sábado, 30 de outubro de 2010

Botas e estimação (*)

Vera Pinheiro

Estou em estado de graça! Na minha fase atual, a vida ganhou encantos extras e qualquer prazer me diverte. Não preciso, então, de grandes acontecimentos, pois aprendi a valorizar todos os bons momentos e a passar serenamente pelos “nem tanto”. Além de ser um aprendizado do viver, isso, definitivamente, é uma bênção!

           O motivo de tanta alegria é um par de botas de estimação. Pretas, de camurça macia, bicos arredondados e com tiras para amarrar são as minhas botas preferidas. Só que, como tudo nesta vida, um dia ela entregou os pontos! O solado de borracha se acabou de tanto que a usei. Rasgou! Fiquei com o calcanhar de fora, no chão, acreditem! Depois de muitas pesquisas pela cidade, finalmente encontrei uma sapataria que reconstituísse o calçado, colocando nele um solado de couro. Outras se negaram a fazer o serviço. Não tinham competência para esse trabalho, tampouco sensibilidade para perceber que se tratava de um bem inestimável.

Nesses tempos em que tudo é descartável, incluindo sentimentos, gostei muito de ter encontrado um sapateiro para dar vazão à centopéia que sou. Adoro sapatos, mas tenho dificuldade de encontrar um par que não fira os calos antigos dos meus pés. Felizmente, sempre há um sapato velho que sirva a um pé dolorido, esperança que se estende às expectativas do amor.  Curioso é que não ouço ninguém dizendo “fui ao sapateiro mandar fazer um conserto”. Parece que todo mundo compra sapatos novos. Os pares velhos – que não chegam a ficar velhos – são repassados, doados, o que não deixa de ser uma boa ação, mas me faz questionar o consumo e o aproveitamento do que se tem. Estou num tempo de aproveitar bem e reaproveitar o máximo possível o que tenho e sou, até que se esgotem todas as possibilidades. Sentimentos e vivências, em especial.

Mas, afinal, por que, raios, a estima por aquelas botas? Essa não é pergunta de resposta fácil! Não sei. Talvez pelo conforto. Nem sempre sei por que gosto de algo ou de alguém. Gosto e pronto. E às vezes amo, e muito, movida pela sensibilidade, sem qualquer explicação racional. Geralmente é bom o meu gostar e não me arrependo dele. Quando não é, não há outra coisa a fazer senão confiar que tudo passa. E passa mesmo! Até as paixões mais arrebatadoras, e principalmente elas, passam. O que custa a passar – nem sei se passa – é o amor que chega devagar e se instala, fazendo ninho e mimo no coração da gente. O amor não passa, mas com o tempo, as atitudes, as decepções e as experiências ele pode transformar-se em outro sentir, mudando para afeto, carinho, uma aguda tristeza e até mesmo o oposto dele, o ódio, que é pior do que não amar.

O amor faz bem pela sua essência primordial de pacificidade, que acalma as emoções e abranda as reações, contribuindo para o diálogo e o entendimento entre as pessoas. Se açoitar com palavras e impuser sofrimento não pode ser amor. Há que ter outro nome o vínculo que mantém o convívio, e razões que o justifiquem. Amor é o bem em si mesmo. Se vinculado ao que é nocivo e prejudicial, tem denominação diversa. O amor é gentil. Se machucar o coração e se associar a procedimentos que escapem da amabilidade, enveredando para a truculência, não chamem isso de amor e não se confundam, doravante.

O amor é como aquele meu par de botas que dura e se revigora pelo conserto – e o amor tem conserto justamente por ser o que é e como é. Tem detalhes belíssimos que agradam e embelezam o ser, o que o diferencia de tudo o mais, por isso é único. Tem uma maciez que aconchega pés cansados e os leva a grandes distâncias. Aliás, não há distância quando há amor, embora alguns a usem como desculpa para o afastamento, mas nesse caso não é amor também. O amor acolhe a alma em todas as circunstâncias e é confortável, o que não significa acomodação, por isso quem se ama quer estar junto, e isso é tão bom como calçar um sapato que não aperta, não machuca os calos e, de quebra, ainda é bonito.

(*) Crônica publicada na edição de 30 e 31 de outubro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

Relacionamentos bons são confortáveis

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Por que?

Vera Pinheiro

Eu estava lavando o carro quando um homem estaciona o carro em frente ao meu portão, desce e me chama. Vou até ele com a cachorrada latindo em volta. Mal podia ouvi-lo, tanto os cachorros latiam! Mas pude ver que era bonito e trajava bem.

- Pois não?
- O seu marido tem uma Pajero Mitsubishi?

Fiquei olhando para ele por alguns segundos sem dizer nada. Por que, raios, homem supõe que a gente tem marido? Perguntou para saber? Não. Supôs. Enquanto pensava nisso, silêncio. E o homem esperando.

- Desculpa, não entendi. Pode repetir?
Era uma desculpa, claro, enquanto eu ganhava tempo para pensar na resposta. Aprendi a tática com entrevistados que não queriam ou não sabiam responder.

- O seu marido tem uma Pajero Mitsubishi?
Eu continuei em silêncio e ele prosseguiu. "É que ele disse que morava nessa rua, mas esqueci o número da casa".

- Nem Mitsubishi nem marido...
Tive vontade de dizer isso, mas me contive. Respondi apenas um lacônico “não” e sugeri que ele se dirigisse à administração, indicando o caminho.

O homem sorriu e agradeceu. Continuei o meu trabalho de flanelinha doméstica, lustrando o carro como nenhum homem o faria.

- Espera aí, moço! Se tivesse um marido com uma Mitsubishi, eu estaria lavando o meu carro? Será? Já que não tenho, leva o meu cartão com telefone, celular, fax, e-mail, sinal de fumaça e pombo-correio.

