segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ora que melhora (*)

Vera Pinheiro
            “De hora em hora, Deus melhora” era frase recorrente de minha mãe para me inspirar confiança, fé e otimismo quando a situação ficava difícil para o meu lado. Ao me tornar adulta, aprendi a orar constantemente, nas horas boas e nas nem tanto, na alegria e na tristeza, na fartura e na escassez, na bonança e na tempestade.
            Descobri que há prazer na oração, mais do que necessidade, e que orar é um eficiente canal de comunicação com a graça divina. Sem complicações, é uma atitude que tomamos a favor do próprio bem estar.
            Ora que passa! Ora que melhora! Então, não há dor que não se acalme nem angústia que dure muito. Orar é um remédio de ação imediata, que produz efeitos tão logo seja administrado e sem riscos de interação com qualquer tratamento para os males do corpo, da mente e do espírito. Não há reações adversas conhecidas. Orar só faz bem, se a gente ora pelo bem, com o bem plantado no coração. Não tem contra-indicação, riscos para a saúde se exagerar na dose. Superdose de preces não apressa a solução, mas acalma a espera e nos coloca em serenidade. É conveniente observar o estado de ânimo antes e depois de uma oração. A conduta humana, quando em oração, costuma evoluir para a calma, se há ira, raiva ou impaciência. Não se ora para fora, mas para dentro. Orar é se conectar com o Eu Superior mais profundo e belo, não é preciso mostrar a ninguém, mas revelar para si mesmo a face pacífica e amorosa quando se está orando.
            Não há restrição para a duração da oração. Pode ser breve, desde que seja frequente, e pode ser longa, se houver disposição e tempo. Ressalva-se que não é o tamanho da oração ou o tempo que a faz eficiente, mas a fé com que rezamos. A oração pode ser usada por pessoas de todas as idades, crianças, adultos e idosos, por quem amamenta ou está grávida, e por quem toma medicamentos recomendados por autoridade médica. Não convém interromper uma oração antes que sua intenção seja alcançada, e deve-se orar ainda mais intensamente por gratidão quando a graça for alcançada. Não há data de validade para uma oração fazer efeito, por isso não devemos contar o tempo divino pelo nosso relógio ou pela pressa de nossa ansiedade em dar solução aos problemas. Oração é entrega urgente ao divino, mas a distribuição das graças é conforme o merecimento de cada um.
            É importante conservar-se em oração em todas as ocasiões, não apenas em momentos de necessidade. Portanto, convém lembrar-se de bater à porta de quem exala graças e bênçãos para agradecer também. Gratidão faz parte da oração, de modo que os ingratos têm alguma dificuldade em orar, mas isso pode ser superado com orações permanentes e persistentes, não obstante os tropeços na desconfiança (“Será que serei atendido?!”).
            Orar requer muita sinceridade! Não nos dirijamos ao Pai e à Mãe Divinos com a tentativa de enganá-los sobre as nossas reais intenções, pois Eles nos conhecem desde sempre e para sempre. Em sua sabedoria, Eles nos percebem inteiramente, até no que não ousamos confessar sequer em pensamento. Portanto, sabem quando mentimos sobre a integridade do nosso querer, que movimenta os pedidos que fazemos em oração. Não tenhamos vergonha dos pedidos que fizermos, pois a justiça divina nos concederá o que for bom e justo, a Seu critério, não meramente por ser de nossa vontade. Pedimos o que queremos, mas somos atendidos quando o que desejamos não prejudica ninguém e nessa linha devemos orar com firmeza. Sejamos oradores do bem, e o bem nos será dado, lembrando-nos que os Pais divinos sabem com absoluta precisão o que é melhor para nós, o que não sabemos, vamos admitir com humildade. A oração, que pode ser feita com a maior sem cerimônia e com toda a simplicidade das palavras, se orienta pelo que queremos ou precisamos, mas o pedido deve estar de acordo com o que realmente é para o nosso bem e para o bem de todos. Se não fizermos essa opção, a graça divina fará por nós, evitando atender reivindicações voltadas para o mal, nosso ou alheio.
            Orar não tem dia marcado nem hora apropriada para ser feita. Oramos em movimento, fazendo nossas tarefas. Oramos em posição de reverência, em pé ou deitados, sorrindo ou chorando. Devemos orar sempre que respiramos, pois o sopro divino, que nos deu a vida, deu-nos a oração para o diálogo constante com quem nos criou. Se a vida dói, ora que melhora! Oremos, pois!
             (*) Crônica publicada no jornal A Razão, de Santa Maria, RS, edição de 26 e 27 de maio de 2012.

