domingo, 25 de dezembro de 2011

Recordações de outros Natais

Vera Pinheiro

            Um dos Natais mais marcantes de minha vida foi lá pelos meus sete anos. Eu queria muito ganhar uma bicicleta e o Papai Noel trouxe uma para mim, enquanto estávamos na Missa do Galo. Naquele tempo eu ia à missa.

            Porém, Papai Noel não dá laço sem nó. Deixou uma bicicleta e, junto, uma vara de marmelo e um bilhete dizendo que se eu não largasse a chupeta (de bebê, gente, não aquilo de gente grandinha e safada), ele levaria a minha bicicleta e eu ficaria apenas com a vara de marmelo. Isso foi pior do que deixar do vício de cigarro! Mas resisti, firme e forte.
           
            Minha amada irmã mais velha, que crueldade com uma pobre criancinha! Valeu a intenção do presente, mas não precisava manchar a imagem do Papai Noel desse tanto! Nunca mais tive uma boa relação com ele que, nas minhas lembranças, dá e ameaça tirar por um comportamento que ele julga sem dar direito à defesa. E olha que sempre fui comportadinha. Imagina se não fosse!

            O meu problema com o Natal é fazer aniversário uma semana antes. Como a minha família não era abastada, para não dizer pobre de marré, logo cedo tive de escolher se queria presente de aniversário ou de Natal, porque dois não poderia receber. É claro que eu queria presente de aniversário e de Natal, mas essa alternativa não me era oferecida. Ou um ou outro. Pronto, acabou. Sem contestações.

            Desde cedo, portanto, fui colocada contra a parede para tomar decisões, e essa era apenas uma delas. Não tinha dez anos ainda e já precisava decidir sobre o que a vida deveria me presentear. Muito cruel isso.

            Não tinha muitas amigas, mas as que eu tinha ganhavam presentes de Natal. Preferi, então, abrir mão do presente de aniversário para, como as minhas amiguinhas, ganhar presente de Natal. Até hoje acho isso uma sacanagem com a minha criança interior.

            Dos presentes que recebi, Márcia e Paulo César foram os melhores. Eram meus “bebês”, dois bonecos de sexos bem definidos, um guri e uma guriazinha. Amava os meus bebês. O curioso é que não dei esses nomes aos meus filhos, quando nasceram.  E eu gostava tanto de bebês que brincava de lavar a cabeça deles enquanto lavava conchas na pensão de minha mãe. Quando tive a chance de descer à terra, entrei na fila da maternidade umas quantas vezes, mas tive apenas dois bebês: Guilherme e Camila. Mas eles valem por uma dúzia, que eu gostaria de ter tido. Sou mãe de montão! E como não tive mais filhos, crio quatro gatos e três cachorros, a minha família animal. Já foram em maior número, mas houve uma devastação na ninhada, assunto para outra hora.

            Por enquanto, e agora, Feliz Natal a todos. Sem vara de marmelo. Até porque a lei pega quem ousar recorrer a ela para enquadrar a gurizada!     

Ho Ho Ho Feliz Natal


Sempre achei que não fico bem de barba...
Nesta época, saco cheio!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal cotidiano