Só pensei em dizer, óbvio. Fiquei quietinha, lavando o carro e adorando o brilho que arrancava da lataria! Poderia ter feito uma abordagem dessas se não tivesse certeza de que isso espanta os homens. Eles não suportam que a gente diga o que quer. E eu tenho a maior preguiça de brincar de faz de conta.

Acabou!

Vera Pinheiro

     Por que a gente tem dificuldade de entender que uma história acabou? Que apego é esse que impede de dar um basta derradeiro, virar as costas e partir para outra (ou não, se quiser se dar um tempo de acomodação das emoções)? Por que tentar segurar uma esperança de que ainda tem mais o que viver no relacionamento, quando ele já deu o suspiro de morte e não vai ressuscitar por nada neste mundo?

     É verdade que, às vezes, a história acaba antes mesmo de ter começado, mas persiste a vontade de dar um capítulo extra para ver onde é que tudo vai parar, e revirando os olhinhos na torcida para que tenha, quando tiver, um final feliz, sem marcas, mágoas e nenhuma decepção.

     Na verdade, a gente sabe quando uma história acaba, mas se recusa a aceitar. Isso é que faz tentar de novo e se expor diante do outro, rastejando o coração por ele e implorando por uma palavra, um reencontro e outra chance de recomeço.

     Temos de enfrentar os fatos e a realidade, por mais que nos desagradem. A pessoa não atende os teus telefonemas, não responde as tuas mensagens, não te procura? Esquece, então. O que havia – se é que havia – acabou! Não arranca os cabelos por conta disso. Pelo contrário! Fica linda e pensa que o fato de ele não te procurar não te desmerece. Não dá tanta importância às escolhas dele, que não te incluem. Isso não é problema teu, é dele. Não é problema meu, tenho certeza. Porque eu sou poderosa, eu sou corajosa, eu sou um sucesso!

     Diz isso para o mais profundo do teu ser e verás que num instante a página está virada e a gente já está noutra, feliz da vida, enquanto ele continua a eterna busca da mulher da vida dele. Passou! Já era.

     Lembrei disso hoje quando hoje tive de jogar fora um vidrinho de gloss que eu amava muito. Deixava a minha boca (ainda mais) maravilhosa. Que pena. Acabou. Gostava tanto dele. Não tem importância. É possível que ninguém goste tanto dele quanto eu gostei. Mas eu posso gostar de outro do mesmo jeito. Peninha dele... Acabou. Botei fora o meu batom. E virei as costas para aquele.

Tirei o gloss do meu kit Barbie e aquele, do coração!

     A pergunta que não sei responder é: por que, depois de ter escrito isso, entro no banheiro de um shopping e toca justamente aquela canção que virou trilha sonora? Será que o cara era uma merda? Hummmm, pode ser.
     Que raiva me deu na hora. PPP. Parece perseguição, porra!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dia do servidor público


Vera Pinheiro

Hoje, 28 de outubro, é o Dia do Servidor Público, instituído em 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas como o Dia do Funcionário Público, através do Decreto-Lei Nº 5.936. Em 1990, com o surgimento do novo Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais - Lei Nº 8.112 - a denominação de funcionário foi substituída pela de servidor. Eu não sou, mas estou servidora pública, e trabalho no ritmo e com a eficiência que uma empresa privada exige, sem cara feia nem má vontade, e assim penso que deve ser.

Para celebrar o Dia do Servidor Público e o seu aniversário, o presidente Lula, com dona Marisa Letícia, trocou abraços e beijos e tirou fotos, ontem, com o pessoal que trabalha na Presidência e na Vice-Presidência da República. Eu estava lá de novo! Eu e a Rita Helena, minha amiga do serviço e fora dele.

Agora é emendar quatro dias de folga porque o feriado pela data foi transferido para segunda-feira, depois da eleição e do Dia das Bruxas, em que me comemoro.


Dona Marisa Letícia, eu e o presidente Lula
Rita Helena e eu festejando as datas

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

E o tempo passa!...

Vera Pinheiro

É impressionante como o tempo passa e não tenho tempo para fazer o que gostaria. Acho tempo para fazer o que preciso, mas adoraria me dedicar a atividades que festejam o meu espírito e que não são obrigatórias, apenas prazerosas.

Por conta do horário de verão tenho a sensação de que eu acordo atrasada todos os dias! E é um fato. O celular me desperta no horário de sempre, às 6h, mas meu corpo sabe que não é a hora de ele acordar e me faz virar para o lado e dormir mais um pouquinho. Essa briga vai até que termine o horário de verão, então nem adianta me aborrecer com atrasos. Em compensação, adoro sair do trabalho a tempo de ver o entardecer e chegar em casa antes de a noite se apresentar.

Queria mais tempo para ver o amanhecer. Sem relógio nem pressa, horário a cumprir, um monte de coisas para fazer. Saudar o dia que se encerra e o anoitecer, e ter de sobra algumas horas vazias para ficar à toa, contemplando o existir.

A vida continua acontecendo independente dos meus atrasos, da minha pressa e da falta de tempo para o que eu gostaria de fazer (ou não). Quero acompanhar com mais atenção o desenrolar da vida em cada momento, não passar por ela como se não a visse, por estar atrasada para ir a algum lugar ou por me deslocar no tempo no ritmo da ansiedade porque tenho de fazer alguma coisa.

