quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Depois de um ano, ele vai me deixar...

Vera Pinheiro
            Um ano convivi com ele em minha casa, dois ou três dias por semana, dependendo da minha necessidade. Vinha cedo, saia tarde e fazia tudo com muito esmero, no capricho mesmo e, melhor, do jeito como eu gosto. Aliás, o meu gosto geralmente combinava com o dele, profissional experimentado no ofício, apesar de muito jovem ainda.

            Pegava forte nas ferramentas, cuidava delas e as deixava bem guardadas até que voltasse. Nunca precisei reclamar nada! Começava e terminava tudo o que eu pedia no mesmo dia, não deixava coisa alguma para depois, e fazia tudo bonito e bem feito.

            Pois, depois de um ano, ele vai me deixar! Ficarei sem o meu jardineiro, segundo anúncio que ele me fez hoje. Isso para mim é uma grande chateação, porque encontrar outro igual pelas redondezas não é fácil.

            Porém, não posso ser egoísta. Ele é tão bom no que faz que recebeu uma excelente proposta de uma empresa de jardinagem e me contou seus planos de se encaminhar pelo ramo do paisagismo. Dou força e boto fé! Adoro gente que tem projeto de vida, que sabe o que quer e aonde quer chegar. Trabalhar na minha casa não é futuro para ele, portanto, que vá em frente e seja próspero e feliz.

            Perdi o jardineiro, gente boa pra caramba, mas estou feliz por ele. O que me pergunto é: onde vou arrumar outro bom assim? Gente honesta e boa de serviço na roça não dá em qualquer touceira, a gente sabe disso. Conto agora com a minha boa sorte, que nunca me faltou, para encontrar outra pessoa. Ou vou ter de pegar firme no arado, no ancinho, na enxada, na pá, na máquina de cortar grama... Ai, minhas unhas!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Reconstrução da rotina

Vera Pinheiro
         Sinceramente? Não sei como consegui, ao longo da vida, tomar conta de casa, atender os filhos e trabalhar fora, tudo ao mesmo tempo. Certa vez, cheguei ao abuso de ter cinco empregos, mais dois filhos e um marido. Só um! Não me perguntem como eu conseguia dar conta de tudo, porque já me perguntei isso um monte de vezes e não encontrei a resposta. Devia ser alguma mágica, pois é algo humanamente inconciliável. Ou conciliável com altos prejuízos humanos, familiares, amorosos, sociais.

            Quando, hoje em dia, olho a minha cara no espelho até que o estrago não foi tããão grande...rrsrsrs... Mas eu poderia estar bem melhor! Foi trabalho demais para uma pessoa. Não faria isso de novo. Aliás, muito do que eu fiz, não faria de novo. Mas arrependimento é o tipo de coisa inútil. A gente não deve fazer o que mais tarde pode gerar arrependimento. Porém, é fato que a gente vai “no embalo”, não avalia o nível de exigência que impõe a si mesma e não pensa no preço que vai pagar por isso.

            Um pouco é por necessidade, sim, mas um bom tanto é por exagero. Eu poderia ter pensado se valia a pena me impor os sacrifícios que me impus. Sim, ninguém colocou faca nos peitos me obrigando a trabalhar feito uma condenada. Eu me envolvi demais com o prazer do trabalho e – que absurdo! – cheguei a achar bonito ser uma típica e autêntica workaholic! Eu, que nunca experimentei drogas, exceto alguns homens que conheci, fui viciada em trabalho! E é bem verdade que, em determinada época, essa dedicação extremada ao trabalho era muito valorizada. E a gente pensava que ganharia um cavalinho de ouro, que seria recompensada e reconhecida, que nos aplaudiriam para todo o sempre. Que nada!

            E agora? Onde estão os que se locupletavam com esse estilo de vida que trucidou a gente e gerou enorme abandono? Os únicos beneficiados com isso foram os que pagaram pelo nosso serviço. Pagaram apenas pelo serviço executado, não pela vida que a gente perdeu, pelos amigos que cansaram de nos procurar, pelos amores que desistiram de nós, pela solidão que descobrimos ou, enfim, reconhecemos quando nos libertamos daquilo que era, praticamente, a essência de nossa vida, o trabalho. Uns se libertaram pelo desemprego; outros, por doença; alguns pela opção da aposentadoria.

            Eu sei o preço que paguei pela vida que escolhi. Se tiveres chance, tempo e vida, refaz a rotina para que ela não te engula. Reconstrói a rotina, antes que ela acabe com a tua vida!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lamentos e oportunidades (*)

