sábado, 20 de abril de 2013

Amor sem adrenalina (*)


Vera Pinheiro 
            Tão estimulante um amor que faz a gente subir pelas paredes de tanta emoção, que nos leva a delirar de paixão exacerbada, que tira o fôlego de tamanho desejo, que comprime o peito de ansiedade, que frouxa as pernas e faz suar as mãos, que dá vontade de jamais descolar a boca do beijo, de nunca afastar o corpo, de manter as almas grudadas 25 horas por dia, eternidade adentro! Tão extasiante querer alguém mais do que a si mesmo e se esquecer de tudo em nome de quem nos tira da realidade e nos faz viver em sonhos. Tão inebriante viver as sensações de um tobogã de sentimentos, desafiando riscos e perigos para que a rotina não se instale. Tão arrebatador estar com quem nos coloca um pouco no céu, um tanto no inferno, que nos instiga a descobrir táticas para agradar e estratégias para enlouquecer o outro, que faz o coração bater descompassado e bota os olhos atentos às surpresas da próxima cena do relacionamento frenético e imprevisível.
            O amor pode ser tudo isso mesmo, e há quem goste, mas se for a regra, não a exceção, leva a grande estresse emocional. Quem aguenta uma vida a dois que se pareça com um interminável filme de ação, quando não de terror, em que o sossego não faz sequer uma visita? Um caso de curta duração até ganha certo encanto, e boas lembranças, com peripécias emocionais, mas o cotidiano do amor pede uma boa calmaria em vez de maré para surfista. É o mesmo que comer esquisitices em todas as refeições. Por mais curioso ou sofisticado que seja o paladar, ele haverá de requisitar sabores conhecidos e simplificados que se contraponham ao menu exótico. Disso se vangloria a comidinha caseira, que sobrevive a extravagâncias gastronômicas.
            Bom mesmo é o amor sem adrenalina! O amor que está mais para suco energético do que para bebida alcoólica, mais para brisa do que para ventania, mais para bonança do que para tempestade. O amor sem falta nem excessos, na medida certa. Sem atropelos, angústias, cobranças, dúvidas, desconfianças. Bom mesmo é o amor que não tira a gente do prumo, não afeta o nosso equilíbrio, não nos rouba a paz nem o sono. Bom mesmo é o amor que inspira delicadeza, se expressa com cortesia, se desvela em gentileza.
            Amor bom é o que não incomoda, não briga, não exige explicação nem provas. É o amor que se deita em confiança, adormece sem temores e acorda feliz da vida! O que confidencia de livre e espontânea vontade, que não suscita preocupação, muito menos ciúmes. O que não dá razão para questionamentos, discussões da relação, e não alimenta inseguranças. Bom é o amor que não gera inquietação. O que é bom de viver, sentir, compartilhar. Sem sustos nem apreensões. Sem ânsia de controle e de domínio.
            Bom é o amor que permite o prazer de estar junto, simplesmente isso. O amor que faz boa companhia, sem cerimônia, pose, gestos e discursos estudados. O amor que, se acabar o sexo, tem o assunto. Se acabar o assunto, tem a troca de olhares. Se fechar os olhos, ainda resta o beijo. E se não houver mais beijos, as mãos se juntam, e ainda há os abraços e os tantos afagos da presença.
            Bom é o amor que não precisa de esperas aflitas, de vaga na agenda, de encontros marcados pelo inusitado. Amor bom é o que vem para perto pela vontade, que dá notícias sem ser perguntado, que sente saudade e a revela, que sussurra carinhos, que acolhe no meio de um sorriso e cura as ausências. Bom é o amor que surpreende por ser assim tão sem segredos, que não é dado a mistérios, que é feito de sutilezas e verdades.
            O amor bom faz a gente andar de mãos dadas com a felicidade. Nada de incomum ou extraordinário, tudo inserido num cotidiano sem sobressaltos, tendo o bem estar como rotina e o êxtase de amar e ser amado encarado como algo absolutamente normal no dia a dia. O amor que está mais para sorrisos do que para gargalhadas, que faz a perfeição não se restringir às utopias, que põe a alma a cantar poesias, declamar músicas, musicar silêncios. O amor bom é o que faz o coração exultar gratidão e alegria por viver. O amor que não precisa perdoar, que compreende, se dá, se doa e recebe de volta do mesmo tamanho. Que cultua singelezas e constrói a história de pessoas que amam. O amor simples e fácil, por isso, bom. Muito bom! Melhor que isso, possível.

(*) Crônica publicada na edição de 20/21 de abril do jornal A Razão, de Santa Maria, RS (www.arazao.com.br) 

sábado, 13 de abril de 2013

Dor masculina (*)

Vera Pinheiro
            Amigo meu estava inconsolável com o término do namoro. Chorou copiosamente no conforto dos meus ombros e deitou queixas nos meus ouvidos até acalmar a dor que, sinto avisar, demora bastante para passar. O inusitado despertou em mim uma sincera solidariedade com o sofrimento masculino, sem deixar de me sentir, de certa forma, vingada por todas as lágrimas que derramei em circunstância assemelhada.
A conclusão óbvia: eles, como nós, sofrem em lágrimas de esguicho por suas frustrações de amor. O sinal de mudança é não esconderem mais isso, se mostrarem frágeis no relacionamento e se acabarem de chorar com o final infeliz da história. Nas curvas do passado, essas eram cenas protagonizadas pelas mulheres tão somente. Eles faziam, sim, todos os lamentos, mas confidenciavam apenas aos amigos, que mantinham o fato em segredo para não desmerecer o sujeito. Nisso os homens são admiráveis: mantêm a classe unida na dor, no amor e nas safadezas. Já nós, mulheres, estamos aprendendo o sentimento de irmandade que para muitos é inconveniente pela força que isso representa.
            Voltando ao meu sentimental e sofredor amigo, vou descrever o tipo. Pensem num homem alto, forte, com belíssimos olhos verdes, culto, simpático e de boa condição social. Ele é muito mais que isso. Nada tendo que mereça críticas na performance sexual (dizem!), é um amante do tipo que manda flores, diria Roberto Carlos, emendando “esse cara sou eu”. Romântico, faz de tudo para a mulher se sentir o máximo! Demonstra amor como poucos que conheço. E se enquadra naquele modelinho que a gente cresce querendo um que seja igual: abre a porta do carro, puxa a cadeira, dá a vez no elevador... e não esquece datas! Enfim, um bípede evoluído que não se compara a muitos trogloditas que algumas adoram, vai saber por quê! Bem educado e de boa formação, é um cavalheiro de comportamento irretocável. Um gentleman!     
            - E sozinho!, reclama ele.
            Eu tentava consolá-lo, enumerando virtudes que enxergo nele e que, certamente, não passam despercebidas, porque a gente, afinal, é boa nisso: num olhar de relance identificamos todas as qualidades e defeitos, e temos um desenho pronto do homem perfeito que queremos ao nosso lado.
          - Faço de tudo pela mulher que amo e ainda assim não consigo agradá-la. Além disso, sou sincero e sou fiel. Será que as mulheres gostam de cafajestes?
            Ainda bem que ele não usou o detestável “vocês”, que eu rejeitaria. Até em estado de padecimento amoroso ele é gentil. Atenção, desconfiadas de plantão: não tenho qualquer motivo, mínimo que seja, para não acreditar no que ele diz, o que me autoriza a confiar no relato que faz de si mesmo.
            Por que uma mulher dispensa um homem como esse, que a todos encanta e que muitas, tenho certeza, se rasgam e esbofeteiam as outras para estar ao lado dele? Será que ainda funciona conosco o que nossas mães e avós diziam, que a dificuldade atiça a vontade? Isso lá nos tempos em que se dava “prova de amor”, totalmente dispensável hoje, pois esse sentimento vai muito daquilo que preocupava as gerações passadas em termos de relacionamentos.
            O que, afinal, nós queremos dos homens? Que eles nos conquistem ou que nós possamos conquistá-los para depois exibi-los como condecoração enquanto desfilamos de salto e homem a tiracolo? Não queremos ser paparicadas por medo da opressão que possa vir embutida? Queremos inverter o processo de dominação que tanto fizemos para derrubar? Preferimos aqueles que dão assunto com as amigas, os de quem temos motivos para reclamar, pois os muito perfeitinhos nos cansam facilmente? Essa postura tem muito do que era discurso masculino.
“Homem bom não dá em touceira”, dizia a mamita, que se casou uma única vez na vida e, viúva, ficou sozinha. Muitas mulheres reclamam da qualidade dos homens, mas rejeitam o tipo bonzinho que aparece em sua frente, isso é fato. Não me demorei procurando respostas, que são individuais, para dar a ele. Eu me debrucei nos ombros do meu amigo e suspirei: “Eu também”. E assim a vida segue, entre solidões compartilhadas e o passar do tempo com aprendizados e lições. Uma delas, antes que me perguntem: a maneira mais eficiente de afastar um possível enamorado é transformá-lo em amigo que chora junto. Era melhor no tempo em que a gente chorava apenas com as amigas...
(*) Crônica publicada na edição de 13/14 de abril de 2013 do jornal A Razão, de Santa Maria/RS (www.arazao.com.br)