Não quero a surpresa e o susto de perceber que, putz, o tempo passa! E fiz tão pouco. Quero fluir com o tempo e me alegrar com os instantes, dançar vagarosamente com os minutos e ficar feliz porque, se o tempo passa, as lembranças ficam. Só as boas, claro. As nem tanto faço questão de esquecer! E posso!

sábado, 23 de outubro de 2010

“Ficar” ou namorar (*)

Vera Pinheiro

            “Ficar” não é do tempo em que eu era mocinha. Naqueles idos, lá pelos anos... Ah, deixa pra lá... A gente namorava às quartas-feiras, aos sábados e domingos até as 10 da noite, nem um minuto mais. Quem tinha irmãos mais novos podia contar como certa a presença de alguém para “segurar vela”, ou seja, vigiar o namoro. Alguns enamorados se davam a subornar os pequenos fiscais da moralidade de outrora com dropes, chicletes e bombons para que abandonassem a missão de impedir que o casal se entregasse a arroubos de paixão.

Essa guarda atenta levava muitas mulheres virgens ao casamento, a se deitarem com homens com quem jamais tinham tido contato físico, o que não deixava de ser um grande risco de insatisfação garantida. Mas, apesar de todo o zelo, havia quem se casasse grávida sob a pecha de que “o namorado fez mal para ela”, assunto que se comentava a boca pequeníssima como se a honra da moça dependesse exclusivamente disso, e dependia, na época. A curiosidade infantil, lembro-me bem, não se satisfazia jamais, mas não adiantava perguntar, pois explicações não eram dadas, e a gente não entendia por que a moça parecia tão feliz ao se casar justamente com um homem  que lhe havia feito mal. Crescemos, então, supondo que sexo não era algo saudável do ponto de vista da experiência humana e dos preceitos religiosos. Era um mal, enfim.

            Andar de mãos dadas somente era permitido depois de concedida a licença dos pais para o pretendente “freqüentar a casa” e namorar no sofá. Quem, como eu, era a mais jovem dos irmãos, tinha a própria mãe a fazer marcação cerrada, e a minha não dava trégua, o que me desestimulava a namorar, confesso. É bem possível que se ela não tivesse ficado em pé atrás da cortina transparente da sala quando, ajoelhado, um ex-namorado me pediu para voltar, eu teria dito “sim”, mas temia que o juízo materno me considerasse fraca diante de um homem, coisa que nunca fui. Não sei se gosto disso ou não, mas entendo que foi uma necessidade e não imagino como tudo teria sido se eu não fosse como me tornei. De todo modo, é importante ser forte na solidão ou estando acompanhada.

            Ninguém ficava no portão depois que o pai ou a mãe davam o toque de recolher. Moça “de família” não ficava na janela (não havia internet, claro) e não falava com estranhos. Dormir na casa das amigas nem pensar! E ter amigos, homens, não era de bom tom. Uma pena, porque perdíamos a oportunidade de aprender sobre o universo masculino, e para isso muito nos servem os amigos quando não se tornam, eles mesmos, bons “ficantes” também. Nada sério, como dita a regra! Afinal, “ficar” é sinônimo de não ter qualquer compromisso.

As pessoas “ficam” por um dia, algumas horas, dizem tiau e voltam se o acaso ou a vontade sugerirem um reencontro. Nenhum dos dois está realmente interessado no outro, mas é importante que se sintam mutuamente atraídos para que essa relação superficial aconteça. E é de bom alvitre que tenham, ambos, consciência absoluta de que “ficar” não é namoro. É estar junto por alguns momentos e não pensar de novo na pessoa, não fazer planos, não programar o próximo feriado junto nem combinar o fim de semana lado a lado. É saber que não deve esperar um telefonema ou um torpedo pelo celular no dia seguinte. Flores, então, é coisa de um passado longínquo, que já se perdeu de vista.

“Ficar” é um encontro de ocasião que impõe controle extremo sobre os próprios sentimentos e domínio completo sobre as emoções para que sejam resistentes à ausência. Um se apaixonar e o outro não é como andar em direções opostas, e se um deles insistir em namorar, o que está a fim de “ficar”, apenas, vai fugir, é certo. Quem se submete a essa modalidade de relacionamento tem de conhecer como ela funciona para não rasgar o coração em tiras, e ninguém quer sofrer por amor que não é correspondido. Evitar amar, portanto, é uma prevenção usual dos adeptos. Quando não amar é possível, bem entendido, e às vezes o amor é mesmo inevitável, mesmo que se queira sufocá-lo.

“Ficar” pode ser um começo de namoro quando a pessoa bota os olhos dentro dos olhos de alguém e sente que ela veio para criar laços e ficar, literalmente, enquanto “ficar” é  o fortuito que se repete se houver chance. Namorar é o que faz uma pessoa quando quer a outra e ousa se tornar indisponível para as demais pela tentativa de ser feliz para sempre com aquela, ainda que “para sempre” não seja eterno e termine. Em suma, “ficar” é bom, namorar é uma delícia e amar é ótimo, apesar de tudo o que dizem em sentido contrário!

            (*) Crônica publicada na edição de 23 e 24 de outubro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Olhando aqui de cima...


Vera Pinheiro

...A vida parece alegre e em paz. Não apenas parece, é. Apesar de tudo e de alguns acontecimentos, aspiro e respiro alegria e paz. E olho a vida de cima de um salto 12,5, que é praticamente um tênis de tão confortável.

Adoro salto alto, e faz muito tempo! Porém, passei alguns anos de rasteirinha. Enquanto acomodava meus pés na linha reta, firmava alguns pontos da minha vida, como se cravasse estacas no chão para armar uma barraca. Não posso acampar de salto, então, do mesmo modo, precisava alinhar e estabilizar aspectos da vida tendo os pés rentes ao chão.