Vera Pinheiro
            Tem gente que se queixa demais da vida! Aliás, tem gente que só se queixa da vida, da falta de sorte, das desventuras, mas não faz coisa alguma para melhorar. São pessoas que insistem em ver as dificuldades e não enxergam as oportunidades. Reclamam de tudo e alimentam um espírito de coitadinhas, querendo granjear a comiseração alheia. Algumas são tão eficientes nisso que chegam a despertar, nos outros, culpa pela situação delas. Trabalham tão habilmente os seus queixumes que, se não ficarmos atentos e vigilantes à manipulação dos sentimentos, acabamos por assumir uma responsabilidade que não temos pelo que elas vivem.
            Cada um tem a sua vida e ninguém pode fazer o que a cada um é devido. Nem mesmo no ambiente familiar podemos trocar os lugares para que uns e outros sejam poupados de experiências que decorrem de escolhas individuais. E cada qual escolhe o que deseja para si, isso é fato. Porém, os que preferem cultivar descontentamentos em vez de agir, enfiam a cabeça nos joelhos e se lamentam, enquanto aguardam ajuda externa, sem buscar recursos em si mesmos para solucionar suas questões.
Todas as pessoas têm em si um manancial de capacidades, mas muitas não usam. Isso, afinal, pode ser muito trabalhoso. O que faz alguém vencedor é o uso de seu potencial criativo e realizador, sem meramente aguardar que o destino o favoreça sem que ele nada faça. Temos de contribuir com a nossa parte para que tudo dê certo, seja um sonho, um trabalho ou um relacionamento. Esperar que o outro se esforce para que nos beneficiemos dos resultados é uma verdadeira preguiça em relação ao compromisso que temos com a nossa realidade.
            Além disso, quem estiver disposto a auxiliar o próximo deve saber cuidar, primeiro e muito bem, de si mesmo.  Não é à toa que as instruções de voo indicam que um adulto deve colocar a máscara antes de ajudar uma criança e pela mesma razão as mães devem alimentar-se antes dos filhos para que possam sustentá-los. Curiosamente, às vezes ouvimos dizer: “Fulano só é ruim para si mesmo”. Isso não pode ser crível, porque as pessoas que não se amam não sabem amar os outros, os que se odeiam não cultivam pelos demais um sentir oposto, e quem se maltrata não consegue tratar bem os outros.  E não somos pessoas boas ou más seletivamente. Somos, apenas isso. O tempo e a convivência o comprovam.
            Os incansavelmente queixosos põem a culpa na vida! Pobre vida injustiçada pelos pessimistas, de fé rala, frouxos de confiança, lassos, acomodados e dependentes, que esperam tudo venha pelas mãos dos outros, sem qualquer empenho pessoal. Os que são dados a lamúrias e reclamações são justamente aqueles que não pegam o cavalo encilhado que passa na soleira da porta. São os que dobram a primeira esquina quando a vida coloca algo maravilhoso em seu caminho. São os que morrem se queixando de sede mesmo ao se depararem com uma fonte de água cristalina. São os que recusam o banquete divino que lhes é servido a cada dia e não se abastecem de nutrição e ânimo. São os que naufragam em oração, mas não aceitam o socorro que lhes é enviado. São os que têm faca e queijo na mão e não se alimentam. São os que perdem o bonde que passa na frente deles. São os que muito pedem, mas pouco fazem. São os que vivem à espera de milagres, mas não os percebem.
            As oportunidades estão diante dos olhos, mas as aproveita quem está disposto a não perdê-las! Quem se mexe e não espera que a chance se repita para ter certeza de que vale a pena. Quem examina atentamente o que a ocasião oferece para não desperdiçá-la. Quem sabe dizer “sim” e “não” com convicção, reconhece os presentes que a vida dá e não os joga fora.
            Faz toda a diferença ter plena consciência de si mesmo, do que é e do quanto pode, saber de suas potencialidades para avançar no processo de crescimento a que nos destinamos, observando que lamúrias não ajudam nisso e que o fortalecimento pessoal está, em alguns momentos, nos desafios e obstáculos que enfrentamos com determinação, firmeza e coragem.
          (*) Crônica publicada no Jornal A Razão, de Santa Maria, RS, na edição de 25/26 de fevereiro de 2012.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

O esforço do recomeço

Vera Pinheiro
            A tudo o que realmente importa a gente dá a preferência do tempo. Porém, algumas coisas de que gostamos muito são preteridas em detrimento de outras, mais urgentes, embora necessárias também. Quando vemos, deixamos de lado uma série de prazeres porque sucumbimos a atividades que nos sugam até as entranhas e ficamos sem energia para aquilo que antes era fundamental. E era mesmo. E ainda é, mas foi abandonado.

            No meu caso, escrever. No ano em que realmente me aposentei, foi o que menos escrevi. Fui tragada por exigências que ocuparam todo o meu tempo, precisei resolver uma infinidade de assuntos e me dediquei pouco a mim e a esse meu antigo, incomparável e insubstituível prazer. Por meses, escrevi apenas uma crônica por semana, a que publico na edição de fim de semana no jornal A Razão, de Santa Maria, RS. Deixei de atualizar os blogs, nem sei o que aconteceu com o meu Twitter (será que ainda estou lá?) e a minha vida virtual se resumiu ao Facebook, que aprendi a gostar na medida em que reencontrava pessoas da minha estima.

            O ano de 2011, vendo-o de longe, foi diferente em todos os sentidos. Trouxe grandes desafios e imensas lições de vida. Por tudo o que passou, mereço que o ano de 2012 seja brando. Será! Ufa.

            Recomeçar é algo bem mais difícil do que qualquer começo. Mas cá estou de novo, no esforço do recomeço, depois de muita ausência, alguns ensaios de retorno, promessas descumpridas e vontades não concretizadas. Eu me esgotei de um tanto no ano passado que não tive fôlego para me dar o prazer de estar aqui. Sim, isso acontece, por incompreensível que seja.

            Agora estou de volta para o meu próprio aconchego e reviro as gavetas do coração, vasculhando interesses que ainda são válidos, pessoas que quero perto, os meus sonhos, projetos e desejos, em busca do que me contenta a alma. Escrever, por exemplo.