sábado, 19 de maio de 2012

É sábado

Vera Pinheiro

E dizer que hoje é sábado,
Está frio e não tenho um aconchego
Para os desassossegos, as inquietudes e vontades
Do meu corpo e da minha alma

É sábado
E sobre a mesa
Uma xícara de chá quente
Em vez de um espumante geladinho
Para brindar a vida e os encontros

É sábado
E a cama está arrumada como não devia
Nenhum lençol fora do lugar
A denunciar o ninho vazio sob as
Cobertas que não aquecem a solidão

É sábado
E a música deu lugar ao barulhinho
Do teclado do com puta dor
Para quebrar o silêncio quase insuportável
E bastante incompreensível

É sábado
Por toda esta noite ainda
E vou atravessar horas insones
Até que amanhã seja domingo
E venha a segunda-feira
Com a sensação de que não
Estou sozinha

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Aniversário da cidade

Vera Pinheiro

Parabéns, Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que hoje está de aniversário: 154 anos. Praticamente uma guria, de tão faceira com seus empreendimentos e novidades. Uma jovem muito bela e acolhedora, que recebe de braços abertos os forasteiros, a gurizada que se hospeda por anos nela para aprender uma carreira e que, depois, sai por esse mundão afora dizendo que se formou em Santa Maria, o que basta para antecipar simpatia na praça. Uma sábia e centenária mulher que envelhece sem perder o viço e a ânsia de crescimento.

Morando fora há 17 anos, jamais esqueço a data do aniversário de Santa Maria. Faço feriado em homenagem à cidade que adotei para ser de minha procedência, já que não é de nascimento. Quando me perguntam, estufo o peito e esclareço: moro em Brasília, sou de Santa Maria e nascida em Itaqui.

Agora, cá para nós: ô mundinho pequeno este, não? Não dá para se esconder que o rabo fica de fora. É mais do que coincidência duas pessoas de Itaqui, lá no fim dos pampas, beirando a fronteira, morarem na mesma rua em Brasília, numa vizinhança quase de porta.  É o meu caso. Quase caí do banquinho. Ri bastante. Barbaridade!

domingo, 13 de maio de 2012

Quando mais me sinto mãe (*)