No dia em que recebi o diagnóstico de um problema cardíaco, a reação que tive foi passar numa loja e comprar um par de botas com um salto altíssimo. Bem, nem tão alto para os padrões que eu costumava usar há algum tempo. Não que quisesse voltar no tempo, pois tenho consciência de que ilusões não constroem pessoas fortes, como gosto de ser. E sou uma desiludida assumida. Tirei as ilusões para ver tudo melhor. O que eu queria era olhar a vida aqui de cima, porque não há problema que resista a um salto alto. Normal para mim, ué. Tem gente que enfia a cabeça no meio das pernas e chora. Outras pessoas se metem embaixo das cobertas e dormem o dia inteiro. Eu subo no salto. E só desço quando as coisas serenam.

Esta semana foi agitada – graças dou que hoje é sexta! – e corri de um lado para outro. Depois de muitos anos vivendo isso, hoje detesto correria e a sensação de desordem no meu dia. Incluí compromissos demais na agenda e acabei voando o tempo todo, desde segunda-feira, por isso não conseguia andar de salto. Hoje me revoltei e cancelei o que estava marcado só para poder me arrumar direito de manhã e usar uma sandália maravilhosa. Perdi a pressa, em suma. Afinal, na pressa quem consegue viver direito? Nem aproveita! Podem falar contra o salto, mas ele dá postura, mais elegância e menos pressa. A gente anda devagar e passeia pelo dia. E enquanto se equilibra, não se atormenta com nada, uma beleza! Amo isso!
 Do alto de um salto não há dor que permaneça nem tristeza que sobreviva! Amoooo!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Hoje é dia de...

Vera Pinheiro

Hoje é o meu dia no Poema Dia. "E não estavas lá..." foi inspirado nas vezes em que não tive aquela pessoa especial junto comigo. Vivi sozinha os momentos bons e os nem tanto. Nem sei se chega a doer essa constatação. Algumas dores, de tanto que doem, paralisam o sentir e o anestesiam. A gente passa pela dor e ela fica para trás. A consciência do estar só, nesse caso, trouxe um lamento silencioso, que me fez ver o que importa, se eu ou a saudade do que não vivi. O Poema Dia está no endereço http://poemadia.blogspot.com/

Hoje é dia de enviar a crônica da semana para o jornal A Razão. “Ficar ou namorar” é uma reflexão sobre a modalidade de relacionamento fugaz que, para ser boa, é preciso aprender a vivê-la, senão a gente quebra a cara e sofre. A inspiração veio de algumas lembranças minhas, dentre elas, pessoas que vieram e se foram antes que eu pudesse conhecê-las e elas a mim. Faz parte do “ficar”, que ao contrário do que o nome poderia sugerir, não fica, pois a sua essência é exatamente a condição de efêmero, regrada pela impermanência. A crônica estará sábado aqui no blog e no jornal de Santa Maria, RS.

Hoje é dia de adormecer lembranças para dormir em paz. Não são as amarguras que me tiram o sono, pois consigo afastá-las antes de pregar os olhos. São as partes felizes, que passaram, o que me mantém acordada, cutucando a memória dos sentidos. Só o esquecimento traz o sossego. Certas pessoas não merecem estar na galeria de nossas recordações, apesar da insistência com que se apegam a nós e da consequente dificuldade que temos de espantá-las do coração. Outras não querem ficar sequer em nossos pensamentos, como se pudessem administrar esse espaço unicamente nosso. E há aquelas que permanecem de tal modo impregnadas em nosso ser que parecem ter-se colado em nós até que a eternidade nos separe. Essa é a derradeira esperança. Afinal, lá como agora não há razão que nos faça ficar juntos. E não sei se lamento isso ou se agradeço.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

De sacolinha na Feira

Vera Pinheiro

Sábado passado, eu e Camila pegamos nossas lindas sacolas de tecido e fomos às compras na feira do produtor, que funciona aos sábados perto de casa. Atenção para o detalhe: estamos usando sacolas de tecido para dispensar as de plástico. Demoramos a adotar a prática, reconheço, mas é que, primeiro – e para ser uma atitude duradoura - precisamos nos prover de sacolas, o que já fizemos, ainda que tardiamente. Nós as deixamos no carro para evitar esquecimentos, o que nos faria carregar as compras em caixas e não temos força (nem homem por perto). Caixas de papelão são ótimas, porém difíceis de levar no muque! Como já estamos acostumadas a levar quilos e quilos nos ombros com nossas bolsas superlotadas, o peso foi quase nadinha.

A propósito, amiga minha (nesse caso vou dizer o nome), Rita Helena (blog aqui à esquerda ( http://amorepazparaomundo.blogspot.com ) disse que já tem supermercado dando vantagem para quem não levar as compras em sacolas de plástico. É um modo de incentivar o jeito eco-responsável de ser. E garanto que é só uma questão de tomar a providência de ter sacolas de tecido em mão e se acostumar com a idéia - e a consciência - de não usar sacolas de plástico. Já é bastante o plástico inevitável que se consome, por exemplo, o das embalagens de produtos alimentícios, papel higiênico etc.

Amigo meu, Clébio Júnior (blog Lenço Encarnado aqui à esquerda também: http://lencoencarnado.blogspot.com ) mostra quantas pessoas recusam as sacolas de plástico, atitude em favor do planeta sustentável. Vamos recusar! Lá em casa estamos fazendo isso!

Na Feira, meus olhinhos brilhavam diante da variedade de frutas, legumes e verduras, tudo fresquinho e com ótima aparência. Os preços estavam abaixo dos praticados nos supermercados e a qualidade era visível! Numa barraca atendida por gaúchos encontrei chimia, que nunca vi aqui em Brasília, exceto na ExpoTchê. É um doce similar à geléia, bem comum no Sul do Brasil, e o nome é derivado da palavra alemã Schmier. E além de chimia de uva, que adoro, comprei erva mate, porque a cuia e a bomba lá de casa não podem ficar sem um bom chimarrão. E comprei cuca, um bolo recheado, com cobertura de farofa, feita de farinha com canela, de origem alemã também, que tem muito lá pelos pampas. Uma delícia! E pão caseiro, claro, a que não pude resistir.