Vera Pinheiro

            Não gosto de comportamentos previamente agendados para certas ocasiões e de atitudes determinadas com antecipação, como se decoradas para uma exibição teatral. Também não me convencem bons modos programados para datas comemorativas apenas. Gosto de espontaneidade, sinceridade e coerência. E de boa vontade em mudar aspectos que merecem apupos, porque desprezíveis.
            Botando o dedo na consciência, cada um tem algo a reformar em si mesmo. O mundo é uma grande oficina do ser humano e é lamentável que alguns não aproveitem a chance de aperfeiçoar o que são, transformando-se em pessoas melhores enquanto desfrutam do breve passeio que é a vida no plano terrestre.
            O ano correu célere, nos envolvemos em mil ocupações e, de repente, cá estamos na celebração de mais um Natal. Esse é um momento que muitos, equivocadamente, associam à angústia de enfrentar lojas superlotadas para a compra de presente como se isso fosse a coisa mais importante da comemoração. Sentem necessidade de presentear familiares, amigos e colegas para expressar sentimentos que não vivenciam ou para fingir afeto que não sentem. Acham que “fica chato” deixar de presentear os que são de convívio mais próximo, sem perceber que chato mesmo é ter sido, ao longo de todo o ano, absolutamente intratável à maioria, insuportável para todos e considerado caso perdido em termos de boa educação.
            Ah, não. No Natal, muda tudo! Quem é áspero se torna modelo de delicadeza, os grosseiros se travestem de gentis e os maus se fantasiam de boas criaturas. Uma ilusão somada à outra e todos cantarolam canções natalinas, exultam a figura do Papai Noel e se esquecem de Jesus, cujo nascimento é celebrado.
            Vamos fazer um esforço pessoal para transformar o que é farsa em sentimento real e para fazer Natal no cotidiano, todos os dias. Que o Natal seja a festa da simplicidade e que a arrogância não tenha espaço nos nossos corações. Seja a vida simples e fácil, com a beleza de uma manjedoura cercada de bichos, de pastores do afeto e de reis prósperos. Seja tudo absolutamente belo como a natureza é. Sejam os nossos dias tão alegres quanto aquele em que nasce uma criança.
            Que nasça em nosso peito a vontade de amar e de ser feliz.
Que venham os presentes da fartura, da abundância e, sobretudo, do amor pleno, amplo, imensurável. Que todos os dias nós recebamos uma cesta de carinho, de compreensão, de fraternidade, de perdão, de luz. De muito amor, o sentimento mais necessário ao mundo. Que possamos trocar ternura sem medo, amar sem travas, sorrir sempre e chorar apenas quando nos emocionamos grandemente. Que tenhamos alma de criança, que se encanta com tudo, anda atrás de descobertas, sempre recomeça.
            Que os sonhos sejam possíveis, que a felicidade seja viável.
Que aquilo que nos faz contentes não esteja longe, que as pessoas amadas estejam perto, que a família esteja unida também nas horas em que não há festa.
Que haja pinheiro enfeitado não apenas neste dia, que haja estrelas todas as noites, que a vida brilhe e nós também. Que haja brindes, comemorações, festejos, mas sem ressaca depois, nem tristezas. Que de tudo reste uma boa história e seja uma lembrança que a gente gosta de ter. Que a mensagem do Natal não seja esquecida, que o gesto de cumprimentar os outros se repita sempre. Que os bons votos aconteçam.
            Que possamos voltar ao verdadeiro espírito natalino, e que ele fique por todos os nossos dias. Que a estrela brilhante da fé oriente nossos caminhos e que a paz aconteça e se renove. Que nasçam sentimentos bons e que saibamos compartilhar a vida pelo prazer que isso dá.
            Que nossas vidas sejam eternamente iluminadas pelo poder divino que é em nós. Que sejamos irmãos e amigos não apenas porque é Natal, mas porque nos amamos. E que saibamos amar apesar das dores que atravessamos e das marcas no coração que temos. Apesar do que o outro é e do que somos, que queiramos sempre nos amar, e que possamos. Feliz Natal, então!           

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Atendimento Preferencial

Vera Pinheiro
            Eram três e pouco da tarde quando entrei em uma agência bancária, já com pressa de me dirigir a outro local para cumprir a agenda marcada para aquele dia. Quatro pessoas estavam à minha frente. Um homem de 40 e poucos anos; uma jovem de 30, no máximo; uma senhora que aparentava uns 50 e um garoto que recém devia ter passado dos 18.
            Dei uma espiada no movimento do caixa e peguei um lugar na fila, sob o olhar atento do segurança que não perdia o mínimo passo de quem circulava por ali. Sorri para ele e depois fiquei com aquele olhar de paisagem, esperando a fila andar. Enquanto isso, ajeitava os pensamentos sobre o que tinha a fazer.
            Estava no período que costumam chamar de “inferno zodiacal”, às vésperas de mais um aniversário, mas não poderia supor que me colocaria entre o cômico e o inusitado para viver a primeira experiência de atendimento preferencial, embora não tenha qualificações para merecer as correspondentes prerrogativas.
            Resignada a esperar, não me aborrecia. Foi quando, num repente, o segurança do banco dirigiu-se ao grupo em que eu estava e falou comigo em alto e bom som, e todos ouviram:
            - “A senhora tem direito a atendimento preferencial”.
            Ele não perguntou se eu tinha (ou não) tal direito; afirmou categoricamente! Não me mexi. Fiquei olhando para o homem com uma cara que não expressava coisa alguma, certa de que ele não estava falando comigo. Pois estava. Estava?!
            - “Será que ele está falando comigo?”, me perguntei, arriscando um olhar sorrateiro para os lados para ver se alguém se manifestava. Silêncio no recinto. Eu, muda!
            - “Ele está falando comigo, não acredito!”. Era para acreditar, pois o homem insistiu que eu tinha direito a atendimento preferencial.
            - “Tenho?!”, pensei. “Ainda não”, constatei, fazendo mentalmente as contas da minha idade.
            - “Caramba, devo estar com o visual prejudicado, aparentando pelo menos uns cinco anos a mais...”. A essa altura, contive a mão que vasculhava por um espelho dentro da bolsa para não passar recibo do meu assombro. Recuperada da surpresa, e para não constranger o moço, tampouco esmurrá-lo, limitei-me a agradecer e disse que dispensava. Os companheiros de fila suspiraram aliviados. Não raro, há manifestas e dissimuladas contrariedades em ceder lugar aos idosos.
            Tudo bem que tenho uma autoestima de bom tamanho, mas essa me pegou desprevenida. Ao sair do banco queria me olhar em um espelho com certa urgência, mas deixei de lado a ideia por ter mais o que fazer. Fui a uma loja de departamentos localizada em um shopping. Mal juntei umas compras e um rapaz veio, esbaforido, ao meu encontro. De novo, a minha cara de susto.
            - “Deixe-me ajudá-la para a senhora não carregar peso”.
            Sorri sem graça. Ele até que era engraçadinho. E a pergunta matutando na cabeça: “O que há comigo hoje?!”. Sentia o peso da idade calcando sobre os meus ombros depois da segunda investida generosa, mas inesperada, de gentilezas comigo. Eu me perguntava se teria errado na idade e buscava certeza de que neste sábado eu chego aos 56 sem dar desconto ao passar dos anos. Ah, não importa. O tempo passa rápido mesmo. O tempo, aliás, passa rápido demais depois que a gente vira a curva dos 18. Ao cruzar os 35, então, a idade vai a galope. Quando vemos, pronto, estamos sexagenários!
            Até me esqueci do que queria comprar. Saí dali sem levar nada e entrei noutra loja na esperança de que a abordagem mudasse. Fiz um passeio demorado e, de novo, entrei na fila. Estava de frente para o caixa quando, às minhas costas, alguém pergunta: “Esta é a fila preferencial?”. Era apenas eu ali. Virei o corpo e fiquei de frente para uma linda senhora de seus 80 e alguns. Eu não sabia se dizia sim ou não, tantas vezes naquele dia me tomaram por merecedora do singular atendimento. Os questionamentos se embaralhavam na cabeça mais do que os meus cachinhos ao acordar.
            Foi quando esbarrei com um espelho enorme, em que podia me ver de alto a baixo. Vestia uma bata que aposentei no mesmo dia! Parecia grávida! Bem que reparei que algumas mulheres olhavam no meu rosto e depois para a barriga, nem tão proeminente, a bem da verdade, embora existente! E há quem duvide do que uma roupa pode fazer com a aparência da gente!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Dia de recomeço