Vera Pinheiro
            Não é quando exerço plena autoridade materna ou quando estou fortalecida pela coragem e vitalidade que eu mais me sinto mãe. É exatamente quando estou fragilidade pelas vicissitudes e baqueada por dores físicas ou emocionais que verdadeiramente me coloco na posição de mãe.
            Já vai longe o tempo em que tinha vigor para sustentar os filhos nos braços. Hoje eles me põem no colo e afagam o meu coração se preciso recobrar forças para enfrentar os embates que não poupam os que envelhecem.
            Não preciso dar-lhes conselho sobre coisa alguma, eles sabem dispor de suas vidas com discernimento e equilíbrio. Porém, a gentileza deles é tamanha que jamais se esquecem de me dar a sensação de que meus conselhos são os mais sábios e as minhas indicações de caminhos as melhores, embora saibam que acumulei equívocos que me custaram calos na alma.
            Às vezes me escapa o riso e choro muito. Nesses dias, meus filhos alternam a leveza da juventude, que sorri com facilidade, com o acolhimento de quem compreende, mas não reforça a tristeza, espanta-a! É quando eles aliam solidariedade com entendimento, e não deixam que eu me arraste no motivo da tristeza. Ajudam-me a resolvê-la, antes me devolvendo o ânimo.
            Se não sei todas as respostas para as perguntas que faço, eles fazem cessar os questionamentos com a confiança de tudo vai ficar bem pela aceitação das circunstâncias, mesmo que eu não entenda alguns fatos. A mente inquieta impede o melhor raciocínio e as decisões acertadas, então serenam as minhas angústias.
            Quando insisto em remexer o passado, meus filhos me lembram que esse é um lugar de visita, não de permanência, e que é para frente que se anda. Eles mostram que, mais importante que o ontem e o amanhã, é verdadeiro presente estar aqui e agora, aproveitando o melhor que o hoje oferece. Saudosismo não combina com quem cultiva esperanças e se banha em otimismo todos os dias, e não se deve alimentar sequer a saudade boa, pois ela machuca e ao mesmo tempo retém as lembranças do que – ou quem – passou e não voltará.
            Nos momentos em que evito encarar no espelho a denúncia que a vida construiu rugas em meu rosto e pintou de prata reluzente a cor dos meus cabelos, meus filhos apontam uma beleza que reconheço apenas no olhar amoroso deles, mas acredito. Ao constatar que o meu corpo exibe as implacáveis marcas do tempo, eles insistem que estou cada vez melhor, e troco a vaidade pela concordância com o novo desenho da aparência. Eles não dão valor ao que é efêmero, passageiro, provisório. Cultivam o que, por seu valor, merece conquistar vaga na eternidade. Beleza não acaba, muda. E ao envelhecer, mãe fica ainda mais bonita, e isso não é consolo. É que a gente mais a aceita como é.
            Se a desesperança se avizinha, eles correm em meu socorro. Tiram da memória todas as minhas vitórias e fazem delas bandeirolas para enfeitar a minha janela, recordando o meu antigo entusiasmo e a eficaz valentia para resolver problemas, sem me deixar abater. Pegam-me pelas mãos e andam comigo pelo jardim, entre flores e borboletas, e enquanto elas viverem, a alegria é uma real possibilidade. Levam-me, depois, ao pomar e colhem frutos doces, saboreados na hora, para elevar a gratidão à natureza generosa e farta, apesar dos ataques que sofre. Erguem os braços para o céu e saúdam o sol que anima o dia. À noite, fazem-me retornar à contemplação da lua e das estrelas que adornam o meu recanto. De fato, não dá para chorar por qualquer coisa ou por quem não merece! A vida é mesmo bela, apesar do peso dos pesares.
            Quando tenho impressão de que vou desanimar e sucumbir, meus filhos reacendem minha luz interior, onde tudo se resolve. Recobram em mim a fé que lhes demonstrei, a coragem que lhe dei como exemplo, a perseverança que tive como impulso realizador, a persistência que alavanca projetos e a determinação que afasta obstáculos. Carinhosos, eles me lembram a pessoa que sou, se esqueço de mim e do que posso ainda ser. Nos momentos em que eles se revelam no que lhes ensinei, é que realmente vejo a mãe que sou. Assim, sou toda gratidão ao ventre de onde vim e ao meu ventre, que os gerou. Graças dou à minha mãe, aos filhos que tenho e à mãe que pude ser.
(*) Crônica publicada no jornal A Razão na edição de 12 e 13 de maio de 2012.
Fotos abaixo: Meus filhos Guilherme e Camila; Mamita com quatro de seus seis filhos, e eu com meus filhos, incluindo o literário.



 

Entre idas e vindas

Vera Pinheiro
     A minha relação atual com este meu blog está parecendo aqueles romances do tipo vai e vem, puxa e afrouxa, não ata nem desata, não faz nem desocupa a moita. Sem querer me justificar, devo dizer que a vida real está bem mais animada do que a virtual, que não deixa de ser interessante, mas já teve a minha atenção por demasiado tempo e com muito espaço do que os contatos de pertinho, face a face. A coisa se inverteu e hoje, quando me dou conta, o dia passou e tudo o que quero é não ir para o computador.
     Mas, enfim, entre tapas e beijos, idas e vindas, mais um recomeço. E num bom dia, dedicado às mães e com a vitória do meu time no campeonato gaúcho. Internacional, mais uma vez campeão. Dá-lhe, Colororado, que o Beira Rio não come radiche com polenta.