A Feira do Produtor será meu passeio das manhãs de sábado, agora. Vou comprar direto de quem produz, sem atravessadores, uma beleza! E a bordo de lindas sacolinhas, claro.

sábado, 16 de outubro de 2010

O alimento da alma (*)

Vera Pinheiro

            Do que a alma se alimenta? Daquilo que a sacia, preenche, estimula, fortalece, encoraja e sustenta. Ela se serve de uma mesa variada, com direito à entrada e sobremesa, mas o prato principal é, invariavelmente, a fé, pois sem ela nossos passos serão trôpegos e a confiança, vacilante. A inarredável e grandiosa fé no poder divino, a fé na vida e a fé em nós mesmos alicerçam os desejos e os encaminham para a realização.

A fé inabalável não elimina as dificuldades, mas nos ensina a resolvê-las; não impede os problemas, mas nos mostra as soluções; não remove os obstáculos, indica como contorná-los. Firma as ações para que elas, resolutas, tomem a direção do que queremos alcançar. Abre os caminhos e ilumina a caminhada. Dá-nos a graça de vislumbrar respostas para as dúvidas, acalma as emoções, pacifica o espírito e impregna a mente de serenidade.

Nas situações que comprimem o peito atormentado por angústia e medo é que se mede a extensão da fé e a comprovam. Quando tudo em volta deprime a esperança, a fé a agiganta. Se uma dor atravessa o dia, a fé a alivia antes que chegue a noite. Se uma preocupação se apresenta, a fé a dissolve. Isso, porém, não torna a pessoa um ente passivo, à espera de que a fé tudo resolva. Pelo contrário! Ela age, vai em frente, não se abate e não se queixa. Adquire ânimo para buscar a vitória sobre o que causa sofrimento. Conhece, então, o que é superação.

            Quem tem fé não se apavora diante das circunstâncias nefastas. Domina suas reações e tem controle sobre si mesmo. Não grita. A um só tempo, fala e ouve suas palavras, certo da capacidade criadora que elas têm. Portanto, antes de proferir qualquer sílaba pede licença ao universo. Assim, cultiva o silêncio nas horas aflitivas. Enfrenta o que for preciso sem questionar se merece aquilo que lhe foi dado viver. Vive! Suplanta o desalento e não se deixa vencer pelas vicissitudes que aparecem. Em tudo vê lições e ensinamentos e descobre o bem na face aparente do mal, a alegria em meio às lágrimas e a paz onde o caos se instala. Sobretudo, crê no bem, no amor e no perdão como possibilidades de refazer a harmonia das relações humanas e do vínculo espiritual entre todos os seres.

            Quem tem fé não se descontrola, permanece no equilíbrio que a fé proporciona. Mantém os pés fincados na realidade, mas confia nos sábios desígnios da providência divina, que detém todos os recursos. Não vocifera contra o destino, se não está feliz. Faz a sua parte para que a felicidade se concretize. Presta bastante atenção nos sinais que revelam recados divinais por mudança e sugestão de novas posturas, pensamentos renovados, atitudes moderadas e sem desvio dos elevados propósitos da sua existência.

            Alguém que tem fé não se prostra quando as adversidades se mostram. Entrega-se em confiança aos cuidados do Pai e da Mãe que habitam no altíssimo e no interior de seu coração. A fé inunda de tamanha segurança a alma que ela se embala e adormece em braços espirituais que dão confortável aconchego, nutrem a coragem, restauram as forças e revigoram o contentamento.

             Ainda que se propague também pelo testemunho de quem a vivencia em plenitude, a fé não se faz apenas por intermédio de manifestações orais. É uma vivência cotidiana que se alastra nas experiências repetitivas e nas que surpreendem pelo ineditismo, para o qual jamais estamos suficientemente preparados. Ela se demonstra nas ocasiões inesperadas e, igualmente, nas que a invocamos para que nos socorra. Ela fica quando os outros desistem e não se afasta quando somos visitados pela solidão e pelo desgosto, e nos consola. A fé se declara quando integramos plenamente os corpos físico, mental, espiritual, emocional e energético e nos tornamos ela mesma, irradiando-se no que somos e fazemos.

            O ser humano pode perder muito, mas terá perdido pouco se tiver fé. Pode perder tudo, mas se manterá inteiro se tiver fé. Pode perder todos, mas não estará sozinho se tiver fé. Por isso, lamento que algumas pessoas não tenham ainda ativado esse tesouro esquecido, a sua fé. São as que choram em vez de jorrar sorrisos de gratidão. São as que ainda precisam reconhecer que tudo é bem e tudo é bom quando existe fé.

E afinal, onde, no quê e como está a tua fé? Vive-a! E serás contemplado por incomensuráveis bênçãos, daquelas que, contando, os que não têm fé não acreditam!

 (*) Crônica publicada na edição de 16 e 17 de outubro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Ausência e canção

Vera Pinheiro

Quando estou com meus filhos e a minha nora estou nos braços da paz, como diz uma música. Adoro ver a minha família reunida, e mesmo que o reencontro seja por poucos dias, ou horas, que seja, eu me sinto muito, muito feliz. Gui e Rê fizeram uma visita rápida no feriadão (para eles) e alegraram o meu coração e o da Camila. A gente se refaz quando se reencontra, mas, na realidade, a gente nunca se perde, apesar da distância, que para nós não significa ausência.

Fiquei tão bem, ocupada com a família, que não liguei o computador. Só postei a crônica da semana, que já estava pronta, celebrando mais um aniversário do jornal A Razão, lá da minha terra, e não botei mais os olhos na tela. Faz bem se ausentar do computador e trocar isso por abraços, beijos, diálogo e carinho ao vivo, de pertinho.

E para embalar a noite de quarta-feira, o aconchego da voz de Bethânia e cenas de alguns filmes inesquecíveis. A minha vida, às vezes, parece um filme... Daria um!

http://www.youtube.com/watch?v=G0PRatfQZvk&feature=player_embedded

sábado, 9 de outubro de 2010

Carta aberta à Zaira de Grandi (*)

Vera Pinheiro

Minha muito querida Zaira, amiga de tantos anos e edições do nosso Jornal A Razão,

           Jamais esqueço o 9 de outubro, sabes disso. É uma data que o meu coração festeja por ser a da fundação do veículo de comunicação que faz parte da minha vida, o mais antigo de Santa Maria, que carrega tradição no nome e modernidade no fazer jornalístico sem perder qualidade e, sobretudo, credibilidade, que sempre foi o seu maior patrimônio.

           Para mim o dia de A Razão se compara à comemoração de um feliz acontecimento familiar, daqueles que relembro todos os anos e agradeço com as mãos voltadas para o céu. Aniversário dos filhos e dos pais, por exemplo, que não perco da memória por nada! E ainda que não tenha festa, celebro com a minha gratidão. Assim é com o aniversário de 76 anos do nosso jornal, que está na sua melhor idade, a que compreende os acontecimentos e os relata sem perder o fôlego atrás de sensacionalismo, de que jamais precisou para atrair leitores e anunciantes.

            Este belo e bom senhor, o jornal, é um setuagenário atento e zeloso por sua saúde jornalística, o que lhe dá exemplar vitalidade e invejável vigor, além de uma vasta sabedoria, podendo mostrar como se faz jornalismo conectado com as mais elevadas aspirações da comunidade em que está inserido. Da praça Saldanha Marinho, onde nasceu, à sede atual, A Razão percorreu mais de sete, quase oito décadas de observação do caminhar de nossa cidade, e o seu entusiasmo pelas grandes causas municipais e regionais jamais arrefeceu! Pelo contrário, está presente e atuante em cada movimento social, político, econômico, em todos os segmentos e classes sociais, indistintamente, vislumbrando as necessidades comunitárias e o potencial realizador da cidade como polo educacional de privilegiada localização e centro comercial e de serviços.

             O jornal A Razão é um educador de várias gerações de jornalistas. Ele se deu como meio de instrução prática a profissionais recém saídos da faculdade e mesmo antes da graduação. Assim, a vida acadêmica passou por suas páginas, transformadas em escola, enquanto era aguardada a conclusão do curso. Com a paciência dos mais sábios mestres, ensinou o cotidiano dessa verdadeira arte, que equilibra saber, experiência, competência e eterno aprendizado. Prontos para o exercício da profissão, muitos jornalistas foram embora da cidade, buscaram crescer no além fronteiras do jornal, mas com certeza se lembram de que, um dia, fizeram as notícias que o jornal publicou. Nisso me incluo. Como filhos criados para o mundo, partiram à procura de novos horizontes e o sucesso que alcançaram por certo tem uma parte que A Razão colaborou, como trampolim para altos e proficientes voos profissionais. Nesse caso, o jornal é como uma mãe que, a distância, torce fervorosamente pelo bom êxito dos filhos e se alegra em cada vitória deles.

              Aqui, Zaira, tu estás, pois compartilhas alegremente de nossas conquistas em todos os âmbitos das vivências, sejam pessoais ou vinculadas ao trabalho, no que tem a ver com a família e com os amores também. Somos muitos filhos de A Razão espalhados por aí. E ter no currículo uma passagem, mínima que seja, pelo jornal dá a segurança de que aprendemos – e havemos de praticar – um jornalismo sério, independente e comprometido com a verdade, acima de tudo. Somos uma família e tu, amiga Zaira, a matriarca. Não creio que o peso dessa responsabilidade seja maior do que o orgulho, a felicidade e a sensação de dever cumprido que dela decorrem.

            No dia 9 de outubro de cada ano, rejubila-se a minha alma por tudo o que o jornal A Razão representa, ainda no presente, na formação humana e profissional que tenho. Esse extremo contentamento ilumina o teu nome, Zaira, como alguém que esteve próxima de mim nas horas boas e nas nem tanto, nos desafios e nas tomadas inevitáveis de coragem para me lançar a iniciativas e à realização de sonhos. Graças dou por tudo o que tu és e pelo que fazes como esteio da casa! Aos irmãos de Redação entrego o meu abraço carinhoso por mais um aniversário do jornal que, diria Luizinho, é feito de “talento e coração”. Aos leitores, muita gratidão, pois são A Razão de estar aqui com enorme vontade de escrever e infinito ânimo de viver.
    
             Com saudade e amor, beijos agradecidos da Verinha de sempre.


 (*) Crônica publicada na edição de 9 e 10 de outubro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A terra tremeu em Brasília

Vera Pinheiro
Onde eu estava - no anexo do Palácio do Planalto, no térreo - não deu para sentir. Mas o prédio de vários andares onde Camila trabalha tremeu e foi evacuado, como muitos outros. O tremor de terra, por volta das 17h15 de hoje foi sentido em vários locais do Distrito Federal.

A terra tremeu e eu não fiz tantas coisas que queria. Não revi pessoas que gostaria de rever, não fui a lugares que gostaria de ter visitado, não disse tudo o que queria ter dito e que engoli as vontades no meio do silêncio.

A vida é assim. Sacode e faz a gente se lembrar do que queria (ou devia) ter feito e não fez, dos quereres que deixou de lado ou sufocou e das pessoas que queria ter perto, mas não vê e mantém distante.

Antes que a terra trema de novo por aqui vou dar um jeito na vida. Ah, vou!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Cenas

Vera Pinheiro

Contando, quem acredita? Se fotografo, a pessoa fica zangada e parte para a agressão. Mas quem entende certas cenas do cotidiano, que deviam ser registradas para não pensarem que é mentira?

Outro dia Camila e eu fomos a uma padaria, onde tinha algumas mesas à sombra e ali resolvemos tomar um sorvete. Não era ainda duas da tarde e aproveitamos para espichar a conversa e refrescar a garganta num dia quente, depois do almoço.

Apenas outra mesa estava ocupada por uma jovem mãe e sua criança de colo. Ela conversava com uma amiga.

Dali a pouco, a mulher começa a despir o filho em cima da mesa e – pasmei! – a trocar a fralda cagada dele no mesmo lugar onde servem uma refeição, café, chá, sei lá, o que se põe à mesa. Fralda cagada em cima da mesa da padaria. E aquele cheirinho característico de merda de criança exalando...

Olhei para a minha filha e ela olhou para mim. Cadê o dono da padaria para indicar o banheiro? Não. Cadê a compostura da pessoa?! E o respeito pelos outros? Ah, as pessoas estão ficando muito mal educadas, desrespeitosas com o que é do alheio, perderam o senso de civilidade e esqueceram dos bons modos!

Ficamos com vontade de falar com a moça, mas resolvemos sair dali. A gente cansa de tentar reformar o mundo... Mas não desiste. Vamos à próxima situação, outra cena lamentável, embora não fôssemos nós as prejudicadas.

Estávamos paradas em um semáforo e ao lado, o carro de uma empresa. O motorista, jovem, e outro rapaz no banco do carona falavam tão alto que podíamos ouvir o que diziam – pura bobagem. Quando abriu o sinal verde, um idoso terminava a travessia da rua na faixa de pedestres. Pois os idiotas arrancaram cantando os pneus, causando o maior susto no velhinho, que quase foi atropelado.

-  Que bom de ter um telefone para responder “Como estou dirigindo?”, disse para Camila.

Foi pra já que ela olhou o número de telefone que constava no carro e memorizou a placa. Ô cabecinha boa! Camila pegou o celular e ligou imediatamente para a empresa, reclamando dos rapazes. É possível que não dê em nada a denúncia, mas ela cumpriu a sua parte. Não queremos nos acomodar ao que desrespeita a vida e as pessoas, mesmo quando não tem nada a ver diretamente conosco, porque um desconhecido – no caso, o idoso – é um ser humano, e isso basta para merecer consideração. E não vai ser um idiota no volante que vai zombar dele na cara da gente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Boca de Camila, digo, de urna

Vera Pinheiro

Levantei cedo para votar ontem. Saí animada de casa para exercer um dos meus direitos de cidadã, o de escolher quem me representará no governo do país, no Distrito Federal, onde moro, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Minha filha Camila votou antes de mim, logo cedo, em outro local, e depois me acompanhou à seção eleitoral onde voto, próxima do lugar em que moramos quando viemos para Brasília. Hoje estamos no outro lado da cidade, mas continuo votando no mesmo lugar, e aproveito para rever pessoas que foram minhas vizinhas e comer um pão de queijo delicioso na padaria da quadra.

Logo que estacionei o carro e descemos fomos abordadas por um homem que fazia boca de urna a favor de Serra. Ele veio, literalmente, em cima de nós, e não estou exagerando. Agressivo e constrangedor, falava muito perto e gesticulava excessivamente. Seu discurso, porém, era coerente e bem articulado. Digo isso porque, depois que Camila chamou a polícia, o homem alegou aos policiais que era “um homem de Jesus”, se fazendo de louco para passar bem e mentir sobre o que estava fazendo. Dá para acreditar que ele disse que nós pedimos a opinião dele sobre em quem votar? Não dá vontade de esbofetear um tipo desses?

Enquanto ele tentava se explicar com mentiras, outro homem da campanha azul acercou-se e chamou um dos policiais em particular para dizer não sei o quê. Um dos militares me chamou e disse que não estava caracterizada a boca de urna. O que precisava para isso?! Que ele nos acompanhasse até a urna eletrônica? O homem só não foi adiante por duas razões: primeiro, Camila disse que já tínhamos candidatos e que ele se afastasse (e eu não fiz nada!); segundo, porque se dobrasse a esquina seria visto pela polícia, o que não garante que algo fosse feito para contê-lo.

Minha filha queria chamar a polícia na ida, quando eu me dirigia à seção para votar. Pedi que deixasse para lá, não queria confusão. Mas na volta, quando vi o homem abordando e importunando outras pessoas, concordei com Camila, que vociferava contra a boca de urna e fazia um inflamado discurso pela democracia e pelos seus direitos de cidadã. Lá fomos nós denunciar o homem! Não deu em nada, o homem foi afastado do local sob a recomendação de que não abordasse as pessoas.  Para louco não serve, pois cobriu o rosto para não ser fotografado e tirou um santinho religioso da bolsa. Filho da puta, usando Cristo na campanha boca de urna!

Hoje estou deprimida, sinceramente. Quanto mais me informo sobre o resultado das eleições, mais me questiono sobre o caminho que os eleitores escolheram para o uso desse seu direito de cidadão, o de votar e de escolher os dirigentes do país, dos Estados e aqueles e aquelas que irão legislar em seu nome. Que importância as pessoas dão ao voto, que é um instrumento sério de mudança e que não pode ser desperdiçado, ridicularizado e enxovalhado? No que acreditam, afinal? O que querem? O que desejam manifestar com o voto?

Eu, cidadã brasileira, votei segura e consciente do que quero para o meu Brasil e para o Distrito Federal. E vou assim, de novo, para o segundo turno escolher quem vai ocupar a Presidência e a Vice-Presidência da República por mim, em meu lugar.