Vera Pinheiro

Este domingo, apesar de primaveril, foi um dia típico para foguinho de lareira, um bom vinho e cobertor por cima. Beijos e um (bem) estar de conchinha, incluídos, mereceram ser muito apreciados. Choveu bastante e o dia todo foi bem frio e nublado no nosso recanto. Foi um bom dia para ficar em casa. Em dias assim a saudade se aguça e a gente sente uma controlável vontade de saber notícias de quem ocupa lugar privilegiado em nosso coração.

Pela cara do tempo, tão estimulante a bom aconchego, achei que seria um dia perfeito para recomeçar a escrever no blog. Afinal, meses se passaram sem uma palavra... e muita coisa aconteceu nesse meio tempo. Dentre outras, o fato de estar sem internet, com os computadores pifados e sem nenhum tempo para escrever. De abril a dezembro fiquei “fora do ar”, ausente do mundo virtual, por conta de mudança de casa e de uma trabalheira sem fim em uma reforma. Passei boa parte do tempo envolvida com pedreiros, praticamente “vivendo” com eles. Afinal, batiam às 7h na porta e saiam no final da tarde. Só me livravam da presença deles à noite. Ufa. Era eu fechar os olhos para dormir e parece que, num instante, eles já estavam de volta. Foi um grande cansaço e, também, a mostra de que a minha paciência aumentou. Beirei à iluminação.

Tentei voltar a escrever algumas vezes, sem sucesso. Não conseguia estabelecer uma rotina voltada para aquilo que mais gosto de fazer. Estava em função de outros interesses, mais gerais. Precisava da velha e boa paz, do meu sossego, da minha rotina. Poxa, eu adoro rotina. Saber o que posso fazer das horas do meu dia, sem ficar entre uma surpresa e outra, vivendo de expectativas sobre o que vai ocorrer daqui a pouco, numa eterna gangorra de emoções.

Senti muita falta de escrever. Apenas consegui manter a coluna semanal no jornal A Razão, nada mais. E foi indescritível a alegria que senti quando, finalmente, consegui colocar internet em casa, depois de ter consertado os computadores da pane generalizada!

Está certo que gosto de uma vida simples, mas acho que desta vez passei das medidas. Sem tevê, sem internet, sem telefone em casa foi algo comparável a uma experiência das cavernas. Agora é hora de retomar o equilíbrio. Nem tão lá, nem tão aqui. O caminho do meio é o ideal.

E de repente passaram-se os meses e já estou às vésperas não só do meu aniversário, mas também do Natal e do Ano Novo. Como este ano passou rápido! Tanta coisa e não sei o que escolho relembrar. Muito quero esquecer, outros momentos eu quero guardar.

Mas, enfim, é hora de voltar ao recomeço – e quantas vezes eu terei recomeçado?! Onde mesmo eu estava quando me isolei da vida virtual? Onde ficou a pessoa que não tinha planejado, mas se configurou eremita? Onde foi mesmo que eu me deixei?

Vou atrás de mim por meio das palavras, esperando um feliz reencontro comigo mesma, porque, apesar dos solavancos e das ausências, ainda não me perdi de mim. Sou os meus silêncios e as minhas retiradas, mas sou especialmente o encontro revigorado com a minha essência, que adormece, cochila, mas não morre no que essencialmente sou.