arrastam pelos
cabelos frequentemente, o que estimula a nossa raiva, não sem razão.
E
se a gente chamasse na cincha um sujeito desses?! Fico imaginando a cena:
A
atendente diz que a vez é do homem e ele diz, apontando para a gente:
-
Ela tem atendimento preferencial.
Observação:
ele não sugeriu, perguntou ou supôs. Afirmou. Merece uma pedrada na testa tamanha
insensibilidade no modo de conduzir a cena.Pensei em algumas respostas à altura.
- O senhor já fez a sua consulta oftalmológica este ano? Deve estar precisando de óculos! Eu não tenho direito a atendimento preferencial, mas é provável que o senhor, sim. Passe adiante, pois!
Imagino
a cara lívida do sujeito.
Algumas
amigas minhas, com quem comentei o caso, pegariam mais pesado na resposta.
Prefiro algo mais light.
-
O senhor é um babaca.
Nenhum
homem admite ser chamado de babaca e eles, mesmo que tantas razões possuam,
nunca entendem por qual motivo estão sendo chamados assim. A conferir. Parece
bom chamar de babaca um cara deselegante. Sem dispensar o ar blasé e uma virada
de costas cinematográfica!
Mas
a cena merece uma boa resposta, claro que sim. Para ficar (ainda mais) linda, a
gente gasta uma fortuna com cabeleireiro, manicures, podólogos, massagistas,
acupunturistas, dermatologistas etc e, num repente, um sujeitinho, que a gente
nunca viu mais gordo, nos enquadra, dizendo que temos direito a atendimento
preferencial. Esse é o tipo de coisa que precisamos assimilar primeiro para
depois nos colocarmos em nível de exigência: tenho direito, quero, posso e
mereço! E é bem mais confortável exigir do que alguém achar que somos merecedoras,
tentando nos fazer um favor.
Eu
ri da situação, mas poderia não ter sido assim. Quem sabe eu teria gritado pelo
meu terapeuta, rolado no chão, me dizendo injustiçada ou enfiado um tabefe no
homem que se deixa levar por suas suposições, mais do que pelos fatos. Ainda
bem que sou uma pessoa muito calma! Quem me conhece, sabe. E não me desmintam
que perdem a amiga!
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