Levei uma colinha e votei em apenas 27 segundos. Como eu sei? Ora, ora, fiquei de conversa na fila com um moço que, para passar o tempo, se divertia na fila cronometrando o tempo de votação de quem estava à sua frente. Estava atrás dele, mas ele me esperou para me dizer quanto tempo levei na urna eletrônica com aquele barulhinho insuportável (fiquei com dó dos mesários!). Sempre provo o que escrevo para comprovar. Leste a crônica da semana? Pois é. Adoro filas.

sábado, 2 de outubro de 2010

A arte da paquera (*)

Vera Pinheiro


No meu tempo (a expressão sempre faz com que eu me sinta mais velha…) era paquera, depois virou azaração. De qualquer forma, é gavionar. Buscar a aproximação, o namoro, a aventura amorosa, que seja. Paquerar é uma arte feita de sutilezas. A mim lembra o ritual dos bichos, que se mostram e se aproximam devagar, experimentando o cheiro, o toque, antes da investida. Paquerar é uma delícia! Em qualquer idade, é bom que se diga, e em todos os lugares – ou quase.

Olhar e ser olhado é uma espécie de atestado de que gozamos de boa saúde visual. A gente sabe se está bem no retrato quanto mais se é paquerada(o) por onde anda, mesmo que depois vá para casa sozinha(o). Mas aí é uma questão de escolha, se a gente quer ou não levar adiante a história.

Paquerar no supermercado é a coisa mais insuspeita e também muito gostosa. Os homens se sentem heróis quando nos alcançam latinhas que estão no último andar da prateleira, justamente o lugar de apelo para quem quer paquerar. Basta pedir: “Por favor, me alcança?”. (A latinha! E ele, junto). Dali para a conversa sobre preços, onde está tal produto, qual a melhor marca (a gente faz que não sabe) é um pulo curto! Pode acabar numa troca de telefones ou com um suquinho na lancheria, ali mesmo. Está feito!

A sessão de temperos faz milagres por uma relação nova! É bom aquele ar de dúvida sobre a escolha do tipo de pimenta, se gosta da Chilli, da Caiena, da Malagueta ou se tudo o que conhece é a Pimenta do Reino mesmo. Pode ser um bom lugar para paquera, mesmo para quem não sabe o que é páprica, açafrão, alcaparras, curry, estragão, tomilho. Mesmo não tendo noção do que serve para quê. Pergunta! Homem que circula nesse setor geralmente é bom de cozinha. No resto se vê depois. Não leva muito e a gente sai dali com o e-mail, no mínimo, para trocar receitas exóticas, que se vai copiar da internet e assinar embaixo. Se a conversa não render, leva a cebolinha, o alho e a salsinha, que, às vezes, é tudo o que se conhece e sabe usar nas panelas. E bom apetite! Inclusive para viver!

Um dos melhores setores de paquera no supermercado é o das bebidas. Há duas possibilidades. Primeira: a gente vai ali onde está o “paquerável”, pega a garrafa de vinho (a que melhor se presta a comentários) com precisão de quem sabe (já leu tudo sobre vinhos, a essa altura), examina o rótulo (tem de fazer isso!) e escolhe a garrafa sem titubear, que impressiona. Puxa conversa: esse vinho é de excelente procedência! Mas deve saber se isso é verdade. Começa o diálogo.

Ou, segunda, faz tipo “não sei, me ajuda?”. Basta pedir a opinião com aquele ar condoído, de quem suplica auxílio numa missão tão árdua como escolher um vinho. Em seguida, terá um homem prestativo dando lições sobre variedade de uvas, ciclo de vida das videiras, definindo exatamente o sabor de um “encorpado” e estabelecendo com a mais absoluta clareza a diferença de paladar entre um tinto e um branco, além dos espumantes, de modo que a gente sai dali sabendo até quais são as melhores regiões vinícolas do mundo e, se facilitar, a quantas anda o mercado de exportações. Às vezes, o cara é um chato, mas valeu a informação que, aliás, eles adoram dar! Sozinha, mas bem informada. Já é alguma coisa. Pode acontecer de pedir opinião e obter como resposta um “não sei”. O revide: “Nem eu”. Geralmente, acaba em riso e daí para a conversa é um nada. Pronto.

            Supermercados, postos de gasolina, ferragens, lojas de material de construção, concessionárias de carros, eletropeças, farmácias, padarias, restaurantes self service, filas de bancos e, claro, fila para votar em dia de eleição – aproveita a ocasião! – são ótimas opções para sediar o início de uma história. Quem quer paquerar procura onde o interesse está. É curioso como algumas mulheres se queixam de que não paqueram por não acharem alguém. Ora, como fazer se não vão a lugares onde pessoas circulam – e não é a boate ou o boteco, acreditem! Podem até ser, mas são os locais mais improváveis de se achar alguém bom mesmo. Os melhores homens estão nos lugares comuns, onde a vida circula sem programação.

Há mil maneiras de exercitar a deliciosa forma de aproximação. A paquera é apenas uma delas. Todos os mil jeitos são movidos por um único começo: a vontade! Vontade de conhecer, de falar com outras pessoas, de abrir o coração, de se dar nova oportunidade de ser feliz. Vamos paquerar, pois! Inventa o teu jeito enquanto eu aprimoro o meu.

(*) Crônica publicada na edição de 2 e 3 de outubro de 2010 do jornal A Razão (www.arazao.com.br) de Santa Maria, RS.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Colinha eleitoral

Vera Pinheiro

Já que não decoro números preciso de uma colinha para votar nas eleições deste domingo. Achei um jeito fácil de procurar os números dos meus candidatos. Basta clicar no link abaixo, selecionar estado (no meu caso, o Distrito Federal), buscar os nomes e clicar. A colinha fica pronta e a gente imprime.

http://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2010/cola/