Vera Pinheiro
A natureza oferece lições extraordinárias, metáforas da própria vida. As árvores azuis que tenho em casa são exemplo disso. Sim, as árvores têm flores azuis, mas somente à primeira vista. Se detivermos o olhar com atenção, veremos que a belíssima paisagem, que realmente encanta, é feita de árvores encobertas por uma planta trepadeira de flores azuis cujo nome desconheço, mas que aprecio mesmo assim, inominada para mim. Deixei-a crescer com excessiva liberdade, sem nenhuma contenção, o que a fez subir muros e tomar as copas de duas árvores ornamentais em velocidade que se combinou com a falta de tempo para cuidar do meu jardim.
A primeira lição: crescimento desordenado gera caos. Os filhos precisam de espaço e liberdade, mas também da vigília e autoridade dos pais para que tenham o menor número de arrependimentos possível, até que possam haver-se por conta própria, e devem manter-se atentos para que as palavras de pai e mãe não façam eco apenas nas paredes. Não conheço quem tenha ignorado os conselhos paternos sem que, ao longo da vida, não lhes tenha dado razão.
Nada é mais urgente do que a família nem mais importante do que ela, segunda lição. Nenhuma conquista profissional vale perder um filho para a desatenção e o desamor, que levam a caminhos de autodestruição, riscos e perigos. De profissão e de emprego a gente troca, de marido e de mulher também. Filhos, não! Filhos são para todo o sempre. Os filhos são o verdadeiro sentido da eternidade, tudo o mais é efêmero.
Portanto, terceira lição: Não importa o que faças, arruma tempo para a tua família! Inventa os meios para estar com ela, ainda que tenhas de fazer “das tripas, coração” e multiplicar as horas. Dorme com um olho aberto e outro fechado, e te mantenhas com os ouvidos descerrados, observando o comportamento de todos. Se nós podemos ver uma árvore que cresce, como não estarmos vigilantes ao que acontece com quem faz parte da nossa vida? E não tenhamos medo de falar, advertir, censurar, admoestar, alertar os filhos! O prestígio de “melhor mãe/pai do mundo” fica abalado momentaneamente, mas depois passa. É mais fácil conviver com a crítica e as reclamações deles por seres como és do que com a culpa de não teres exercido o papel que te cabia, o de orientar e educar dentro do lar. De fato, educação é um trabalho que tentamos fazer com simpatia, mas nem sempre isso é possível. Dizer “não” com firmeza é antipático, mas necessário, e esse é um aprendizado que carregamos pela vida afora. Vamos admitir que, às vezes, dói, e muito, negar a quem se ama, mas a convicção de que estamos fazendo o que é certo nos sustenta e retira as dúvidas inevitáveis. Podar as flores parece triste, mas organiza a sua expansão.
“Nem tudo o que parece é”, quarta lição. O adágio popular está certo. Devemos tirar o véu que oculta intenções não reveladas. Pior é jamais sabermos a verdade, ou sabê-la tardiamente, quando não se podem reparar os danos. Portanto, não lamentemos as lágrimas e os suspiros que restam depois que uma farsa é descoberta. De perto vemos melhor. E mesmo que estejamos encantados com aquilo que vemos, olhemos o que está por baixo das flores azuis, a realidade. Não deixemos que um ledo engano dos sentidos turve a visão dos fatos, dos acontecimentos e das pessoas. Desilusão é saudável, pois tira a ilusão que leva a erros na avaliação do que os olhos veem e do que o coração sente. Do mesmo modo, um desengano tira do engano. Quem quer permanecer enganado, não sendo tolo ou iludido?
Façamos o que precisa ser feito; depois, o que nos agrada. Quinta lição. É bom quando podemos juntar o prazer à obrigação, mas não é uma prática constante, então resolvemos o que nos exige empenho e logo nos entregamos a atividades que trazem sensação de entusiasmo e satisfação. Além disso, há as escolhas que vislumbram o futuro. Queremos flores azuis independentemente das perdas que elas acarretam? Sucesso a qualquer custo, pisando no pescoço dos outros? Ou queremos as flores azuis da alegria e da realização sem destruir princípios e valores íntimos e preservando o que está em torno?
Sob o manto de lindas flores azuis, os galhos das árvores começam a secar. O que é belo nem sempre nutre e abastece. Sexta lição, vinculada a relacionamentos. Por amor, permitimos que alguém nos sugue até quase perdermos as forças, mas um dia cortamos as flores azuis e nos recobramos. Afinal, a essência do que somos permanece, e renascemos com ela em novo viço. Isso é uma grande vitória! E uma ótima lição.
(*) Crônica publicada na edição de 29 e 30 de janeiro de 2011 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.