Vera Pinheiro
Algumas pessoas do nosso convívio são como as meias 7/8, pretas e rendadas que encontrei no meu armário. Não tenho a menor ideia desde quando e por que estão lá e, pior, por que, com e para quem eu teria colocado minhas pernas nelas! Quem teria merecido o tamanho sacrifício de usar aquela peça desconfortável? Que raio de fetiche teria sido esse, hoje tão avesso a mim? Vou fazer com elas como faço com peças íntimas, que não dou a ninguém: cortar em pedacinhos! Como é que a gente vai dar calcinhas e sutiãs para outra pessoa, hã? Não pode.
Pensei em deixar uma sacola de doações na porta da igreja perto de casa, mas já pensou se o padre me pega com um pacote de meias 7/8, pretas e rendadas?! Como eu explico isso? Nenhuma paroquiana que se preze nestas redondezas chegaria a tanto. Quem sabe entrego num lar de vovozinhas? Acho que elas preferem um bom par de meias de lã. Eu escolheria isso.
Enquanto penso se rasgo ou faço picadinho do malfadado saco de meias de nylon – coisa fina, isso eu reconheço! –, percebo que algumas pessoas na vida da gente são assim também: não combinam mais. Podem continuar sendo – e certamente são – pessoas boas, bonitas, interessantes, mas não encaixam mais conosco. O relacionamento não funciona. A gente simplesmente não combina. Os caminhos não se encontram mais, falta assunto, não há a necessária semelhança de interesses que havia antes. E não é que a gente não goste, até gosta, mas é como botar nos pés aquele sapato maravilhoso e que é insuportável nos dias atuais. Era, mas deixou de ser. E ninguém tem culpa, isso faz parte da evolução humana, e cada um a seu tempo.
É como se a vida tivesse desviado a gente dessas pessoas que faziam parte de nós. Forma-se, então, um grupo de amigos e amores que não fazem mais sentido. Então sumimos todos. Nem saudade a gente sente. Há um vazio no lugar em que havia uma pessoa, e este espaço somente será preenchido quando a gente encontrar alguém que se identifique com o que somos hoje, com os nossos novos gostos, a nova aparência, os quereres do nosso espírito, sobretudo.
A gente tem certeza que não há mais sintonia quando a gente vai para um lado e a pessoa segue por outro. Um gosta de bar, outro de leitura. Um bebe cerveja, o outro prefere chá. Um vive a expansão interior e o outro está na fase do deslumbramento com o exterior. Um fala demais, o outro silencia. Não andariam de mãos dadas por cinco minutos.
A gente sabe quem combina quando há uma sensação que sussurra ao coração: eu seguiria contigo pelos teus caminhos pelo resto dos meus dias, e tu virias pelas estradas que percorro com a mesma alegria que sinto quando estamos juntos. Pode ser apenas um amigo. Pode ser um grande amor. Se combinar, faz sentido. Se não combinar é como aqueles pares de meias lindas, mas inúteis que geram a pergunta: o que vou fazer com isso?! Nada! Não há mais nada a fazer além do afastamento. Não precisa fazer picadinho da pessoa, claro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário